Paraísos fiscais

Países terão de buscar outra fonte de sustento

Autor

  • Tânia Nigri

    é é procuradora do Banco Central especialista e mestre em Direito Econômico e autora do livro “O Sigilo Bancário e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

3 de maio de 2009, 10h22

Conforme notícia recentemente divulgada, a Suíça admitiu rever o seu histórico segredo bancário, o que estaria umbilicalmente associado ao difícil momento econômico pelo qual o mundo passa e aos recentes escândalos envolvendo os bancos helvéticos.

Por mais que se busque delinear o nascedouro do instituto do sigilo bancário, parece difícil fazê-lo com precisão, já que, segundo muitos doutrinadores, ele teria surgido quase concomitantemente com as atividades bancárias, se prendendo, em grande parte, à conotação mística que impregnou a origem dos bancos.

Os banqueiros sempre tiveram a missão de proteger e guardar os valores entregues pelos clientes e, graças aos conhecimentos que possuíam das leis, redigiam instrumentos e forneciam informações sobre os negócios a serem realizados. Com a Renascença, Florença tornou-se o centro dos bancos e nem mesmo a proibição católica da prática da usura, sob o argumento de que “o juro é o preço do tempo e o tempo pertence a Deus” evitou o desenvolvimento da atividade bancária.

Tal proibição foi posteriormente questionada pelos protestantes que, baseados na Carta sobre a Usura, de Ítalo Calvino, consideravam incompreensível que um proprietário de terra pudesse arrendá-la, enquanto ao proprietário do capital não fosse lícito fazer o mesmo.

Muitos doutrinadores sustentam que o dever de reserva bancária teria se originado da ética calvinista, que difundia um ideal novo no tocante à cobrança de juros e não condenava a prosperidade financeira, que decorreria de um sinal divino.

No século XVI, a burguesia europeia se converte ao calvinismo e chega a Contra-Reforma e o recrudescimento das perseguições dos reis católicos aos protestantes, ocasião em que muitos daqueles que possuíam patrimônio mobiliário, passam a buscar proteção nas repúblicas calvinistas, geralmente situadas em Genebra, Basiléia, Zurique e Berna, onde além de ser aceito o capital perseguido, ele era protegido com o mais absoluto segredo, bem ao encontro da concepção calvinista de que o banqueiro que aceitasse o capital e o protegesse com o absoluto sigilo estaria realizando uma obra agradável aos olhos de Deus.

Somente a partir da Primeira Guerra Mundial, com o nascimento do nacionalismo e consequente controle do câmbio, é que se vislumbrou um sentido internacional e uma nova concepção para o instituto do sigilo bancário, o que ocorreu, mais precisamente após o conflito germano-suíço.

Em 1933, a Alemanha editou legislação determinando aos seus cidadãos que declarassem os bens que possuiam no exterior, punindo com a pena de morte o seu descumprimento. A Gestapo, encarregada de zelar pela execução da norma, utilizava os mais incomuns procedimentos para descobrir a identidade daqueles que a descumpriam. Tal fato levou os bancos suíços a oferecer mais proteção aos seus clientes e a salvaguardar seus próprios depósitos, criando-se, então, as contas correntes numeradas ou sob pseudônimo.

Com o fim da guerra e o incremento nas buscas por contas invioláveis, a Suíça passou a legislar sobre assunto, punindo criminalmente o agente que violasse o sigilo dos seus clientes, donde se conclui que foi a necessidade de garantir o indivíduo contra o Estado, que levou à afirmação do segredo bancário.

Com o passar do tempo, entretanto, o sigilo passou a ser utilizado como poderoso instrumento para encobrir os mais diferentes ilícitos. A tradição do sistema cerrado da Suíça experimentou o seu primeiro grande revés quando a imprensa estrangeira, em colaboração com órgãos de repressão aos abusos cometidos na Segunda Guerra, exigiu que fossem divulgados os nomes das vítimas de guerra cujos valores tenham sido pilhados e custodiados sob o formalismo do sigilo bancário suíço.

Em virtude da pressão e das manifestações internacionais, os bancos suíços concordaram em pagar altíssima soma como parte de um acordo visando encerrar o processo movido por vítimas do Holocausto.

Passados alguns anos dos fatos acima narrados e atendendo ao anseio internacional, a Suíça apresenta-se agora como o maior paraíso fiscal europeu a fazer concessões em sua legislação sobre sigilo bancário.

O país, maior off shore do mundo, para escapar de uma lista de paraísos fiscais elaborada pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vem prometendo cooperação com os países estrangeiros, até mesmo em casos de evasão fiscal, não considerado crime naquele país, desde que praticada por estrangeiro contra o seu país de origem.

É importante ressaltar, entretanto, que, ao que tudo indica, serão mantidas as regras básicas do sigilo bancário e não serão entregues, de forma automática, as informações confidenciais de clientes dos bancos helvéticos, devendo haver sempre, acordos bilaterais prévios autorizadores da flexibilização do segredo nesses casos.

A Suíça vem demonstrando maior maleabilidade no trato de tão espinhosa questão, sobretudo após o duro golpe sofrido pelo banco suíço UBS, ao ter admitido o auxílio na ocultação de cerca de 300 contas bancárias de contribuintes, dos olhos das autoridades fiscais norte-americanas, o que lhe causou a imposição de pesadíssima multa, além de um grande desconforto político.

A lei suíça faz uma distinção bastante clara entre evasão de impostos e fraude fiscal, proibindo, no primeiro caso, que os banqueiros informem dados de seus clientes, mesmo que a requisição seja exarada por autoridades.

Considera-se evasão tributária a omissão do contribuinte em relatar parte da sua riqueza ou da sua renda às autoridades fiscais, sendo um problema meramente administrativo, sujeito apenas à pena de multa, sem reflexos na seara criminal, o que não ocorre na fraude fiscal, quando os próprios documentos que comprovam a ocorrência do fato gerador do tributo apresentam-se forjados.

Viceja, ainda hoje, no mundo econômico, a suspeita de que a sonegação fiscal internacional seria uma das três grandes rendas dos bancos suíços, o que tem intensificado a pressão no sentido de modificarem-se as regras duras do sigilo bancário helvético.

A Suíça sempre se mostrou resistente às pressões externas, alegando que sua sobrevivência econômica dependeria, em muito, do segredo bancário, mas após a crise financeira internacional, a sucessão de fatos envolvendo os bancos suíços e a reunião do G20, em que alguns países como França, Alemanha e Itália demonstraram o firme propósito de anistiar aqueles que desejam repatriar os fundos depositados no exterior, parece que o país terá que buscar um caminho que harmonize a sua economia com o novo cenário que se desenha pelo mundo.

Muitos analistas políticos apostam que o sigilo bancário suíço continuará a vigorar no país, mas apenas para os residentes, havendo substancial mudança nas regras que regerão os estrangeiros que ali guardam os seus depósitos.

O Secretário-Geral da OCDE, José Ángel Gurría, anunciou o fim da "lista negra" de paraísos fiscais após países como Uruguai, Malásia, Costa Rica e Filipinas terem demonstrado disposição em trocar informações fiscais com outros governos, aceitando a adoção do artigo 26 do Modelo de Convenção Tributária da OCDE. Para a Organização seria o fim do sigilo bancário da forma como conhecemos, podendo haver legislação interna aplicando o instituto aos seus residentes, mas não aos residentes de outros países que invistam em sua praça financeira.

A Suíça, juntamente com outros paraísos fiscais, se comprometeu a adotar o referido artigo 26, que prevê o reforço nas leis tributárias internas dos países signatários e determina que, desde que cabalmente demonstrada a importância de informações bancárias para a fiscalização e arrecadação de impostos, elas deverão ser enviadas, o que, se for efetivamente cumprido, fará com que muitos países que há anos vivem do estrito sigilo de seus bancos, sem qualquer atividade produtiva, busquem em outros setores da economia a sua fonte de sustento.

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