Supremo 2010

Cotado para o STF, Toffoli diz que aceitará o cargo

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1 de maio de 2009, 16h23

O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, é o entrevistado desta semana das páginas amarelas da revista Veja. Ele é citado como o “preferido do Planalto” para ocupar uma das vagas de ministro do Supremo Tribunal Federal que serão abertas até o fim de 2010. Toffoli tem 41 anos e foi advogado do presidente Lula nas três últimas campanhas.

Ao jornalista Otávio Cabral, afirmou que se for convidado pelo presidente aceitará o cargo de ministro da Suprema Corte, no entanto, rebateu as insinuações de que trabalhará pelas causas do PT.

Questionado sobre a lentidão na Justiça, declarou que aceitou assumir a AGU para tentar mudar a cultura jurídica de litígio. Para ele, o Judiciário não é a solução para todos os problemas da sociedade. “Nos Estados Unidos, a maioria das questões é resolvida nos escritórios de advocacia. A Justiça brasileira hoje tem mais de 60 milhões de ações. Cada uma tem pelo menos dois lados. Então são 120 milhões de pessoas litigando na Justiça. Não há como funcionar”, disse.
Durante a entrevista, Toffoli, que é católico e vai à missa aos domingos, defendeu a descriminalização do aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Ele também comentou a discussão pública entre o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, e Joaquim Barbosa.

Leia a entrevista

Como o senhor analisa a discussão entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa?
O Judiciário brasileiro é um dos únicos do mundo em que os julgamentos são públicos, transmitidos ao vivo pela TV. Isso traz mais transparência e explicita as divergências, o que é positivo. A função de ter um colegiado de ministros é que as divergências sejam debatidas e resultem em um voto melhor. Como os dois ministros são humanos, o debate virou uma discussão mais acirrada, com palavras mais fortes. Não concordo que haja populismo no tribunal, como disse o ministro Gilmar Mendes, muito menos que a imagem do Judiciário esteja comprometida, como disse o ministro Joaquim Barbosa. Mas acho perfeitamente legítimo que os dois expressem essas opiniões.

A Advocacia-Geral da União é acusada de atuar como advocacia do governo. É possível separar as duas coisas?
A AGU tem a função de defender na Justiça todos os poderes da União. Mas tem uma proximidade maior com o Executivo porque presta consultoria direta em todos os atos do presidente. No meu caso, porém, nunca houve influência do governo ou qualquer pressão do presidente para mudar um parecer.

Mas o senhor foi por mais de dez anos advogado do PT. Isso não compromete sua isenção?
De maneira nenhuma. Em primeiro lugar, eu me desfiliei do partido quando entrei na Casa Civil, em 2003. Além disso, nunca tive militância partidária nem disputei eleições. Tenho apenas proximidade com o partido e com o presidente Lula, de quem fui advogado em três campanhas presidenciais. Isso não compromete a atuação institucional na AGU. Aqui sou pautado pela Constituição e pelas leis do país.

O Supremo Tribunal Federal decide nos próximos dias a descriminalização do aborto de fetos anencéfalos. Qual é a sua posição sobre o tema?
A discussão que se coloca é sobre quando começa a vida. A posição do Ministério da Saúde, defendida pelo governo e por mim, é que um feto que não vai desenvolver o cérebro está fadado ao insucesso, não terá uma vida propriamente dita. Defendo a ideia de que o casal ou a mulher que se decida pela continuação da gravidez em casos assim tenha o direito de levá-la até o fim. O mesmo vale para quem decidir o contrário. Se optar por interromper a gestação, a mulher não deverá ser processada criminalmente por isso.

O senhor é católico praticante, e a Igreja defende a manutenção da criminalização do aborto. Não há aí uma contradição?
Respondo com tranquilidade: sou contra o aborto. E duvido que exista sobre a Terra algum ser humano favorável ao aborto. Mas o problema tem de ser encarado de outro ponto de vista: qual é a melhor forma de combatê-lo? Qual é a melhor maneira de diminuir o número de casos de aborto? A criminalização não é a resposta. Ela pode até ser importante do ponto de vista moral para dizer que é algo errado, incorreto, mas não resolve o problema. Não adianta alimentar uma polêmica de religião versus estado ou de feminismo versus Igreja. É necessário que as pessoas pensem na melhor forma de combater o aborto. Resumindo: sou contra o aborto e contra sua criminalização.

Com a proibição, como o senhor diz, os abortos ocorrem de maneira clandestina. Sem ela, a prática não tenderia a se disseminar mais ainda?
Defendo a ideia de que o estado ofereça uma política de saúde pública que procure evitar o aborto, mas que também dê condições dignas e seguras às mulheres que decidam abortar. O estado precisa incentivar a contracepção e o sexo seguro. Esse tipo de informação é fundamental. Quando a mulher engravida, é necessário que se dê a ela acesso a programas médicos, sociais, psicológicos, religiosos e até auxílio econômico, se for o caso, para que mantenha essa gravidez. É preciso fornecer meios para dissuadi-la da possibilidade de fazer um aborto. Mas depois disso, se não houver outra opção, é melhor que ela o faça de maneira segura.

Essa é uma opinião pessoal ou é a visão do governo sobre o assunto?
A minha opinião é muito semelhante à dos ministros José Gomes Temporão (Saúde) e Dilma Rousseff (Casa Civil). Nós consideramos que o aborto tem de ser visto como uma questão de saúde pública, não como um problema criminal. Isso é muito diferente da visão da Secretaria da Mulher, que aceita o aborto como uma forma de contracepção. Pragmaticamente, a descriminalização é a melhor forma de reduzir o número de abortos.

O senhor também já deu parecer favorável à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Essa é uma posição do governo?
Essa é uma posição da interpretação das leis do Brasil. Está clara na Constituição a proibição de discriminação de qualquer espécie. Eu entendo que a Constituição atende também à realidade do homossexualismo. Na medida em que há uma relação homoafetiva, você tem de protegê-la legal e constitucionalmente. A Igreja tem todo o direito de considerar isso um pecado. Aquele que é católico vai se entender com a Igreja. Agora, o estado e AGU têm de se pautar pela Constituição, que proíbe a discriminação de qualquer espécie.

Uma das causas da sobrecarga e da consequente lentidão da Justiça é o excesso de recursos interpostos pela União. Há como mudar esse quadro?
Eu aceitei o cargo justamente para enfrentar o desafio de mudar a cultura jurídica. No Brasil, nós temos a formação, desde as escolas de direito, para o conflito. Nos Estados Unidos, a maioria das questões é resolvida nos escritórios de advocacia. A Justiça brasileira hoje tem mais de 60 milhões de ações. Cada uma tem pelo menos dois lados. Então são 120 milhões de pessoas litigando na Justiça. Não há como funcionar. O Poder Judiciário não é a solução de todos os problemas.

Mas o estado não é o principal culpado dessa situação, com seu excesso de ações e recursos intermináveis?
O Estado já foi um dos maiores provocadores de ações na Justiça por causa da época da inflação. Ainda temos alguns esqueletos no Supremo, mas esse rescaldo dos planos econômicos está acabando. Aqui na AGU estamos tentando contribuir para reduzir mais ainda a morosidade da Justiça. Criamos câmaras de conciliação para evitar que brigas entre órgãos federais cheguem à Justiça. O governo precisa se mexer, modernizar-se constantemente, porque o cidadão não pode ter raiva do estado, como ocorre hoje. O estado precisa ser mais ágil e o governo não pode ser um bicho-papão.

O senhor comprou briga com os ministros Dilma Rousseff e Tarso Genro ao se posicionar contra a revisão da Lei da Anistia. Para eles, seu parecer serviu para defender torturadores.
Há um equívoco nessa visão. Divulgou-se que a AGU defendeu torturadores. Não foi isso. A AGU fez a defesa da União, é obrigação da AGU defender a União e a constitucionalidade e legalidade das leis. E a Lei da Anistia é legal. Eu compreendo e respeito a posição pessoal dos ministros que foram contrários à atuação da AGU. Mas ela cumpriu seu papel constitucional.

A área jurídica do governo também foi favorável à extradição do terrorista italiano Cesare Battisti. Ainda assim, o Executivo concedeu refúgio político a ele. O senhor acha correta essa decisão?
Não vou revelar minha posição porque a AGU deve ser instada a se manifestar pelo Supremo Tribunal Federal. Mas acho que ao STF, como a maior instância judiciária, cabe dar a última definição sobre qualquer conflito judicial. Inclusive nesse caso de extradição.

A oposição acusa o governo de uso da máquina para tornar a candidata Dilma Rousseff conhecida da população.
O que a oposição parece pretender é que o governo pare de trabalhar, mas isso é impossível. Se o governo trabalha e a imprensa repercute esse trabalho, isso não pode ser qualificado de propaganda eleitoral. Fazendo uma analogia com a Fórmula 1, nós não estamos sequer nos treinos livres da campanha. Não estão definidos sequer os pilotos. Até chegar ao grande prêmio falta muito tempo. Por isso, a oposição dá um tiro no pé ao apontar a ministra Dilma como candidata no pleito de 2010. Isso só faz com que apareça mais o nome dela.

O senhor era o subchefe da Casa Civil quando José Dirceu era ministro. O senhor teve conhecimento do mensalão?
Só posso falar sobre o que vi. No tempo em que fiquei na Casa Civil, nunca ouvi falar de mensalão. Até vir aquela denúncia do Roberto Jefferson, nem sequer tinha ouvido falar nessa palavra. O comportamento do ministro José Dirceu comigo na Casa Civil sempre foi de respeito às leis. Ele nunca me pediu nenhum tipo de análise jurídica por encomenda.

O Congresso vive uma crise causada pelo uso irregular de recursos públicos. No ano passado, crise semelhante abateu o Executivo. A lei não é muito branda com os ladrões do nosso dinheiro?
Discordo da tese de que uma nova lei seja a panaceia cada vez que aparece uma crise. O problema é nossa herança histórica e política de confundir o público com o privado. É preciso uma conscientização maior de que quem exerce uma função pública só pode gastar o dinheiro público no interesse público. E é preciso, acima de tudo, um rigor maior na fiscalização, acabar com esse costume de passar a mão na cabeça dizendo que o erro foi pequeno, que foi coisa de 1 000 reais, que foi só uma passagem aérea. Não há erro pequeno. É preciso tolerância zero com o uso indevido de dinheiro público. Mesmo o erro pequeno precisa de punição.

Mas alguém foi punido pelo governo no caso dos cartões corporativos?
Sim. Teve ministro que deixou o cargo, o que é uma punição política, e outros que devolveram a verba utilizada irregularmente ao erário. Além disso, houve o lado positivo da regulamentação do uso do cartão. Não ficou tudo como estava antes do escândalo.

O seu nome é cotado para ser o próximo ministro indicado pelo presidente para o Supremo Tribunal Federal. O senhor espera esse convite?
Um cargo como o de ministro do Supremo você não pode ambicionar nem pedir. Mas a honra do cargo também impede a recusa. Não fui convidado, mas se por acaso isso acontecer agirei com isenção. Discordo dessa análise de que Lula queira aparelhar o Supremo. Nem o governo militar fez isso. É muito comum, tanto no Brasil quanto no exterior, que ministros indicados pelo governo votem contra seu interesse. Quando uma pessoa assume um cargo dessa dimensão, passa a ter todas as garantias de independência, uma boa remuneração, a garantia de vitaliciedade. E ela não vai pôr em risco seu nome e sua história para prestar favores ao governo. 

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