Morte econômica

Jornal é condenado a indenizar juiz em R$ 593 mil

Autor

26 de junho de 2009, 12h01

O jornal Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo, interior de São Paulo, foi condenado a pagar R$ 593 mil de indenização por danos morais a um juiz. O valor corresponde a dois anos e meio de faturamento bruto da empresa, segundo seu proprietário, o jornalista Sérgio Fleury Moraes.

A sentença está em fase de execução. Moraes, dono do jornal Debate, afirma que a decisão é uma "pena de morte econômica", uma vez que irá obrigá-lo a fechar o semanário, publicado há 32 anos. A informação é da Folha de S.Paulo.

A ação de indenização por danos morais, movida pelo juiz Antônio José Magdalena, transitou em julgado (quando a decisão é definitiva e não cabe mais nenhum recurso) em 2002. O jornalista foi condenado, na época, a pagar mil salários mínimos, mais os custos decorrentes do processo.

Nesta semana, Moraes foi informado oficialmente de que tem 15 dias para pagar o valor. Ele afirma que, na prática, isso vai significar o fim do jornal, que tem faturamento mensal bruto de R$ 20 mil. A principal máquina vale R$ 40 mil.

O juiz Magdalena afirma que foi vítima de uma campanha difamatória do jornalista e que o dinheiro da indenização será repassado a quatro entidades de serviço social. Ele comparou a atuação do jornalista a do dono de uma empresa de transportes que determina que seus caminhões viajem a 150 km por hora e depois diz que faliu em razão das multas e dos acidentes. O objetivo da ação, diz ele, em nenhum momento era levar ao fechamento do jornal.

Segundo o juiz, o fato de Moraes insistir no tema e recrudescer os ataques contribuiu para o valor final da indenização. A ação teve início em 1995, depois que o Debate publicou reportagem que dizia que o juiz morava em casa com o aluguel pago pela prefeitura e contava com uma linha telefônica também custeada pelo município.

Em 1996, a repercussão da disputa entre o juiz e o jornalista ultrapassou as fronteiras da cidade e ganhou repercussão nacional, quando Magdalena, que já movia ação de indenização por danos morais contra Sérgio Moraes, determinou que o jornalista fosse preso, em caso relativo a uma ação eleitoral.

Por meio de sua assessoria, o Comitê de Liberdade de Expressão da ANJ (Associação Nacional de Jornais) afirmou que "acompanha o caso atentamente e tem certeza de que o princípio constitucional de irrestrita liberdade de expressão acabará prevalecendo, inclusive no sentido de que eventuais indenizações correspondam ao dano e à capacidade de reparação do acusado".

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, com a ressalva de que não conhece o caso concreto, classificou o valor como "preocupante, pois pode ser encarado como um atentado à liberdade de expressão". Em sua opinião, "indenizações não podem servir como forma transversa de inibir a imprensa, o que acontecerá se forem fixadas indenizações altíssimas, em valores superiores ao patrimônio do veículo de comunicação".

Levantamento feito pela Folha em 2008 mostrou que as indenizações por danos morais fixadas em processos iniciados por juízes contra organismos de imprensa têm valor aproximadamente três vezes maior que as estipuladas em ações movidas por pessoas de outras áreas de atuação. A indenização média para magistrados ficou em 1.132 salários mínimos (R$ 526 mil); já para as outras pessoas ela ficou em 361 salários mínimos (R$ 168 mil).

Jornais ameaçados

Recentemente a ConJur publicou que um terço dos jornais filiados à Associação dos Jornais do Interior de São Paulo (Adjori-SP), que reúne cerca de 100 jornais de circulação diária, semanal e quinzenal, tem processos judiciais. Na ocasião, Carlos Balladas, presidente da associação, destacou que “a maioria das ações é de caráter intimidatório, sem fundamento algum e, geralmente, propostas por políticos que usam o Judiciário para tentar cercear a imprensa”.

A revista apurou também que os processos, pedidos de indenização por danos morais e materiais, comprometem a receita de pelo menos dois jornais do interior. O jornal A Cidade, de Adamantina, por exemplo, responde por ter publicado a frase de uma vereadora contra o prefeito, José Francisco Figueiredo Micheloni (DEM), conhecido como Kiko. A vereadora Cleusa, da Pastoral da Paróquia Santo Antônio afirmara que “segundo me disseram, o grupo do Kiko não me aceita como vice, porque sou gorda, pobre e petista”.

O prefeito se sentiu ofendido com a expressão “grupo do Kiko” e decidiu cobrar do jornal e não da vereadora. No pedido de indenização, ele pede não menos que 200 salários mínimos a serem destinados para uma entidade beneficente. Se o jornal for condenado, terá de pagar R$ 93 mil de indenização. A sua receita mensal, contudo, é de R$ 6 mil. A divida inviabilizaria a existência do jornal.

Outro jornal que responde a processo por danos morais é o Integração, de Tatuí. O valor da indenização equivale a mais de 70% do total da receita mensal do jornal, que é de R$ 25 mil. Se condenado, terá de pagar R$ 18 mil por danos morais. (Clique aqui para ler a reportagem).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!