Jogo do trilhão

Procuradores pedem saída do gestor da dívida ativa

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20 de junho de 2009, 8h13

A dívida ativa da União é de mais de R$ 1 trilhão. Aproximadamente 40% desse valor são créditos podres. Ou seja, tributos que deixaram de ser pagos, mas que o Estado tem muito pouca esperança de receber. Por isso, hoje, a União cobra dos contribuintes que deixaram de pagar regularmente seus tributos cerca de R$ 600 bilhões. A cobrança é feita tanto na Justiça como extrajudicialmente.

Os números mostram que a gestão dessa dívida vem se aperfeiçoando ao longo do tempo. Em 2001, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) conseguiu recuperar R$ 12 bilhões para os cofres públicos. Já em 2008, o montante foi de R$ 80 bilhões. Os valores, por si só, revelam também a importância de ter um técnico eficiente à frente do time que vai a campo tentar recuperar esse dinheiro.

Hoje, o time quer trocar o técnico e, para isso, recorreu ao tapetão. O Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) entrou no fim de maio com ação no Superior Tribunal de Justiça pedindo a exoneração do diretor do Departamento de Gestão da Dívida Ativa da União, Paulo Ricardo de Souza Cardoso. Segundo o sindicato, é ilegal a manutenção no posto “de cidadão alienígena aos quadros efetivos da PGFN”. O cargo, criado em fevereiro, provocou uma divisão interna na Procuradoria da Fazenda.

A decisão de recorrer à Justiça para tirar Cardoso do cargo foi tomada em assembléia-geral do Sinprofaz, por aclamação, no dia 28 de março. Dois meses depois, o sindicato entrou com pedido de liminar em Mandado de Segurança no STJ. A liminar foi negada pelo ministro Arnaldo Esteves Lima.

Na última terça-feira (16/6), os procuradores entraram com Agravo Regimental contra a decisão. O pedido é para que o ministro reconsidere sua decisão ou submeta o caso à análise de sua seção no tribunal. Esteves Lima ainda não apreciou o novo pedido.

Chave do cofre
De acordo com a ação do Sinprofaz, Paulo Ricardo de Souza Cardoso — ou “o estrangeiro”, como é chamado por procuradores — não poderia assumir a direção do departamento que coordena a execução e cobrança da dívida ativa porque não é procurador da Fazenda e “sequer é advogado”. Ainda que fosse advogado, a função que ele ocupa é privativa de procurador da Fazenda, sustentam os procuradores.

O sindicato alega que atividades de “direção, consultoria e assessoria jurídicas somente são reconhecidas como válidas pelo ordenamento jurídico brasileiro se laboradas por cidadão que preencha todos os requisitos exigidos, os quais sejam, ser bacharel em Direito e ter inscrição válida na Ordem dos Advogados do Brasil”.

No pedido ao STJ, o Sinprofaz argumenta que não se pode admitir a permanência de Cardoso no cargo, “sob pena de ser reconhecida a nulidade absoluta dos atos praticados por aquele cidadão não legalmente habilitado”. O gestor da dívida ativa é bacharel em Direito, mas não está inscrito na OAB porque é auditor fiscal, o que impede o exercício da advocacia.

Para a direção da PGFN, o sindicato está fazendo tempestade em copo d’água. Luis Inácio Lucena Adams, procurador-geral da Fazenda, afirma que o cargo é administrativo. Nenhuma decisão jurídica é tomada por Cardoso. “A administração do crédito tributário não é atividade privativa de procurador. Antigamente, até a área de informática da Procuradoria era comandada por procuradores. Do ponto de vista de gestão, isso não faz qualquer sentido”, disse em entrevista à revista Consultor Jurídico.

“O Ministério da Fazenda tem de pensar na cobrança e no contribuinte, não em agradar corporações. Anos atrás, a Procuradoria entrava com um processo de execução fiscal e o esquecia até o dinheiro entrar. Resultado: temos mais de R$ 1 trilhão para receber”, afirmou.

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, também saiu em defesa da nomeação de Paulo Ricardo Cardoso para administrar a dívida ativa. De acordo com ele, a gestão da dívida vai desde o lançamento do crédito tributário até a cobrança judicial. Para maximizar resultados e diminuir a litigiosidade, é preciso de alguém com visão suficiente para integrar as ações da Procuradoria com as da Receita Federal.

“O atual diretor tem experiência nas duas áreas”, garante o secretário. Paulo Ricardo de Souza Cardoso foi secretário-adjunto da Receita Federal de 2003 a 2008. Assumiu em fevereiro a missão de administrar a dívida ativa, em um departamento recém-criado pela PGFN. Por ser um acrgo novo, não há regra sobre quem deve ocupá-lo. Para Machado, considerar o cargo do gestor como se fosse privativo de determinada categoria “é um estreitamento inacreditável de visão”.

Nelson Machado usou o exemplo de um hospital para justificar a escolha de um administrador que não pertença aos quadros da Procuradoria da Fazenda: “Nem sempre o médico é o melhor diretor do hospital”.

Função jurídica
O presidente do Sinprofaz, João Carlos Souto, ressalta que o sindicato não tem qualquer restrição de ordem pessoal contra o atual gestor da dívida ativa. “Mas ele não preenche um requisito intransponível para ocupar o cargo, que é o de pertencer à carreira de procurador da Fazenda Nacional”, disse à ConJur.

“Um servidor público que irá necessariamente tomar decisões jurídicas relevantes tem de fazer parte da instituição”, defende Souto. De acordo com o presidente do sindicato, da mesma forma que um procurador não vai ao Porto de Santos tratar de questões de aduana, o auditor fiscal não deve se encarregar de tarefas que não lhe dizem respeito.

O dirigente sindical é taxativo: a gestão da dívida ativa passa, necessariamente, por decisões jurídicas. Por isso, os atos de Cardoso podem ser considerados nulos no caso de a Justiça reconhecer que o cargo é privativo de procuradores da Fazenda.

João Carlos Souto argumenta também que a criação do cargo de diretor do Departamento de Gestão da Dívida Ativa foi uma modificação cosmética no âmbito da Procuradoria, que não justifica a admissão de alguém estranho à categoria. “A gestão da dívida sempre existiu e até agora ficava a cargo de um dos procuradores-gerais adjuntos.”

O presidente do sindicato rebateu a crítica de Adams, de que a administração tem de pensar na cobrança e não em categorias, com uma informação: a de que entrou com representação, em setembro de 2006, junto ao Ministério Público, exatamente por entender que a cobrança da dívida pode ser feita de forma muito mais eficiente. "A boa gestão da dívida ativa sempre foi nosso principal foco", diz Souto.

O artigo 131 da Constituição Federal, em seu parágrafo 3º, determina que, “na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”. Para o sindicato, o texto revela que a gestão da dívida ativa “é um dos principais misteres, senão a mais importante função”, da PGFN. A entidade defende que isso, por si só, justifica que a administração dessa dívida fique a cargo de um procurador da Fazenda.

Já para a atual direção da PGFN, por se tratar de uma função essencialmente administrativa, que não demanda decisões jurídicas, a gestão da dívida não tem de ser entregue a alguém que pertença aos quadros da carreira. “As decisões e representações jurídicas continuam a cargo dos procuradores da Fazenda”, diz Luis Inácio Adams. Caberá agora ao STJ definir a natureza do cargo.

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