Reflexos da decisão

Desinformação sobre a Convenção de Haia foi afastada

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12 de junho de 2009, 11h54

A decisão recém-adotada pelo Supremo Tribunal Federal na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF nº 172, sobre tratar-se de uma manifestação juridicamente óbvia, por isso também unânime, afasta de vez o espectro de uma clara cultura de desinformação acerca da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças no Brasil, a denominada Convenção de Haia.

Contra sua aplicação, entre nós, muitas vozes, inclusive do setor público, paradoxalmente, tem repercutido no sentido da promoção de valores que não estão simplesmente em jogo na norma convencional em alusão.

Apelos os mais desconexos, normalmente ligados a um sentimentalismo de ocasião e prenhes de sustetibilidade, costumam investir de modo tão vituperioso contra as partes e seus representantes – inclusive contra os Estados-parte em cooperação proativa e até contra os apoiadores espontâneos dessas causas – a ponto de gerarem um clima de temibilidades que é bastante propício às inversões da lógica do Juiz Natural.

Nesse contexto, a Administração da Justiça local, por alguns de seus membros, acaba assimilando uma responsabilidade que de fato não lhe compete e que pode ser definida como sendo a substituição, sem forma e/ou figura jurídicas, do Juízo Natural de eleição multilateral entre Estados igualmente soberanos. Esse Juízo Natural é, na forma da Convenção de Haia, o que atua no lugar da última residência habitual do infante que, por alguma desinteligência intrafamiliar, acabou sendo abduzido de seu habitat, portanto sem o consentimento de um de seus representantes legais, ou mesmo retido ilegalmente além das fronteiras daquele mesmo espaço.

Abdução (sequestro) ou retenção ilegal tem o mesmo significado para os efeitos desse combate, cujo propósito é evitar a instalação de um mal patológico na pessoa da criança vitimada de abdução ou retenção ilegal no estrangeiro, reconhecido em escala planetária como sendo a Síndrome da Alienação Parental.

Referir que um tal propósito é contrariar a Carta Política do Estado brasileiro é atentar contra a própria inteligência e a capacidade com que as pessoas medianas podem avaliar, com isenção, esses quadros todos em que se costumam tomar o acessório pelo principal e vice-e-versa, em face de nítidas razões sectárias.

Cumpre destacar que se é certo que uma criança é sujeito de direito, tanto na Ordem Jurídica Interna quanto na Ordem Jurídica Internacional, não menos certo é que sua vontade é objeto de tutela oficial, justamente em razão do seu próprio benefício.

Os casos de sequestro ou retenção internacional indevida de crianças demanda, pois, breve solução compartilhada entre as Ordens Jurídicas interagentes, mediante cooperação jurídica direta. Esse compartilhamento está plenamente estabelecido entre os Estados-parte que aderiram à Convenção de Haia, entre os quais o Brasil, instituindo uma Autoridade Central e promovendo campanhas de informação que, entre nós, infelizmente, ainda estão em vias de consolidação, a despeito dos esforços da Presidência do próprio Supremo Tribunal Federal que mantém um Grupo de Trabalho justamente para isso. Esse Grupo conta com Juízes Federais de ligação, Procurador Regional da República, representante da Advocacia Pública Federal e do Ministério das Relações Exteriores, além de outros servidores qualificados.

De mais a mais, a obviedade anunciada no primeiro parágrafo deste artigo, em face do atual pronunciamento da Suprema Corte quanto à inadmissibilidade de ADPF como supedâneo de recurso ordinário está firmada na lei de regência – in claris cessat interpretatio (art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/98).

Resta avaliar os "engenhos" (parafraseando o eminente Ministro César Peluzo) que provocaram uma precariedade jurídica. Sobre isto, o que faz com que um Partido Político se interponha, numa prontidão invejável, a uma relação interpessoal sem causa ou figura jurídicas? Agrava que o assunto versa sobre o caso de um menino exclusivamente estrangeiro, consoante os termos do art. 95, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, redação do art. 2º da Emenda Constitucional nº 54/2007.  E, mais, que se encontra em situação irregular no país, haja vista os termos do art. 7º, inc. I, da Lei nº 6.815/80, sujeito, inclusive, a deportação (art. 57, da lei citada). 
Agora, a vontade política e, no seu contexto, o sentimentalismo ingênuo que move terras e articula a inteligência humana até mesmo para deturpar a razão e a ordem natural das coisas, essa não tem como ser cogitada a priori, eis que o coração humano, assim dos bons e dos maus, é sempre um tesouro imperscrutável. Imperscrutável e difícil de entender!

Mas, foi em face da pedagogia empreendida, com muito brilho e clareza, pela ilustrada Ministra Ellen Gracie, sob cuja Presidência, aliás, instituiu o já mencionado Grupo de Trabalho junto ao STF para orientar a Nação sobre os nobilitantes aspectos da Convenção de Haia, que ficou definitivamente esclarecido que a norma convencional focada de nenhum modo colide com a Constituição da República Federativa do Brasil em quaisquer de seus termos ou enunciados.

Antes pelo contrário: é mecanismo para garantir a efetivação de seus próprios preceitos fundamentais.

Dentro de um tal panorama, eis que a Suprema Corte poderia até mesmo fazer expedir uma Ordem de habeas corpus em favor de quem, na forma da Convenção de Haia, se acha privado de seu direito subjetivo de regressar, de imediato, ao lugar de sua residência habitual (art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal).
Certamente não o fizera – ainda – em homenagem à estrutura que organiza o sistema judicial brasileiro, conforme os termos da Constituição Federal que encontra no próprio STF o seu maior guardião como suporte do regime democrático e do Estado de Direito entre nós.
 

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