Maioridade penal

Capacidade psíquica do menor deve ser considerada

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

10 de junho de 2009, 12h48

No Brasil a maioridade penal ocorre aos 18 anos de idade, conforme os seguintes dispostivos:

a) artigo 27 do Código Penal Brasileiro;
b) artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente;
c) artigo 228 da Constituição Federal.

Adotou-se o sistema biológico, em que é considerada tão-somente a idade do agente, independentemente da sua capacidade psíquica.

Primeiramente, deve-se consignar que tal sistema resta ultrapassado diante do atual desenvolvimendo do adolescente, no Brasil e no mundo, razão pela qual, o Código Penal Brasileiro deve ser alterado nesse ponto para que também o menor de 18 anos no que tange a imputabilidade passe a ser avaliado pelo sistema biopsicológico, o qual exige a presença, em resumo, da capacidade de entender e querer, regra esposada no Brasil pelo art. 26, caput, do Código Penal Brasileiro. Enfim, esse sistema exige causa, momento e consequência para compreender se o aspecto criminoso do fato e de orientar de acordo com esse entendimento.

Por óbvio, não de pode dizer que um adolescente de 17 anos de idade não compreende o caráter criminoso do tipo legal consignado no art. 121, do Código Penal Brasileiro, por exemplo; de onde a adoção do sistema biopsicológico restaria mais adequada do ponto de vista técnico, bem como social. Segundo a Revista Super Interessante (Março/07) 84% dos brasileiros acreditam ser necessária a redução da maioridade penal.

O Prof. René Ariel Dotti manifesta-se pela inconstitucionalidade da redução da maioridade, uma vez que, para ele, a previsão da inimputabilidade prevista na Constituição Federal constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título II do diploma constitucional. Incabível, portanto, segundo o citado doutrinador ser objeto de emenda, pois constitui cláusula pétrea, visto que o § 4.º do art. 60 prescreve não ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e as garantias individuais.

Para alguns doutrinadores, corrente a que aqui se filia, em que pese a existência de texto expresso de nossa Constituição referente à maioridade penal, esse fato não impede, caso haja vontade política para tanto, de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o art. 228 da Carta Política não trata de matéria considerada irreformável por meio de Emenda Constitucional, pois não se amoldaria ao rol de cláusulas pétreas dispostas nos incs. I a IV do § 4.º do art. 60 da CF.

A grande maioria dos adolescentes entre 16 e 18 anos possui maturidade, atualmente, para determinar-se de acordo com valores morais e sociais, de modo a conduzir-se conforme a lei, razão da defesa da tese em testilha.

O próprio legislador compreendeu que o menor entre 16 e 18 anos possui capacidade intelectual, ao atribuir capacidade eleitoral ativa, no art.14, § 1º, inciso II, alínea c, da Magna Carta, por exemplo.

O ilustre Dr. Miguel Reale defende que “tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo”.

A teoria das “janelas quebradas” ou “Broken Windows Theory”, atribuída à Kelling e Wilson sustenta que “se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pelo manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio e tampouco pela rua em que se localizava o prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente.”

O Projeto Tolerância Zero aplicado pela Polícia de Nova Iorque, com base na teoria acima implicou na primeira diminuição real da criminalidade verificada em 30 anos naquela urbe.

Deve se consignar entretanto, por amor ao debate, vozes em sentido contrário ao aqui defendido aos quais asseveram que o recuo nos números da criminalidade envolvendo menores infratores, seja nos grandes centros, seja no interior do Brasil, ocorrerá com a eficaz implantação das políticas que promovam a valorização do indivíduo como um verdadeiro cidadão. A redução da maioridade em nada influenciará no sistema com o qual nos deparamos hodiernamente. Pelo contrário, pessoas em desenvolvimento psíquico terão o mesmo tratamento penitenciário dispensado àqueles com capacidade de discernimento pleno e com personalidade já maculada, proporcionando certa confusão de valores e gerando um círculo vicioso de erros e conseqüências futuras. É notório que o sistema penitenciário brasileiro tem um baixo índice de ressocialização. Verifica-se que, caso seja adotada a aludida medida, teremos um verdadeiro retrocesso em relação aos direitos e às garantias conferidos ao menor pela Constituição, destacando-se, dentre eles, o art. 227, o que produzirá um específico grau de invalidade da norma perante o sistema constitucional. “ (Dr. Gustavo Bregalda – Juiz Federal em São Paulo e Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus).

A psiquiatria da infância e da adolescência descreve, porém, como um de seus quadros mais graves o chamado Transtorno de Conduta (TC), caracterizado por um padrão repetitivo e persistente de conduta anti-social, agressiva ou desafiadora, por no mínimo seis meses. A presença de sintomas de TC na infância é um mau sinal, pois prevê delinqüência na vida adulta. Quanto mais intenso o comportamento agressivo na infância, maior a probabilidade de ocorrer comportamento delinqüente ou francamente criminoso na fase adulta. O TC pode ter início já aos cinco ou seis anos de idade, mas habitualmente aparece ao final da infância ou início da adolescência. O início precoce prediz um pior prognóstico e um risco aumentado de Transtorno da Personalidade Anti-Social (CID 301.7) na vida adulta (Dr. Arthur Kaufman – Professor doutor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP)”

O denominado “Bullying”, termo da língua inglesa que significa humilhar, intimidar, ofender e agredir, resta extremamente comum no meio estudantil, sendo que, como noticiado nos meios de comunicação há casos tão graves que o agredido matou uma série de pessoas em uma escola nos EUA.

Conforme a Dra. Laurissa Cortellazzi, médica, “esse padrão de comportamento está longe de ser inocente. Trata-se, na verdade, de um distúrbio que se caracteriza por agressões físicas e morais repetitivas, levando a vítima ao isolamento, à queda do rendimento escolar, a alterações emocionais e à depressão”.

A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infancia e à Adolescência (Abrapia), ONG, em pesquisa com 5.482 alunos de 5ª a 8ª série de 11 escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro, verificou que 40,5% alunos admitem ter praticado ou ter sido vítima de “bullying”, o que denota que existem casos graves de atos infracionais reiterados no meio escolar, muitas vezes, sem nenhuma medida efetiva de repressão.

Apesar das questões sociais no Brasil requererem um enfrentamento imediato de modo a reduzir a criminalidade de modo geral, ainda assim, há que se imputar maior severidade em termos de repressão e prevenção ao crime e atos infracionais.

Os aspectos psicológicos, sociais e estatísticos conduzem à necessidade de alteração do atual aspecto criminal no que tange aos menores entre 16 e 18 anos.

Ademais, existe a necessidade de adequação do ECA, de maneira geral, a atual necessidade repressiva, ampliando as possibilidades de aplicação de medidas sócio educativas, inclusive para os menores de 12 anos, bem como , a necessidade de aplicação de médidas sócio educativas que envolvam a família e/ou os pais.

Conforme aqui delineado, apesar de possições contrárias, acredita se na possibilidade de alteração constitucional e redução da maioridade penal e, principalmente, da adoção do sistema biopsicológico para definir-se a imputabilidade no Brasil.

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    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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