Liberdade de informação

Diploma de jornalismo é algema que Supremo deve tirar

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10 de junho de 2009, 14h04

 LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E A “DUPLA OBRIGATORIEDADE”: A EXIGÊNCIA DE DIPLOMA DE JORNALISMO E REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO NO BRASIL DO SÉCULO XXI

“Tem que ser selado, registrado, carimbado, avaliado e rotulado se quiser voar” (Raul Seixas, Carimbador Maluco)

Em outubro de 2009, as exigências de diploma específico de jornalismo e de registro no Ministério do Trabalho para o exercício regular da profissão de jornalista completarão 40 anos. Quarenta anos de diplomas e registros, oriundos de plena ditadura militar. De fato, esta “dupla obrigatoriedade” foi fruto do Decreto-Lei 972 de 1969, de autoria da Junta Militar que governava o país.

Em 1985, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, antes mesmo da internet e de seu jornalismo democratizado e atomizado, já havia feito o vínculo entre a liberdade de expressão e informação, democracia e o jornalismo. Essa profissão é crucial para a democracia e para o Estado Democrático de Direito. Por isso, a Corte de San José rechaçou firmemente, como veremos, a exigência de diplomas obrigatórios e os registros em órgãos de fiscalização. Esta "dupla obrigatoriedade" não é uma questão de interesses corporativos e reservas de mercado: é uma regulamentação desnecessária e desproporcional, ofendendo vários direitos fundamentais: a liberdade de informar e ser informado, bem como a liberdade de exercício profissional sem restrições abusivas.

Em 2009, nas vésperas da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre tema, creio ser de valia um breve resgate do trâmite da ação civil pública sobre o diploma de jornalismo.

Em 2001, à frente da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, minha atuação era focada na área dos direitos fundamentais. Entre vários temas de direitos dos indivíduos, tratei de analisar a compatibilidade das restrições impostas pelo citado Decreto-Lei 972/69 com a liberdade de expressão e informação.

Era imperiosa tal análise, uma vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já havia se manifestado contra tais exigências (Opinião Consultiva 5/85), considerando-as ofensivas à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), diploma que possui natureza supralegal no país (vide Recurso Extraordinário 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso). O Brasil já reconhece a jurisdição da Corte de San José desde 10 de dezembro de 1998 e pode ser responsabilizado internacionalmente pela violação da Convenção Americana de Direitos Humanos, conforme defendi em obra própria (André de CARVALHO RAMOS, A responsabilidade internacional por violação de direitos humanos, Ed. Renovar, 2004).

Formei minha convicção após procedimento administrativo ministerial, no qual foram ouvidos diversos componentes da sociedade civil e do Ministério do Trabalho, bem como juntados diversos pareceres de juristas como Eros Roberto Grau e Geraldo Ataliba (ambos contrários às exigências do Decreto-Lei 972/69), além de cópias de procedimentos criminais, em pleno Brasil democrático, contra jornalistas “sem diploma” por exercício irregular da profissão.

Assim, propus, pelo Ministério Público Federal, em 16 de outubro de 2001, ação civil pública contra a “dupla obrigatoriedade” do Decreto-Lei 972/69 (Processo 2001.61.00.025946-3). Essa ação civil pública foi distribuída para a Juíza Federal Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Federal de São Paulo, tendo sido proposta somente contra a União, não contando com qualquer assistente ou co-réu.

O cerne da ação: a preservação da liberdade de informação e expressão graças à supressão de exigências descabidas e desproporcionais previstas no Decreto-Lei 972/69 para o exercício da profissão de jornalista, especificamente a exigência de diploma superior em jornalismo e o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão (obrigações concretas de não-fazer contra a União). Também foi pedida a declaração de nulidade de todos os autos de infração lavrados pelas autoridades administrativas sobre o exercício irregular da profissão de jornalista e também foi pedido que os Tribunais de Justiça fossem comunicados do teor da ação para que houvesse a apreciação da pertinência do trancamento de investigações ou ações penais em trâmite, cujo objeto se caracterizasse pela apuração de prática de delito de exercício ilegal da profissão de jornalista.


Os fundamentos da ação referem-se à delimitação dos direitos fundamentais. Este é o âmago da ação: tratou-se de excluir, entre os limites possíveis à liberdade de informação, de expressão e de imprensa, a “dupla obrigatoriedade” imposta pela Junta Militar mediante o Decreto-Lei 972/69, por ser incompatível com o Estado Democrático de Direito brasileiro e à dignidade humana.

Logo após a propositura da ação, em 23 de outubro de 2001, foi parcialmente deferida a tutela antecipada pela juíza federal Carla Rister, sendo determinada a abstenção da União, em todo o país, em exigir “o diploma de curso superior em Jornalismo para o registro no Ministério do Trabalho para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto”, bem como em fiscalizar “o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau de nível universitário de Jornalismo, assim como exarar os autos de infração correspondentes […], sob pena de cominação de multa diária nos termos do artigo 11 da Lei 7.347/85”. Não foi aceita a dispensa do registro no Ministério do Trabalho.

A tutela antecipada era urgente e necessária: vários sindicatos de jornalistas diuturnamente solicitavam providências criminais contra jornalistas sem diploma, alegando a prática da contravenção penal de exercício ilegal de profissão. Esta atuação, que viola a dignidade humana e que restringe — por meio do instrumento penal — a liberdade de imprensa, exigia pronta resposta do parquet e da magistratura federal.

Após a notícia da propositura da ação civil pública, vários atores ingressaram oportunamente como assistentes, trazendo viés corporativo à ação. No pólo ativo, o juízo autorizou a entrada, como assistentes simples do Ministério Público Federal, do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo. No pólo passivo, o juízo autorizou a entrada da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, como assistentes simples da ré União.

Obviamente, nenhum assistente alterou uma linha sequer da ação, que continua a ser uma ação sobre direitos fundamentais do Ministério Público Federal contra a União.

Findo o trâmite do processo com todas as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, foi prolatada sentença em 10 de outubro de 2003, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelo parquet, determinando à União que não mais exigisse o diploma de curso superior em Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista, informando aos interessados a desnecessidade de apresentação de tal diploma para tanto, bem ainda que não mais executasse fiscalização sobre o exercício da profissão de jornalista por profissionais desprovidos de grau universitário de Jornalismo, assim como deixasse de exarar os autos de infração correspondentes.

Inconformadas, a União e seus assistentes Fenaj e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo interpuseram recurso de apelação, alegando a recepção do Decreto-lei 972/69 pela atual Constituição Federal. Ingressamos, pelo parquet federal, com recurso de apelação, pugnando pela reforma parcial da sentença para que a União Federal se abstivesse de exigir também o registro de jornalista, através do Ministério do Trabalho.

No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, conforme acórdão publicado em 30 de novembro de 2005, a 4ª Turma daquele Tribunal deu provimento aos recursos de apelação da União Federal, da Fenaj, do Sindicato dos Jornalistas e à remessa oficial, julgando prejudicado o recurso de apelação do Ministério Público Federal. De acordo com a ementa do acórdão “(…) 6. O Decreto-Lei n. 972/69, com suas sucessivas alterações e regulamentos, foi recepcionado pela nova ordem constitucional. Inexistência de ofensa às garantias constitucionais de liberdade de trabalho, liberdade de expressão e manifestação de pensamento. Liberdade de informação garantida, bem como garantido o acesso à informação. Inexistência de ofensa ou incompatibilidade com a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos”.


O Ministério Público Federal interpôs recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal (RE 511.961) sustentando contrariedade aos arts. 5o, inc. IX e XII, e 220, da CF/88. Admitido o recurso, o procurador-geral da República interpôs ação cautelar para preservar a situação dos jornalistas sem diploma que haviam obtido o registro no Ministério do Trabalho, sob a vigência da tutela antecipada e da sentença da 16ª Vara Federal de São Paulo. Houve liminar concedida pelo Min. Gilmar Mendes, para impedir que os jornalistas “sem diploma” percam o seu registro até o julgamento do recurso extraordinário do parquet. Esta liminar foi confirmada em sua inteireza pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (AC 1.406-MC-QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21-11-06, DJ de 19-12-06).

Nas vésperas do julgamento do recurso extraordinário nesta ação civil pública, calcula-se que mais de dez mil jornalistas “sem diploma” dependam hoje da posição final do Supremo Tribunal Federal.

Como mencionei acima, a ação civil pública contra a “dupla obrigatoriedade” é uma “ação de direitos fundamentais”. Sua espinha dorsal: o Decreto-Lei 972/69 não foi recepcionado pela atual Constituição Federal, ou, no limite, foi revogado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, pois impõe limites desarrazoados à liberdade de expressão e informação.

De fato, o artigo 4º, inciso V do mencionado Decreto-Lei exige o diploma em curso superior de Jornalismo para que qualquer pessoa possa exercer tal profissão. Esta regra viola a Constituição de 1988, que garante o direito à informação, que deve ser exercido sem qualquer restrição, por meio da livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, conforme expressamente disposto no seu inciso IX do artigo 5º e caput do artigo 220.

A base para esta restrição seria o artigo 5º, XIII da mesma Constituição que dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Contudo, estas “qualificações profissionais” devem ser para aquelas profissões que exigem conhecimentos técnicos específicos para o regular desempenho da tarefa.

O conhecimento exigido de um jornalista, como se vê mundialmente, não se adquire com exclusividade em cursos superiores de Jornalismo. Os exemplos no Brasil de jornalistas sem diploma que agem de forma técnica e ética comprovam esta assertiva. Em suma, o jornalismo constitui uma atividade intelectual, sem especificidade que exija diploma superior para seu exercício.

Reconheço que um jornalismo sem ética ou despreparado pode gerar danos, mas a exigência de diploma e ainda registro no Ministério do Trabalho (MT) não asseguram ética ou prática profissional adequada. Nestes 40 anos de exigência de diploma e de registros, os casos de ofensas à reputação e de jornalismo antiético foram de jornalistas com diploma.

A ofensa à proporcionalidade é evidente. Em primeiro lugar, conforme já expus em obra anterior, o princípio da proporcionalidade consiste na aferição da idoneidade, necessidade e equilíbrio da intervenção estatal em determinado direito fundamental. Origina-se da lógica da moderação e justiça que deve incidir sobre toda intervenção estatal sobre direitos dos indivíduos, mesmo que o fim do ato restritivo seja evitar dano a outro direito individual. É uma técnica de controle do poder estatal, (ou como querem alguns doutrinadores, é o limite dos limites dos direitos fundamentais), mas também é um controle indireto do conteúdo do próprio direito fundamental analisado (ver André de CARVALHO RAMOS. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional, Renovar, 2005).

A doutrina e a jurisprudência habitualmente decompõem o princípio da proporcionalidade em três elementos, a saber: a adequação das medidas estatais à realização dos fins propostos, a necessidade de tais medidas e finalmente a ponderação (ou equilíbrio) entre a finalidade perseguida e os meios adotados para sua consecução (proporcionalidade em sentido estrito).


Tal detalhamento do principio da proporcionalidade garante transparência e coerência no controle dos atos estatais, que são efetuados em geral pelos Tribunais. Assim, busca-se evitar o decisionismo ou arbítrio judicial.

Em relação aos elementos do princípio da proporcionalidade, observamos que o primeiro deles, o juízo de idoneidade, exige que a medida estatal seja adequada para alcançar os fins almejados. Ou seja, combate-se as medidas ineficazes ou inadequadas, ou seja, a priori inúteis. Esse verdadeiro truísmo (se a medida é ineficaz ou inadequada ao fim proposto não deveria ser tomada, porque o sacrifício gerado é inútil) é de extrema importância para o controle de proporcionalidade das leis.

No nosso caso, o Decreto-Lei 972 exige diploma específico de jornalismo para exercício da profissão de jornalista para assegurar a qualidade e a ética profissional. Sem contar outros argumentos contra tal exigência, tal lei é ineficaz e inadequada, pois nada garante que um jornalista diplomado em profissão específica será mais rigoroso ou mais ético na apuração e qualidade das matérias jornalísticas de que outro. O Brasil por certo tem numerosos exemplos de jornalistas diplomados em jornalismo que produziram matérias jornalísticas antiéticas ou desastrosas tanto quanto os não-diplomados. Assim, tal exigência é inútil para o atingimento do fim proposto, impondo um sacrifício dispensável à liberdade de expressão e ao direito ao trabalho, que só serve para afastar bons profissionais do exercício da profissão analisada.

Eros Grau, nos anos 90 do século passado, já manifestara idêntica posição. Para o atual ministro do STF os riscos que um jornalismo antiético pode causar não são remediados por diplomas ou registros. Nas palavras do ministro, “ (…) nenhuma dessas patologias poderá ser evitada mediante qualificação profissional, que não tem o condão de conformar o caráter de cada um. De outra parte, a divulgação de notícia não verídica por engano, o que não é corrente, decorre de causas estranhas à qualificação profissional do jornalista” (trecho do parecer do Prof. Grau– ver mais em Revista de Direito Administrativo , Volume 220 – abril/junho 2000, págs. 279/290).

Os profissionais da imprensa também se manifestaram repetidas vezes contra a obrigatoriedade do diploma. Para Boris Casoy, “essa exigência é um atentado à cultura e à liberdade de imprensa. Sob o tacão do decreto-lei autoritário que regulamenta o exercício do jornalismo, esse escudo de defesa da sociedade é posse quase exclusiva de uma corporação, uma casta fechada em seu diploma … Mesmo que as faculdades de comunicação fossem maravilhosas, é um absurdo proibir a presença do conhecimento no jornal. Como seria um absurdo criar uma escola para escritores e só estarem autorizados a escrever livros os diplomados” (Bóris Casoy, jornalista, Folha de S.Paulo de 01/02/92).

A desproporcionalidade desta restrição também mencionada na sentença da juíza Carla Rister, para quem “(…) o jornalista deve possuir formação cultural sólida e diversificada, o que não se adquire apenas com a frequência a uma faculdade (muito embora seja forçoso reconhecer que aquele que o faz poderá vir a enriquecer tal formação cultural), mas sim pelo hábito da leitura e pelo próprio exercício da prática profissional” (ver sentença — Autos 2001.61.00.025946)

Este também é o entendimento de vários jornalistas, como Maurício Tuffani, que sustenta que “(…) cursar uma escola de jornalismo não é apenas desnecessário para que uma pessoa esteja qualificada para exercer plenamente a profissão, mas também não assegura essa qualificação. Dizendo de acordo com os termos da lógica, nosso argumento central é que esse requisito não é condição necessária nem condição suficiente para qualificar alguém para o exercício do jornalismo (TUFFANI, Maurício. Diploma de jornalismo. Regulamentação deve atender ao desenvolvimento humano. Disponível em http://www.conjur.com.br/2005-jun-24/regulamentacao_atender_desenvolvimento_humano).


Como bem coloca Tuffani, o acesso à profissão de jornalista dispensa qualquer “diploma obrigatório” em quase todo o globo, como se vê nos “Estados Unidos, mas também na Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Chile, China […] e em vários outros países. […] Nesses países prevalece a concepção de que a liberdade de expressão, como necessária ao exercício da cidadania, é incompatível com impedimentos para que qualquer cidadão possa, sem desembaraço, não só ingressar na profissão, mas até mesmo ter seu próprio veículo de comunicação” (op. cit).

Tal qual ocorreu com a Lei de Imprensa na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, entendo que a “dupla obrigatoriedade” ofende a Constituição e não foi por ela recepcionado.

Em plena ditadura militar, o Decreto-Lei 972/69 buscava restringir a liberdade de informação pelo indisfarçável controle via diploma obrigatório e registro no MT. Foi o complemento ideal à Lei de Imprensa de 1967. Nasciam os gêmeos do controle da imprensa pela ditadura, que ficava atemorizada pela Lei da Imprensa e restringida pelo “diploma e registro estatal”. Mordaça e algema: Lei de Imprensa e Lei do Diploma.

Os posicionamentos dos ministros sobre a Lei 5.250/67 podem ser aplicados em sua inteireza ao Decreto-Lei 972, ambos filhos diletos da ditadura. Assim, para Menezes Direito, “quando se tem um conflito possível entre a liberdade e sua restrição deve-se defender a liberdade. O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação das ideias”. Ou também para Cármen Lúcia, há “mecanismos para cortar e repudiar todos os abusos que eventualmente [ocorram] em nome da liberdade de imprensa” (ver Supremo julga Lei de Imprensa incompatível com a Constituição, in site do Supremo Tribunal Federal – 04.05.2009).

Ainda sobre a ADPF 130, o ministro Celso de Mello, fazendo remissão à Declaração de Chapultepec, afirma que “ (..) nada mais perigoso do que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre — permanentemente livre, essencialmente livre, sempre livre”. Esta Declaração, que representa os valores de uma imprensa livre, foi apoiada simbolicamente pelo Brasil e dispõe, no seu artigo 5º, que ficam proibidos os entraves à liberdade de informação e de imprensa.

A “Lei do Diploma” impõe restrições claras à liberdade de imprensa que é, para o Ministro Celso de Mello, em seu voto na ADPF 130, “(…) projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar”.

Estes direitos, para o ministro Celso de Mello, representam a “livre expressão e manifestação de ideias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado”

O ministro Carlos Britto também é enfático e sustentou em seu voto na ADPF 130 ora em comento que “sem maior esforço mental, portanto, vê-se que a imprensa passou a desfrutar de tamanha importância na vida contemporânea que já faz da sua natureza de focada instância de comunicação social o próprio nome da sociedade civil globalizada: sociedade de informação, também chamada de sociedade de comunicação. Preservada a amplitude massiva dos seus destinatários ou público-alvo e sempre na perspectiva da encarnação de um direito-dever inarredável: o da instância por excelência do pensamento crítico ou emancipatório. Ele próprio, pensamento crítico ou libertador, a pedagogicamente introjetar no público em geral todo apreço pelo valor da verdade como categoria objetivamente demonstrável, o que termina por forçar a imprensa mesma a informar em plenitude e com o máximo de fidedignidade” .

Eventual jornalismo inadequado — com ou sem diploma, com ou sem registro — recebe, como resposta, o controle judicial e a responsabilização a posteriori, estes sim, limites à liberdade de informar e de se expressar compatíveis com o Estado Democrático de Direito.


Agora, quase 40 anos depois, estamos em plena sociedade da informação. Exigir diploma do jornalismo e registro do Ministério do Trabalho (MT) em plena era da internet e dos “blogs” é incompatível com a democracia, da mesma maneira que eram os dispositivos especiais da Lei de Imprensa. Ou será que se pretende processar por exercício ilegal de profissão os milhares de “blogueiros” que diuturnamente criam sítios jornalísticos na internet?

De fato, fazendo alusão ao poder da informação na sociedade dos dias hoje e continuando o raciocínio sobre a importância das ideias e do direito de informar e ser informado, o ministro Britto, na própria ADPF 130, resvala no debate sobre a “Lei do Diploma”, mostrando a nítida vinculação entre os temas. Para o citado ministro “(…) sobretudo ideias, cuja livre circulação no mundo é tão necessária quanto o desembaraçado fluir do sangue pelas nossas veias e o desobstruído percurso do ar pelos nossos pulmões e vias aéreas. O que tem levado interlocutores sociais de peso — diga-se de passagem — a se posicionar contra a exigência de diploma de nível superior para quem se disponha a escrever e falar com habitualidade pelos órgãos de imprensa” .

O melhor entendimento está com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que desde 1985, apregoa que o artigo 13.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992 (Decreto nº 678), impede a “dupla obrigatoriedade” da obsoleta legislação brasileira. De fato, a Convenção Americana estabelece que “não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.”

A opinião consultiva da Corte é clara e consta da petição inicial da ação civil pública: “ 81. De las anteriores consideraciones se desprende que no es compatible con la Convención una ley de colegiación de periodistas que impida el ejercicio del periodismo a quienes no sean miembros del colegio y limite el acceso a éste a los graduados en una determinada carrera universitaria. Una ley semejante contendría restricciones a la libertad de expresión no autorizadas por el artículo 13.2 de la Convención y sería, en consecuencia, violatoria tanto del derecho de toda persona a buscar y difundir informaciones e ideas por cualquier medio de su elección, como del derecho de la colectividad en general a recibir información sin trabas.” (Corte Interamericana de Direitos Humanos, Parecer Consultivo n. 05/85 de 13 de novembro de 1985, Série A n. 5, § 81 – ver mais casos da Corte em André de CARVALHO RAMOS, Direitos Humanos em Juízo, Max Limonad, 2001).

Após a Emenda Constitucional 45, que incluiu o parágrafo 3º ao artigo 5º, não resta dúvida que o artigo 4º do Decreto-Lei 972/69 foi revogado pelo Pacto de São José da Costa Rica. Os tratados internacionais de Direitos Humanos, de acordo com a nova maioria do STF, têm natureza supralegal e superior ao vetusto Decreto-Lei. Fica evidente a possibilidade de um “controle de convencionalidade” aplicado às leis, uma vez que os tratados internacionais de direitos humanos são hierarquicamente superiores as demais leis e cabe ao Supremo Tribunal Federal assegurar a compatibilidade das normas legais com as normas convencionais de direitos humanos.

Assim, seja pela não recepção desta regra pela Constituição Federal de 1988, seja por sua revogação pela Convenção Americana de Direitos Humanos, a União Federal não deve mais exigir diploma universitário e nem registro de jornalista no Ministério do Trabalho.

Esperamos que, quase 40 anos depois da edição do Decreto-Lei 972, que instituiu “algemas” na liberdade de informar e ser informado, o STF corrija esta visão restritiva e imponha o respeito aos direitos fundamentais e à dignidade humana no jornalismo.

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