Casa Bandida de Futebol

Presidente da CBF perde ação contra jornalista

Autor

24 de julho de 2009, 9h16

Embora todo aquele que cause dano seja obrigado a repará-lo, a livre manifestação do pensamento é princípio constitucional que deve ser respeitado. O entendimento culminou com uma derrota na Justiça do presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, contra um jornalista que publicou, em seu blog, opiniões contrárias à instituição e ao chefe do futebol do país. A decisão da Justiça fluminense saiu no dia 13 de julho e foi publicada nessa quarta-feira (22/7).

Chamado de “Barão de Munchausen” e presidente da “Casa Bandida do Futebol” pelo jornalista Paulo Cezar de Andrade Prado, Ricardo Teixeira entrou em 2007 com uma ação por danos morais por causa dos termos publicados no Blog do Paulinho. Para Teixeira, ao associar seu nome ao do “maior mentiroso da História”, o jornalista atingiu sua honra.

Paulinho se defendeu dizendo que mantém o blog para veicular suas próprias opiniões e as de terceiros sobre o futebol e que não atacou o presidente da CBF “de forma pessoal, saindo da órbita profissional”. Esse também foi o entendimento da juíza Cíntia Souto Machado de Andrade Guedes, da 7ª Vara Cível do Rio de Janeiro. Ela afirmou na decisão ver “inexistência de ataque ao autor, pelo réu, de forma pessoal” e que “assiste razão a parte ré quando assevera, em sua peça de defesa, que não se vê, nos fatos narrados, qualquer menção ao nome do autor”.

A juíza também lembrou que a expressão “Casa Bandida de Futebol” já havia sido analisada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação 2003.001.25164, julgada pela 8ª Câmara Cível, que entendeu que a expressão “não ofende a honra e a imagem da CBF”. Do mesmo modo, a 3ª Câmara Cível rejeitou um recurso de Teixeira contra outro jornalista, Juca Kfouri, também por ofensa, no ano passado. Ao julgar a Apelação 2008.001.10795, a câmara entendeu que, “diante do que representa o futebol para milhões de torcedores em nosso país, não se poderia esperar que a atuação de todos os envolvidos em tal esporte fossem sempre coroadas com elogios, mas também com críticas ou opiniões menos favoráveis”.

Por ter perdido a ação, Teixeira foi condenado a pagar custas processuais e os honorários advocatícios do advogado de Paulinho, Edison Canhedo, no valor de R$ 1,5 mil.

Processo 2007.209.007824-0

Leia a sentença

Autor: Ricardo Terra Teixeira

Réu: Paulo Cezar de Andrade Prado

SENTENÇA

RICARDO TERRA TEIXEIRA deduziu pretensão, pelo rito ordinário, em face de PAULO CEZAR DE ANDRADE PRADO, buscando ser indenizado pelos danos morais suportados, em virtude dos constrangimentos que lhe foram impostos, diante da veiculação no blog do réu, das opiniões deste acerca de assuntos ligados ao futebol nacional, sendo certo que ´ao relacionar a imagem do Autor, dirigente máximo da CBF, com a do maior mentiroso da História, atingiu a sua honra subjetiva.´. A inicial de fls. 02/07, foi instruída com os documentos de fls. 08/27. Decisão, às fls. 29, determinando a citação da parte ré, que foi efetivada às fls. 66 Contestando o feito, a parte ré, tempestivamente, às fls. 72/77, argüiu, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, pugnando pela improcedência do pleito autoral, aduziu possuir uma página na internet, que veicula suas opiniões e de terceiros acerca do futebol brasileiro, sendo certo que não atacou o autor ´de forma pessoal, saindo da órbita profissional.´, inexistindo qualquer menção dos fatos que o atacaram expressivamente, a justificar o recebimento de indenização. Com a resposta, vieram os documentos de fls. 78/79. Em réplica, a parte autora, às fls. 82/85, ratificou os argumentos e requerimentos já expendidos na inicial. A decisão de fls. 89 determinou a vinda das últimas declarações de bens e rendimentos para aferição de hipossuficiência da parte ré, bem como a manifestação das partes, em provas, tendo, ainda, designado audiência conciliatória. Em provas, manifestou-se a parte autora, às fls. 90, tendo a audiência preliminar de conciliação, transcorrido nos moldes de fls. 91. Às fls. 93 foi certificado que a parte ré quedou-se inerte acerca de fls. 89.

É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR.

Inicialmente, rejeito a preliminar argüida na contestação ofertada, vez que a inicial preenche os requisitos legais de molde a possibilitar o oferecimento de resposta, observado o princípio constitucional do contraditório. O principal objetivo da ordem jurídica, já ensinava o mestre San Tiago Dantas, é proteger o lícito e reprimir o ilícito. É, pois, o instituto da responsabilidade civil parte integrante do direito obrigacional, pois a principal conseqüência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano. Neste sentido, o artigo 186 do Código Civil consagra uma regra universalmente aceita: a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo. A garantia de liberdade e manifestação de pensamento são princípios constitucionais e devem ser respeitados. Neste passo, o direito à crítica é o pleno exercício da democracia, apregoada na nossa Constituição Federal. Após acurada análise dos elementos coligidos aos autos, notadamente em cotejo com os fatos deduzidos em juízo na inicial, verifica-se a inexistência de ataque ao autor, pelo réu, de forma pessoal, bem como qualquer relação da imagem deste com ´a do maior mentiroso da História (…)´. Neste diapasão, assiste razão a parte ré quando assevera, em sua peça de defesa, que não se vê, nos fatos narrados, qualquer menção ao nome do autor. Neste sentido, não se verifica, in casu, conduta, por parte do réu, a ensejar indenização por dano moral, porquanto não restou caracterizada a prática de ato ilícito. Com efeito, só deve ser reputado como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que, fugindo a normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio no seu bem estar, hipótese não configurada nos presentes autos. À propósito, confira-se a jurisprudência do TJERJ:

2008.001.10795 – APELACAO – 1ª Ementa DES. MARCOS ALCINO A TORRES – Julgamento: 15/04/2008 – TERCEIRA CAMARA CIVEL INDENIZATÓRIA. OPINIÃO EMITIDA POR REPORTER ESPORTIVO EM PUBLICAÇÃO ELETRÔNICA. TEXTO SEM QUALQUER MENÇÃO AO NOME OU IMPUTAÇÃO CLARA E DIREITA. DANO MORAL INEXISTENTE.

Tratando-se autor e réu de conhecidas figuras no cenário do futebol nacional não é dificil se vislumbrar as tempestuosas relações existente entre ambos diante do cargo exercido pelo primeiro e do fato do segundo ser jornalista de opiniões fortes e por vezes ácidas acerca dos assuntos relacionados ao futebol. Diante do que representa o futebol para milhões de torcedores em nosso país não se poderia esperar que a atuação de todos os envolvidos em tal esporte fossem sempre coroadas com elogios mas também com criticas ou opiniões menos favoráveis. O direito de emitir opiniões e críticas é garantido ao réu, mas para exercê-lo deve visualizar o ponto limite entre a opinião desfavorável a alguem e a ofensa que enseje reparação. O pequeno trecho trazido, não obstante as alegações autorais, nada lhe imputa direta ou claramente, sequer lhe menciona o nome, mantendo um tom crítico e indignado mas com responsabilidade, não se podendo atribuir a uma exacerbação de sensibilidade do autor, visto inclusive sua prévia insatisfação com opiniões lançadas pelo réu diante de outras demandas contra o mesmo, o condão do dever reparatório que, na presenta hipótese, efetivamente não existe. Recurso improvido.

2003.001.25164 – APELACAO – 1ª Ementa DES. JOAO CARLOS GUIMARAES – Julgamento: 16/03/2004 – OITAVA CAMARA CIVEL AÇÃO DE DANOS MORAIS. EXPRESSÃO ´CASA BANDIDA DO FUTEBOL´ QUE NÃO OFENDE A HONRA E IMAGEM DA CBF. DANO MORAL INDENIZÁVEL É AQUELE QUE REVELA OFENSA GRAVE E TRAZ PARA O OFENDIDO UMA GRANDE DOR. INEXISTINDO ATO ILÍCITO, INEXISTE DANO MORAL. RECURSOS CONHECIDOS. DESPROVIDO O DA AUTORA E PROVIDO O DO RÉU.

Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido autoral. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e em honorários, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com fulcro no artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil. Certificado o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, dê-se baixa e arquivem-se. P.R.I.

Rio de Janeiro, 13 de julho de 2009.

CÍNTIA SOUTO MACHADO DE ANDRADE GUEDES

Juíza de Direito

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!