Demissão polêmica

Para Lina Vieira, queda na arrecadação é mito

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19 de julho de 2009, 17h35

Em entrevista à revista Época, Lina Vieira, primeira mulher a ocupar o cargo de secretária da Receita Federal, afirma que a queda da arrecadação em sua gestão é um mito. Na semana passada, 11 meses depois da posse, ela foi afastada da função pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Ela também se refere a choques ocorridos dentro do governo. Entrou em rota de colisão com a ministra-chefe da Casa Civil e virtual candidata à Presidência, Dilma Rousseff, por causa de divergências em torno de exonerações fiscais do programa Minha Casa, Minha Vida, que pretende construir 1 milhão de casas populares.

Devota de São Judas Tadeu, padroeiro dos funcionários públicos, a passagem relâmpago de Lina Vieira pela chefia do cofre do governo provocou uma reviravolta de opiniões em Brasília. Enquanto permaneceu no posto, ela recebia elogios do governo e era acusada pela oposição de usar sindicalistas do PT para aparelhar a Receita. Fora do cargo, foi adotada pela oposição, que agora elogia a independência de sua gestão, e é chamada de incompetente por seus antigos protetores no governo.

Não se pode descartar que as duas alternativas estejam corretas. Sob a gestão de Lina Vieira, a Receita sofreu uma queda brutal: caiu 7% em relação ao ano anterior, encolhimento muito superior à redução da atividade econômica e às desonerações de IPI baixadas pelo governo. Conforme um conselheiro econômico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lina Vieira perdeu o emprego porque mostrou um desempenho fraco. “Se um ministro da Fazenda perde o posto quando não consegue fazer a economia crescer, um chefe da Receita coloca sua cabeça em risco quando a arrecadação piora. É simples assim.”

A queda da secretária foi acompanhada da versão de que ela teve de pagar um preço pela decisão de investigar a Petrobras, depois que a empresa usou um mecanismo contábil para se livrar de um pagamento de R$ 4 bilhões em impostos. Revelou-se que a Receita tomou essa iniciativa sem consultar o chefe de Lina Vieira, Guido Mantega, que é membro do Conselho da Petrobras – razão para elogiar a antiga titular do Leão, não para puni-la. Colocada diante da possibilidade de comparecer à CPI da Petrobras, com a qual a oposição pretende fustigar o governo, ela diz: “Se for convocada, lá estarei”. Mas esclarece que não poderá se pronunciar sobre questões específicas da empresa – apenas sobre a legislação genérica do setor.

A ex-secretária diz ter orgulho de determinadas realizações. Lembra que mudou o foco da fiscalização da Receita de pessoas físicas para grandes empresas e que sob sua gestão os valores das autuações saltaram de R$ 800 milhões para R$ 4,8 bilhões, na comparação entre o primeiro semestre do ano passado e igual período em 2009. Reforçou a fiscalização sobre os bancos. Um dos autuados, de acordo com O Estado de S. Paulo, foi o Santander, um dos maiores do mundo. Ela também tentou cobrar na Justiça cerca de R$ 20 bilhões devidos pelo setor bancário. O problema é que nenhuma dessas iniciativas foi capaz de impedir uma dura contabilidade: na hora de fechar o caixa, o governo ficou em apuros por falta de recursos, situação que só poderia irritar ministros convocados a cortar gastos e diminuir despesas na véspera de um ano eleitoral.

Em Brasília, sua nomeação nunca foi explicada por méritos próprios, mas por aquelas motivações lamentáveis da baixa política: com receio de conservar um herdeiro de Palocci na equipe, Mantega acabou optando por uma candidata indicada por terceiros, sem dar-se ao trabalho de realizar uma escolha cuidadosa. Um parlamentar da área econômica do PT diz que esteve duas vezes com Lina Vieira. “É uma pessoa bem-intencionada, mas sem preparo para a posição.”

“O que aconteceu é que ela desmantelou a Receita e desmobilizou os auditores. Por essa razão, a receita caiu”, diz um antigo dirigente do órgão, insuspeito de simpatias pelo atual governo. De acordo com essa versão, o apelo de Lina Vieira às lideranças de atuação sindical para ocupar cargos de relevância na Receita se deveria a seu isolamento diante dos quadros mais experimentados da instituição.

Se há vários anos a Receita transformou-se num ambiente de luta interna permanente, depois da demissão de Lina Vieira vive uma fase de assembleia estudantil. Os atuais superintendentes, a maioria nomeada por ela, ameaçaram pedir demissão coletiva caso Mantega indique alguém ligado ao grupo de Rachid para ocupar o comando da Receita. Embora ameaças desse tipo façam parte da tradição da Receita, Mantega decidiu evitar riscos e nomeou, como interino, o braço direito da própria Lina Vieira, Otacílio Cartaxo.

Além das guerras internas, o novo secretário terá de enfrentar um pesadelo de feições medonhas que ronda os cofres do governo. São os créditos-prêmio para exportação, uma medida de apoio às vendas no exterior criada em 1969, ainda no regime militar – que nunca foram pagos, são cobrados na Justiça e podem alcançar uma bolada, em torno de R$ 300 bilhões. O destino dessa fortuna ocupa a maioria das conversas importantes de Brasília e dos escritórios de grandes empresários do país – e com certeza vai exigir um posicionamento de quem assumir a chefia da Receita Federal

Leia a entrevista.

“É cortina de fumaça” 


A ex-secretária da Receita Federal afirma que a queda na arrecadação de impostos não foi o verdadeiro motivo de sua demissão 

Por que a senhora foi afastada do comando da Receita Federal ? 
Lina Vieira – Sou uma pessoa disciplinada. Não perguntei ao ministro (Guido Mantega) por que estava saindo, nem ele me disse. 

Ele não explicou? 
Lina – Não. Só agradeceu, elogiou o trabalho e disse que precisava mudar. 

Por que a senhora substituiu superintendentes experientes? 
Lina – Algumas pessoas estavam havia 15 ou 16 anos nos cargos. Precisávamos oxigenar a casa. Implantamos um processo que leva as pessoas a esses cargos de chefia pela meritocracia. E não do Q.I. (quem indica). 

A senhora mudou o foco da fiscalização? 
Lina – Mudamos o foco da pessoa física para os grandes contribuintes. Na delegacia mais importante de São Paulo havia apenas 13 auditores. Fizemos um processo seletivo para que a delegacia tivesse mais pessoas. O desempenho melhorou muito. Lavramos R$ 800 milhões em autos de infração no primeiro semestre de 2008 e R$ 4,8 bilhões em 2009. Aí está a diferença da gestão. 

Autuações sobre o banco Santander e sobre a Ford causaram problemas para a senhora? 
Lina – Não falamos em nomes de contribuintes. Mas as ações da Receita Federal só existem para fiscalizar e arrecadar. Ou ela tem condições de fazer seu trabalho ou não tem necessidade de existir. 

Ouviu relatos de queixas sobre o trabalho de fiscalização? 
Lina – Não recebi telefonemas e nenhuma pessoa veio aqui reclamar. A mim não. Podem ter ido ao ministro, ao presidente, à ministra-chefe da Casa Civil… Se houve insatisfações ou ingerências para colocar ou tirar alguém da Receita, isso nunca chegou a meu conhecimento. 

Até que ponto o episódio com a Petrobras (divergências quanto a compensações de tributos de R$ 4 bilhões) contribuiu para sua saída? 
Lina – Vimos com perplexidade tudo o que saiu na imprensa. Primeiro porque a Receita não se manifestou sobre o caso, e nem poderia. Depois, ao ser consultada sobre uma interpretação de legislação, a Receita encaminhou a resposta, disponível na página da internet. Nos restringimos a isso. 

 A ida da senhora à CPI da Petrobras é bastante aguardada. A senhora vai? 
Lina – Convidada ou convocada, irei. 

Por que a arrecadação caiu? 
Lina – O ano de 2008 foi discrepante em relação aos demais anos. Foi atípico. Se você analisar, verificará que no primeiro semestre de 2009 estamos muito bem em relação a 2007 e até a 2008, se tirarmos da conta a CPMF e arrecadações atípicas. Também não houve desonerações nos últimos anos como agora. Não estou saindo pela queda da arrecadação. É cortina de fumaça. 

Ao sair tão rápido da Receita, a senhora se sente como uma vítima de uma pegadinha do Mução (Lina é mãe do humorista)? 
Lina – (rindo) Todo mundo fala em acontecimentos que teriam levado a minha saída: pressões, ingerências, descontentamento. Mas saio com a convicção do dever cumprido. Não saio aborrecida nem insatisfeita. 

O que a senhora vai fazer agora? 
Lina – Minha delegacia de origem é de Natal. E é para lá que eu volto. 

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