Exclusividade da marca

HSBC não pode usar a expressão “carbono neutro”

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19 de julho de 2009, 7h04

A Justiça paulista reconheceu que a marca “carbono neutro” é da empresa Max Ambiental, que desenvolve programas corporativos de neutralização de carbono. Com isso, a HSBC Seguros está proibida de usar a expressão “carbono neutro” na publicidade de seus produtos, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Terá ainda de pagar indenização no valor de R$ 46,5 mil por danos morais. A decisão é da 18ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo (leia decisão no final do texto).

Na sentença, o juiz Sidney da Silva Braga observa que não há qualquer restrição para o uso das palavras carbono e neutro por qualquer pessoa ou empresa, desde que separadas e em outro contexto. Em relação à indenização, entendeu que o dano moral é indiscutível porque a seguradora lançou campanha nacional do “seguro auto carbono neutro” e do “lar seguro carbono neutro”, fato que pode ter levado o consumidor a pensar que os produtos tenham passado pelos critérios de certificação daqueles que aderiram ao programa ambiental desenvolvido pela Max Ambiental.

A autora da ação de reconhecimento da marca foi criada para avaliar o impacto ambiental das atividades das empresas e pensar formas de compensar a emissão de gás carbônico. No geral, sugere o plantio de árvores. Para que a iniciativa das empresas fosse reconhecida no mercado, a Max Ambiental criou o selo “carbono neutro” e o slogan “em dia com o planeta”. A marca foi registrada no INPI em 2007 por um prazo de 10 anos.

Um exemplo do trabalho da empresa foi o levantamento feito para o escritório de advocacia Demarest & Almeida Advogados. A empresa descobriu que, em um ano, o consumo de energia elétrica nas duas unidades do escritório em São Paulo produziu 269,71 toneladas de gás carbônico. As viagens aéreas nacionais e internacionais emitiram na atmosfera 82 toneladas de CO2. Os advogados do escritório fizeram 760,1 mil quilômetros em 422 viagens, o que corresponde a 59 voltas ao redor da Terra. Para neutralizar as emissões, a Max Ambiental sugeriu o plantio de 2.010 árvores na Mata Atlântica.

Na ação, a empresa afirma que foi procurada pela HSBC Seguros, interessada em contratar os seus serviços. Quando estavam prestes a fechar o contrato, a seguradora lançou a campanha publicitária com produtos que levavam o nome “carbono neutro”. Para a Max Ambiental, trata-se de concorrência desleal. A HSBC argumentou que a autora da ação possui apenas o registro da marca, mas não o direito ao uso exclusivo dos “elementos nominativos, que são de uso genérico e comum, inexistindo ato ilícito a gerar indenizações”.

O juiz Sidney da Silva Braga observou em sua decisão que desde 2007 a autora da ação tem o registro da marca, na classe de “serviços de proteção ao meio ambiente; consultoria em proteção ambiental”. Apesar de os produtos da HSBC, seguros de automóveis e residências, não terem qualquer relação com proteção ao meio ambiente, o uso da mesma expressão pode causar confusão no consumidor e fazê-lo pensar que a seguradora também desenvolve projetos de neutralização de carbono, “o que não é verdadeiro”, disse o juiz.

Por outro lado, não pode atender o pedido da Max Ambiental de determinar a suspensão dos procedimentos administrativos perante o INPI em que a HSBC pede o registro das marcas “lar seguro carbono neutro”, “seguro auto carbono neutro” e “seguroauto carbono neutro”. Cabe ao INPI apreciar os pedidos no âmbito administrativo, disse o juiz. 

A Max Ambiental foi representada pelos advogados Octaviano Duarte Filho e Rodrigo Kaysserlian, do escritório Kaysserlian e Duarte Advogados.

Leia a decisão

Processo Nº 583.00.2008.137761-2

Texto integral da Sentença

VISTOS.

MAX AMBIENTAL S.A., qualificada nos autos, move a presente Ação Ordinária contra HSBC SEGUROS (BRASIL) S.A., também qualificada nos autos, alegando, em síntese, que tem por objetivo o desenvolvimento junto a empresas de um programa de neutralização de carbono, através do qual avalia o impacto ambiental causado pela empresa no desenvolvimento de suas atividades e busca formas de compensar a emissão de gás carbônico, neutralizando-a com projetos ambientais, sendo mais freqüente o plantio de árvores.


Para distinguir os serviços prestados e para que as empresas atendidas fossem reconhecidas no mercado por essa preocupação, a autora criou o selo “carbono neutro®” e o signo de identificação “em dia com o planeta – carbono neutro”. A marca “carbono neutro®” foi registrada perante o INPI.

Nesse contexto, foi procurada pela ré que, após várias conversas e troca de informações, manifestou interesse em contratar os serviços da autora para desenvolver produtos e serviços a serem apresentados aos clientes do Banco como estando de acordo com as regras de neutralização de carbono. Porém, quando o contrato estava prestes a ser formalizado e já após a apresentação do projeto pela autora, a ré, sem qualquer aviso prévio ou pedido de autorização, fez veicular em toda a mídia nacional a campanha “seguro auto carbono neutro” e “lar seguro carbono neutro”, como slogan “eu cuido do planeta”. Alega que essa campanha publicitária implicou em concorrência desleal.

Por tais motivos, pede a antecipação da tutela para que a ré se abstenha de utilizar as expressões acima referidas, sob pena de multa diária, e a suspensão dos procedimentos administrativos indicados perante o INPI, pedindo, a final, a procedência da ação, para o fim de ser tornada definitiva a tutela antecipada e para que a ré seja condenada ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Foi deferida a antecipação da tutela.

Contra essa decisão a ré interpôs Agravo de Instrumento, ao qual foi negado provimento. Regularmente citada, a ré apresentou Exceção de Incompetência, que foi rejeitada por decisão contra a qual foi interposto Agravo de Instrumento, ao qual foi negado provimento.

A ré apresentou, também, contestação, alegando em sede preliminar impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, aduzindo em síntese que a autora possui apenas registro para a marca mista “carbono neutro”, mas não tem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos, que são de uso genérico e comum, inexistindo ato ilícito a gerar indenizações. Houve réplica. Designada audiência de conciliação, não houve composição amigável. É o relatório.

D E C I D O.

A hipótese é de julgamento antecipado da lide, uma vez que a matéria controvertida é unicamente de direito, já estando suficientemente demonstrada a questão fática. REJEITO a alegação preliminar de impossibilidade jurídica do pedido. A ação proposta é adequada ao pedido formulado na inicial e a necessidade de intervenção do Poder Judiciário está demonstrada pela resistência oferecida pela ré. A questão da extensão da proteção à marca da autora diz respeito ao mérito e assim será decidida.

No mérito, a ação é parcialmente procedente. O documento de fls. 85 demonstra que a autora efetuou o depósito em 16.10.2003 e é titular do registro perante o INPI da marca “carbononeutro®”, desde 9 de outubro de 2007, pelo prazo de dez anos. O registro da marca foi deferido na classe de “serviços de proteção ao meio ambiente; consultoria em proteção ambiental”. A idéia central dos serviços oferecidos pela autora é a certificação de que determinada empresa desenvolve suas atividades e produz seus bens de modo a compensar os danos causados ao meio ambiente pela emissão de gás carbônico.

Como já dito a fls. 185, os documentos de fls. 97/100 demonstram que a ré, em material de publicidade de seus produtos (seguros de automóveis e residências), está fazendo uso da expressão “carbono neutro”. Porém, embora os produtos consistentes em “seguros de automóveis e residências” sejam distintos de “serviços de proteção ao meio ambiente e consultoria em proteção ambiental”, é certo que a utilização da expressão “carbono neutro” pela ré é capaz de causar confusão no público consumidor específico de tais produtos e também no público em geral, que embora não vá contratar seguro de automóveis ou residência, pode associar a expressão em questão à seguradora ré.


A situação colocada nos autos permite concluir que o consumidor dos produtos da seguradora ré e o público em geral podem ser levados a crer que a empresa HSBC Seguros (Brasil) S.A. realiza o mesmo projeto de neutralização de carbono desenvolvido pela autora, o que não é verdadeiro. Na esteira do que já decidido anteriormente, temos por correto afirmar que a autora não é detentora do direito exclusivo de atestar ou certificar a compensação ao meio ambiente pelos danos causados por atividades produtivas com a emissão de gás carbônico. Desse modo, a ré pode lançar produtos em que o apelo principal seja a compensação dos danos causados ao meio ambiente pela emissão de gás carbônico. Mas não pode fazer isso utilizando a expressão “carbono neutro”.

De outro lado, é irrelevante a restrição estabelecida pelo INPI no registro da marca de fls. 85: “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”. Tal restrição significa que os elementos nominativos “carbono” e “neutro” podem ser utilizados por outras pessoas ou empresas, desde que isoladamente ou em contexto diverso, como, aliás, reconhecido no v. acórdão que negou provimento ao Agravo de Instrumento da ré neste processo. É certo que a autora não tem direito ao uso exclusivo da palavra “carbono” e nem ao uso da palavra “neutro”. Porém, quando unidas numa expressão comum e referidas no contexto de serviços de proteção ambiental com a neutralização do gás carbônico emitido pela compensação com ações ambientais positivas, tais palavras estão sob a proteção do direito marcário.

O caso dos autos retrata exatamente a utilização pela ré da mesma expressão no mesmo contexto para o qual a autora obteve proteção na forma da lei. No sentido do que aqui se decide, trouxe a ré exemplo de r. decisão do E. Superior Tribunal de Justiça em caso bastante semelhante, quando foi reconhecida a proteção para a marca “cultura inglesa®”, no mesmo contexto da conhecida escola de inglês. Enfim, não podia a ré ter utilizado a marca registrada da autora.

De outro lado, não tem razão a autora no que diz respeito à expressão “eu cuido do planeta”, utilizada pelo réu em seu “site” na internet, eis que diversa daquela utilizada pela autora, “em dia com o planeta”, além de serem ambas genéricas, sendo certo que a vinculação que se possa fazer entre ambas, no caso dos autos, decorre direta e exclusivamente do concomitante uso da marca registrada “carbono neutro”, a respeito da qual a presente decisão já basta para eliminar o ilícito. Ademais, e importante diferencial, com relação a essa expressão a autora não possui qualquer registro perante o INPI.

Por fim, porque a competência para tanto está prevista em lei, não pode esta decisão determinar a suspensão dos procedimentos administrativos em trâmite perante o INPI em que a ré pede o registro das marcas “lar seguro carbono neutro”, “seguro auto carbono neutro” e “seguroauto carbono neutro”. Cabe ao INPI a apreciação de tais pedidos no âmbito administrativo, tanto que a autora já ofertou as oposições que entende pertinentes. Se o caso, e somente nas hipóteses previstas em lei, poderá a autora, mediante ação própria perante o Juízo competente, questionar algum ato praticado pelo INPI.

Nesta demanda, resta, apenas, decidir o pedido de indenização. Não há danos materiais na hipótese em exame, eis que não é razoável dizer que a autora teve danos emergentes ou lucros cessantes em razão da conduta da ré. Com efeito, a narrativa dos fatos por ambas as partes e os documentos que instruem os autos demonstram que não houve contrato entre as partes e que as tratativas não ultrapassaram a fase de apresentação de projetos e estudos, como ocorre com freqüência no mundo dos negócios, sem que se possa falar em danos materiais porque as negociações preliminares não evoluíram. Não cabe falar em indenização pela realização de reuniões ou apresentação de projeto de prestação de serviços, eis que tais são decorrências naturais, lógicas e esperadas para uma empresa que busca fechar um contrato com um cliente em potencial.


O aproveitamento indevido do projeto e suas idéias serão abarcados na análise que se fará a seguir dos danos morais, uma vez que o cerne da questão e do projeto é a indevida utilização da marca registrada no mesmo contexto protegido. O mesmo deve ser dito acerca do potencial efeito negativo do uso indevido da marca pela ré junto a atuais e potenciais clientes da autora, ou seja, é questão afeta aos danos morais. Enfim, não há danos materiais.

De outro lado, porém, a existência de danos morais, na espécie, dispensa prova específica por parte da autora, eis que a utilização, pela ré, no mesmo contexto fático, de marca registrada pela autora, por si só, traz prejuízos morais. Tal conduta gera danos morais porque o consumidor pode acreditar que os produtos e serviços fornecidos pela ré que façam menção à expressão “carbono neutro” tenham passado pelos mesmos critérios de certificação daqueles que aderiram ao programa ambiental desenvolvido pela autora e que se valem da marca registrada “carbononeutro”, tudo a trazer prejuízos à reputação da autora no mercado em questão.

Tal conduta pode, ainda, induzir a idéia de que toda e qualquer empresa pode se valer da mencionada expressão independentemente de contratar os serviços da autora. Enfim, os danos morais são evidentes. Cabe, agora, a liquidação do dano. As determinações dos artigos 208 e 210 da Lei n.º 9.279/96 dizem respeito aos danos materiais e lucros cessantes, não podendo ser utilizadas para a liquidação do dano moral. Não há, a respeito, critério definido em lei, pelo que o valor da indenização deve ser arbitrado pelo Juízo.

O valor da indenização deve atender a dupla finalidade de compensação da dor moral sofrida e de prevenção, para que o ato abusivo não se repita. Observando-se essas finalidades, e no caso dos autos, em que não há discussão sobre um valor econômico definido, deve-se ter por critérios norteadores da fixação do “quantum”, principalmente, a existência de dolo por parte do requerido ou o grau de culpa de seu ato e as repercussões comerciais e sociais do uso indevido do nome da autora.

A indenização, assim fixada, não pode ser irrisória ou simbólica, mas também não pode ser extremada, a ponto de gerar enriquecimento ou restauração do patrimônio do ofendido. Sopesados todos os elementos acima, considerando a capacidade financeira presumida das partes, considerando-se o largo alcance da publicidade levada a efeito pela ré com a indevida utilização da marca registrada pela autora e considerando-se que a conduta da ré é agravada pelo fato de ter ocorrido logo após ter iniciado e encerrado tratativas com a autora justamente para contratar serviços de neutralização de carbono, fixo a indenização devida pela ré à autora no valor equivalente a 100 (cem) salários mínimos, ou seja, R$ 46.500,00.

Ante o exposto, e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, para o fim de, confirmando a antecipação da tutela já deferida:

a) determinar à ré que, de forma definitiva, se abstenha de utilizar a expressão “carbono neutro” na publicidade de seus produtos, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00;

b) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 46.500,00, com correção monetária, pelos índices da Tabela Prática de Atualização do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir desta data, além de juros de mora, na forma legal, ou seja, 1% ao mês, a partir da citação.

Ante a sucumbência recíproca, cada parte arcará com as custas e despesas processuais já despendidas e com os honorários advocatícios de seus respectivos patronos.

P. R. I.

TÓPICO FINAL DA R.

SENTENÇA PROLATADA ÀS FLS. 337/343: " Ante o exposto, e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, para o fim de, confirmando a antecipação da tutela já deferida: a) determinar à ré que, de forma definitiva, se abstenha de utilizar a expressão “carbono neutro” na publicidade de seus produtos, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00; b) condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 46.500,00, com correção monetária, pelos índices da Tabela Prática de Atualização do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir desta data, além de juros de mora, na forma legal, ou seja, 1% ao mês, a partir da citação. Ante a sucumbência recíproca, cada parte arcará com as custas e despesas processuais já despendidas e com os honorários advocatícios de seus respectivos patronos.

P. R. I. / VALOR DE PREPARO: R$4.303,69 MAIS PORTE DE REMESSA E PORTE DE RETORNO POR VOLUME DE AUTOS

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