Instituição dividida

STJ discute se MP pode dar dois pareceres diferentes

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16 de julho de 2009, 15h46

A atuação do Ministério Público como instituição única ou com cabeças que pensam de maneira diferente rachou ao meio a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Os ministros discutiram se o MP pode se manifestar em determinada fase processual pela desclassificação de um crime e, posteriormente, por atuação de outro promotor, pedir a condenação por um crime mais grave.

A discussão sobre essa possibilidade terminou empatada em dois a dois no tribunal. Os ministros, no entanto, aplicaram o entendimento mais benéfico ao réu e anularam acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Lá, os desembargadores aplicaram sanção mais grave aos réus depois de a sentença de primeira instância desqualificar o crime de associação para o tráfico de drogas.

Os dois réus foram denunciados por tráfico e um deles, também por porte ilegal de armas. O juiz de primeira instância desqualificou o delito de tráfico para uso de substância entorpecente e manteve a acusação de porte de armas, depois de consultar o Ministério Público sobre a possibilidade. O promotor que atuava no caso, mesmo depois de ter apresentado a denúncia, foi favorável à desqualificação.

Em seguida, em recurso de apelação, o Tribunal do Rio revisou essa decisão com base em parecer de outro promotor e condenou ambos os acusados a três anos de reclusão em regime fechado por associação ao tráfico. Por isso, a defesa recorreu ao STJ.

A defesa alegou que, se a opinio delict — base com que o promotor se convence da justa causa para oferecer a Ação Penal — pudesse ser revista pelo promotor que sucedeu o anterior, os princípios do Ministério Público como unidade e sua indivisibilidade estariam completamente esvaziados, pois o órgão teria tantas opiniões delitivas quantos fossem seus integrantes. São princípios do MP a independência, a unidade e indivisibilidade: seus membros atuam como se fossem um, disse a defesa. O Tribunal de Justiça, contudo, entendeu que a divergência de opiniões entre seus representantes deve ser respeitada por previsão constitucional, que dá liberdade de convencimento a seus membros.

O relator no STJ, ministro Paulo Gallotti, entendeu que mesmo o representante do MP tendo entendido que, na fase de alegações finais, a hipótese não seria de levar a uma condenação por tráfico, não existe obstáculo para que outro membro interprete os fatos de forma diferente, buscando, por meio de recurso, uma condenação. O ministro destacou que a independência funcional não é incompatível com a unidade da instituição. “O princípio da independência, longe de dar carta branca à atuação arbitrária de membro do MP — e para coibir eventuais desvios existem os órgãos de correição —, tem por escopo tornar efetiva a atuação ministerial, de modo a atingir a defesa da ordem jurídica.”

O ministro Nilson Naves, que abriu a divergência, afirmou não ter dúvidas quanto à independência funcional do MP, mas disse ver com reservas essa irrestrita liberdade. Ele assinalou que uma coisa é a independência, outra coisa é o interesse em agir em determinados momentos processuais. Não há dúvidas de que o órgão possa pedir ao juiz que absolva o réu, mas “não é saudável, nem elegante” que volte seus próprios passos em nome ministerial e “desdizer o que já se havia dito em benefício do réu”. “Feita uma coisa, feita está. Desfazê-la significa ou ter dois pesos ou duas medidas, ou lhe conferir sabor lotérico, porque um representante não pode recorrer, outro pode.”

O julgamento ficou em dois a dois. O empate restabelece a sentença do juiz de primeira instância, da 6ª Vara Criminal de Nova Iguaçu, que é mais benéfica ao réu. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

HC 39.780

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