Lacunas da lei

Aspectos da legislação sobre barriga de aluguel

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

10 de julho de 2009, 15h09

A legislação brasileira possui uma séria lacuna no que diz respeito à utilização da denominada “barriga de aluguel” para aqueles casais que, infelizmente, não podem reproduzir se sem tal recurso.

Nos casos de inseminação artifical homológa ou heteróloga, durante o casamento ou união estável, o Código Civil regulamenta a questão e não deixa margem a dúvidas sobre a paternidade ou maternidade. Todavia, tal legislação é totalmente lacunosa no que tange à reprodução ausente o casamento ou convivência.

O lapso legislativo ocorre também, no caso da utilização de útero alheio para produzir filho próprio, fenomêno que acaba por ser regulamento pela Resolução 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina, todavia, insuficiente para resolver outros temas pertinentes ao tema, como aqui se verificará.

A referida resolução somente autoriza a utilização da barriga de aluguel se houver um problema médico que impeça ou contra indique a gestação pela doadora genética. Estando casada ou em união estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após processo semelhante de consentimento informado.

Ainda assevera tal resolução que as doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina. A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

O artigo 13 do Código Civil veda a disposição de parte do corpo, a não ser em casos de exigência médica e desde que tal disposição não traga inutilidade do órgão ou contrarie os bons costumes.

Do ponto de vista criminal há aqueles que entendem que não há tipificação legal de tal fato. Entretanto, a Lei 9.437/97 estabelece em seu artigo15 que comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano é crime punido com a pena de reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias multa, e, ainda, que incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.

Ora, durante a gestação forma se a placenta a qual é considerada pela medicina como um anexo embrionário existente apenas na classe dos mamíferos, através da qual ocorrem as trocas entre a mãe e seu filho. É formada pelos tecidos do ovo, embriologicamente derivada do córion. Através da placenta o concepto "respira" (ocorrem as trocas de oxigênio e gás carbônico), se "alimenta" (recebendo diretamente os nutrientes por difusão do sangue materno) e excreta produtos de seu metabolismo (excretas nitrogenadas). A placenta é também órgão endócrino importante na gravidez, envolvida na produção de diversos hormônios: progesterona, gonadotrofina coriônica (hCG), hormônio lactogênio placentário, estrogênio (principalmente o estriol) etc.

A placenta humana impede moléculas de alto peso molecular de entrarem em contato com o feto. Mãe e feto nunca tem o sangue misturados, uma vez que os vasos sanguíneos de ambos não são contínuos, ou seja, existe uma solução de continuidade que é preenchida pelo sistema artério venoso da placenta, por si só um filtro importante.

A placenta humana implanta-se na camada intermediária da decídua (nome que o endométrio assume durante a gravidez), denominada de camada esponjosa. Depois do parto, quando o útero reduz-se de tamanho significativamente, forma-se área de clivagem (descolamento) que, gradativamente, descola a placenta.

Assim, sendo a placenta um tecido ou órgão endócrino, razão pela qual, ao alugar se o útero, acaba se por vender ou comprar a placenta, a qual será utilizada durante a gestação e depois descartada, não podendo ser cedida, está sendo efetivamente comprada e/ou vendida para uso durante a gestação, caracterizando o crime supra citado.

Não se pode admitir a discussão na reprodução humana medicamente assistida, se a cessão do útero é contrato de locação de coisa ou contrato de locação de serviços, como querem alguns, tento em vista o princípio constitucional da dignidade humana, sob pena de se admitir que o ser humano tivesse passado a ser um objeto em um contrato.

Deve se repudiar o contrato de gestação substituta, porquanto está ocorrendo lamentável equívoco em comercializar assuntos relacionados com a reprodução assistida, a ponto de, exemplificativamente, se discutir se cessão do útero (mãe de substituição ou barriga de aluguel) é contrato de locação de coisa ou contrato de locação de serviço, como acima demonstrado.

Entretanto, é importante a fixação de requisitos necessários para a validade do ato, já que não se pode negar a existência de tais práticas, inclusive para fins de responsabilidade civil das partes, evitando que, eventualmente, as partes envolvidas repudiem, por motivos diversos, a filiação estabelecida, regulamentação que não existe no direito brasileiro.

Oliveira e Borges Jr. Asseveram que em Michigan (EUA), em 1983, houve o caso de um bebê nascido com microencefalia que foi rejeitado, a um só tempo, pela mãe hospedeira e pelos genitores biológicos.

Em razão do avanço da biotecnologia o princípio mater semper certa est resta relativizado, sendo que, não se conhece a maternidade pelo parto, mas sim, pela herança genética.

A Lei de Registros Públicos não contemplou a hipótese de registro de filhos pelos doadores genéticos, restando, aos verdadeiros pais, recorrem à Justiça para garantirem o direito ao registro de nascimento do filho — um atraso jurídico sem tamanho para as atuais possibilidades biogenéticas.

Assim, torna se de grande importância prática a questão do registro civil de nascimento do bebê nascido através de gestação em útero alheio.

Poderá não existir dificuldade se o parto foi realizado pelo mesmo médico que cuidou do procedimento de fertilização. Neste caso, deverá ser procedido regularmente o registro de nascimento com base na declaração fornecida pelo médico, que inscreverá a declaração de nascido vivo (exigida pelo art. 46 da Lei 6.015/73) o nome da mãe biológica ou social.

A declaração de nascimento com vida, expedida pelos hospitais, anotam, via de regra, o nome daquela que realizou o parto e não da mãe e pai biológicos o que impede o registro no cartório de registro civil, logicamente.

Em 2008, na cidade de Nova Lima, a avó cedeu o ventre para o nascimento da neta, sendo que, somente após uma decisão judicial, baseada em exame de DNA o juiz mineiro concedeu a autorização para a efetivação do registro de nascimento.

Ora, após as dificildades enfrentadas para gozarem da paternidade e maternidade, por meio da Medicina, o Direito relega os pais à sombra da lei, devendo apelar ao Judiciário para resolver uma questão que uma reforma legal na atual Lei de Registros Públicos afastaria, de maneira bem simples.

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    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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