Crime de advogar

MPF quer investigar Greenhalg por defender Dantas

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6 de julho de 2009, 20h23

Após entregar à Justiça a segunda denúncia decorrente das investigações que começaram com a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, o Ministério Público Federal pediu a abertura de mais três inquéritos para esclarecer fatos ligados às acusações contra o grupo Opportunity e o banqueiro Daniel Dantas. Segundo a Agência Brasil, o primeiro deles será para aprofundar a participação de pessoas que foram investigadas mas não foram incluídas nas duas denúncias já entregues. É o caso do advogado e ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh e de Carlos Rodenburg, que comanda o braço agropecuário do grupo Opportunity. O segundo inquérito é para apurar crimes financeiros na aquisição do controle acionário da Brasil Telecom pela Oi, e o terceiro, para investigar evasão de divisas praticadas por cotistas brasileiros do Opportunity Fund, com sede nas Ilhas Cayman, no Caribe.

Greenhalgh é investigado devido a telefonemas trocados com Humberto Braz — ex-presidente da Brasil Telecom e assessor de Dantas — e com Gilberto Carvalho, subsecretário particular da presidência da República. O MPF investiga suposta prática de lobby em favor do Opportunity, na operação de compra da Brasil Telecom pela Oi. O Opportunity era um dos sócios da BrTel e Greenhalgh se tornou advogado de Daniel Dantas na venda de suas ações na Brasil Telecom para a Oi.

Em nota divulgada nesta segunda-feira (6/7), o advogado se defende das acusações. “Não há nada em minha atuação como advogado do Opportunity que possa me macular. Fui contratado para assisti-lo na qualidade de advogado, atividade que exerço há mais de 30 anos”, diz. “Só posso entender que a citação ao meu nome constitui represália porque descobri a ação ilegal da Abin [Agência Brasileira de Inteligência] neste caso”.

O advogado acredita ter sido o primeiro a descobrir, acidentalmente, o uso não permitido de arapongas da agência pelo delegado federal Protógenes Queiroz na Operação Satiagraha. Em entrevista à ConJur, publicada em março, Greenhalgh conta o episódio. “O Humberto [Braz] me liga e diz que estava sendo seguido, e que quando voltou para o seu apartamento, havia pessoas esperando na porta. Eu o orientei a pedir ao seu motorista que fosse até a Delegacia Anti-Sequestro. O motorista voltou com uma guarnição, que enquadrou as pessoas. Os agentes saíram do carro dizendo estarem a serviço da presidência da República. Eu liguei para o Gilberto Carvalho e contei a história, não dizendo o nome do meu cliente. Ele me disse que aquilo só poderia ser um erro, que não sabia de nada, mas perguntaria ao general Félix [general Jorge Armando Felix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da presidência]. O general também disse que aquilo não era verdade. Então eu liguei para o Humberto e avisei que o gabinete dizia que não havia investigação contra ele, mas minha experiência dizia que sim. ‘Você se cuida porque está sendo seguido, e é pela Abin’, avisei. Foi o que motivou o ódio do Protógenes contra mim, porque eu toquei num assunto chamado Abin sem querer, quando estava sendo grampeado.”

Segundo Greenhalgh, o telefonema grampeado que motivou as investigações do MP tratou de questões comerciais da compra da BrT pela Oi. “Nós estávamos no meio de uma negociação tensa. Foram 70 acordos, mas faltava um, com o Citibank, que tratava dos US$ 300 milhões no preço da Telemig, que o Citi queria dividir com o Opportunity. Já o Opportunity exigia que se abrisse mão dessa parte, enquanto eles cediam uma parte da Telemar. Em um dos dias de reunião, o Humberto [Braz] me liga e diz: ‘Greenhalgh, ainda não chegamos em nenhum lugar, está difícil. Nós vamos voltar daqui uma hora, eu vou almoçar, mas te digo que a negociação está ruim. Imagine você que eles querem ficar com a nossa parte!’ A ‘nossa parte’ é a do Opportunity. ‘Eles querem pegar US$ 260 milhões, e isso nós não vamos perder’, ele disse. Então eu respondi: ‘Ô Humberto, pelo amor de Deus, isso tem que acabar, ninguém aguenta mais. Dá um tiro nessa história’. A conversa foi grampeada e vazou para a imprensa. Foi dito que os US$ 260 milhões eram a comissão que eu e o Humberto teríamos na negociação. Imagine só! Pegar 25% de comissão de uma negociação! Bastava o analista ouvir e perceber que, quando se fala ‘nós’, é o Opportunity”, contou o ex-deputado na entrevista à ConJur.

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil saiu em defesa de Greenhalgh. “A advocacia não se confunde com ilicitude. A OAB-SP se sentiu ferida com a atribuição de crime feita às atitudes do advogado”, diz o advogado José Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da OAB e da seccional paulista. Batochio foi designado pela OAB-SP para assistir a Greenhalg na defesa de suas prerrogativas como advogado.

Segundo Batochio, o telefonema dado por Greenhalgh a Gilberto Carvalho não infringiu a legalidade porque o advogado tentou apenas obter informações. “Ele agiu no exercício legítimo de sua função”, diz.

Sete crimes
Já a denúncia entregue nesta sexta-feira (3/7) pelo Ministério Público Federal ao juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal, acusa Daniel Dantas e mais 13 pessoas ligadas ao grupo Opportunity. Dantas foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira, evasão de divisas e crime de quadrilha e organização criminosa.

O procurador Rodrigo de Grandis detalhou sete fatos criminosos supostamente praticados nos últimos dez anos pelo banqueiro e por sua irmã, Verônica Dantas, pelo presidente do banco Opportunity, Dório Ferman, e por mais 11 pessoas: Danielle Silbergleid Ninnio, que trabalha na área jurídica do banco; Norberto Aguiar Tomaz, Eduardo Penido Monteiro e Itamar Benigno Filho, diretores do Opportunity, Rodrigo Bhering Andrade, diretor de empresa ligada ao banco; Maria Amália Delfim de Melo Coutrim, conselheira de diversas empresas do grupo; Humberto Braz, ex-diretor da Brasil Telecom; Carla Cicco, ex-presidente da Brasil Telecom; Guilherme Henrique Sodré Martins e Roberto Figueiredo do Amaral, lobistas; e William Yu, consultor financeiro.

Entre os sete fatos criminosos, estão os crimes de formação de quadrilha e organização criminosa; gestão fraudulenta (com desvio de recursos da Brasil Telecom para o Opportunity, além de repasse de recursos da Brasil Telecom para as empresas de publicidade de Marcos Valério, operador do esquema do “mensalão”); três fatos relacionados a lavagem de dinheiro; gestão temerária (com o banco Opportunity desrespeitando regras do Banco Central); e evasão de divisas (permitindo que cotistas brasileiros investissem no Opportunity Fund, mantendo recursos no exterior de forma ilegal).

Em entrevista coletiva concedida na tarde desta segunda-feira (6/7), em São Paulo, Rodrigo de Grandis não confirmou se houve pedido de prisão. “Não vou informá-los se o Ministério Público pediu a prisão, ou se houve qualquer outra medida de natureza cautelar”, disse o procurador, ressaltando que o inquérito corre sob segredo de Justiça.

Segundo de Grandis, a denúncia observou ligações entre o grupo Opportunity, quando estava no comando da Brasil Telecom, com o “valerioduto”, como ficou popularmente conhecido o suposto esquema comandado pelo publicitário Marcos Valério, que repassaria dinheiro para parlamentares votarem a favor de projetos de interesse do governo federal. Marcos Valério é um dos réus do processo do mensalão, que tramita no Supremo Tribunal Federal.

“Durante o período em que a Brasil Telecom foi comandada pelo grupo Opportunity foram travados contratos de publicidade ou supostos contratos de publicidade. Foram dois contratos, cada um no valor de R$ 25 milhões [fechados] com a empresa de publicidade DNA e com a SMP&B, que são empresas de publicidade vinculadas a Marcos Valério”, explicou o procurador. De Grandis informou que o MPF pediu cópias do material relacionado ao caso do mensalão ao Supremo. “O material poderia ser interessante para nossa investigação em São Paulo”, disse ele.

A denúncia oferecida na última sexta-feira não deve ser a última relacionada ao Opportunity. De acordo com o procurador, há atividades do grupo relacionadas a mineração e investimentos imobiliários que merecem aprofundamento. “O Ministério Público Federal ofereceu uma denúncia abrangendo uma parte desse inquérito policial. Há necessidade de continuar com as investigações”, disse o procurador.

O MPF arrolou 20 testemunhas para serem ouvidas na denúncia. Entre as testemunhas, o Ministério Público propõe ouvir o ex-ministro Roberto Mangabeira Unger, que comandou a Secretaria de Assuntos Estratégicos até o início deste mês, e o presidente da Santos Brasil, empresa que opera o terminal de contêineres de Santos, Wady Jasmin.

“Existe possibilidade, no futuro, de serem oferecidas outras denúncias em face de outras pessoas ou mesmo dessas pessoas que foram denunciadas agora, por outros fatos”, afirmou o procurador Rodrigo de Grandis, responsável pelos pedidos. Há ainda um inquérito policial da Operação Satiagraha em andamento e que investiga o grupo do megainvestidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Segundo o Ministério Público, esse inquérito voltou à Polícia Federal para “diligências complementares”.

No primeiro inquérito originado da Operação Satiagraha, De Sanctis condenou Dantas, em dezembro do ano passado, a dez anos de prisão por corrupção ativa, pela tentativa de subornar um delegado da Polícia Federal para ter seu nome excluído das investigações da Operação Satiagraha. Também foram condenados o consultor Hugo Chicaroni e um assessor de Dantas, Humberto Braz. As primeiras investigações policiais da Satiagraha foram conduzidas pelo delegado Protógenes Queiroz, sendo depois assumidas pelo delegado Ricardo Saadi.

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