Prejuízo compensado

Condenação penal com indenização gera polêmica

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4 de julho de 2009, 7h16

Há um ano, juízes criminais podem fixar na sentença condenatória indenização para reparação de danos causados às vítimas dos crimes, além de prisão e de multa. Juízes entendem que esta é uma forma de devolver à vítima — seja um banco, uma pessoa ou o governo — os prejuízos gerados pelo crime. Para advogados, o dispositivo do Código de Processo Penal confunde o Direito Penal com o Direito Civil, além de dificultar a ampla defesa no processo, já que a vítima não precisa pedir a indenização. Quando a indenização aparece na sentença é uma surpresa.

A possibilidade de indenizar a vítima foi inserida no artigo 387 do CPP por meio da Lei 11.719, de junho de 2008: o juiz “fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”. A redação do texto dá a possibilidade de o juiz determinar indenizações por danos morais ou materiais. Mas ainda são poucos os juízes que aplicam esta punição ao condenado e também os advogados que já se viram diante de uma sentença criminal com determinação de indenizar.

Os criminalistas Alberto Zacharias Toron, Luís Guilherme Vieira e Flávia Rahal, por exemplo, nunca viram a aplicação do dispositivo em uma sentença. No entanto, juízes conhecidos como Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, e Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal paulista, já se acostumaram a usar o jovem dispositivo do CPP.

Prejuízo milionário
Sérgio Moro diz que o dispositivo está aí para ser usado e costuma aplicá-lo, principalmente e com diversos zeros antes da vírgula, nos casos de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A indenização mais alta que já aplicou, puxando pela memória, foi de R$ 5 milhões. O parâmetro? O prejuízo e o dano causado à vítima, quando for fácil de verificar, como no caso de um assalto a banco ou quando a administração pública é surrupiada.

O juiz de Curitiba conta que passou pelo seu gabinete um processo de tráfico de pessoas em que foi muito difícil fixar um valor de indenização para as vítimas. Mas ele determinou o pagamento de indenização ainda assim. A ideia, explica, é que o ofendido possa executar o valor depois da condenação dos réus, como uma forma mesmo de reparação pelo sofrimento. Quando há necessidade de exame de provas ou em casos mais complexos, Moro afirma que a esfera cível é a mais indicada para fixar a indenização.

Questionado sobre a ampla defesa, o juiz da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba afirma que ela existe, sim, nesses casos. Como a possibilidade de indenizar está prevista na lei, o advogado deve levar as suas alegações ao juiz, dizer porque não cabe indenização ou porque o dano não pode ser mensurado. “A possibilidade de discutir é clara no CPP”, conclui.

O juiz Fausto Martin De Sanctis condenou, em dezembro de 2008, o banqueiro Daniel Dantas por corrupção ativa, no processo em que é acusado de subornar um delegado da Polícia Federal. A sentença: 10 anos de prisão, R$ 1,4 milhão em dias-multa, mais R$ 12 milhões de indenização para reparar os danos causados pela conduta. Este valor, de acordo com a sentença, deve ser doado a instituições beneficentes.

O advogado Nélio Machado, que defendia Daniel Dantas, classificou a sentença como “monstruosidade jurídica” na ocasião. Hoje, não comenta mais o caso, porque não está mais na defesa do banqueiro. Em relação à indenização prevista no CPP, é crítico: “o Direito Penal não pode virar Direito Cível”. Para ele, essa punição adicional não se encaixa na tradição do Direito brasileiro e, sem que haja regulação, este tipo de indenização fixada em sentença criminal pode significar uma “punhalada nas costas”.

Reforma do CPP
Jacinto Coutinho, um dos convidados pelo Senado para elaborar o anteprojeto da Reforma do CPP, entende que o dispositivo que prevê a indenização é inconstitucional. O advogado ressalta que ninguém pode responder a um processo sem o devido processo legal e ampla defesa. “Ninguém é denunciado para pagar uma reparação por dano. De repente a sentença traz essa condenação”, contesta. E acrescenta que o prejuízo é uma consequencia do crime. Segundo ele, a lei tentou imitar o modelo europeu, que não combinou com cultura brasileira.

No anteprojeto elaborado por advogados (clique aqui para ler a proposta), promotores, delegados e professores, incluindo o ministro do Superior Tribunal de Justiça Hamilton Carvalhido, a previsão de indenização é reformulada. No artigo 89, a proposta prevê que “são direitos assegurados à vítima obter do autor do crime a reparação dos danos causados”.

Na exposição dos motivos, a comissão explica que a sentença penal poderá arbitrar indenização pelo dano moral causado, sem prejuízo da ação civil contra o acusado. “A opção pelos danos morais se apresentou como a mais adequada, para o fim de se preservar a celeridade da instrução criminal, impedindo o emperramento do processo, inevitável a partir de possíveis demandas probatórias de natureza civil.”

Os juristas que assinam a sugestão de reforma afirmam ainda que o anteprojeto vai além do modelo da Lei 11.719/2008, que permite a condenação do réu ao pagamento da parcela mínima dos danos causados pela infração.

Retorno à sociedade
O juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, condenou recentemente dois traficantes internacionais a pagar o tratamento de usuários de droga. Como informou o jornal O Estado de S. Paulo, o nigeriano Chukwuemeka Frank Okoli-Igweh foi condenado a seis anos e três meses de prisão, sem direito de apelar em liberdade. A brasileira Maria das Graças da Silva recebeu pena de cinco anos, dois meses e 15 dias de reclusão. Além disso, cada um terá de depositar R$ 3 mil para a Secretaria de Estado de Saúde. Os dois foram presos em novembro de 2008 com 35,6 quilos de cocaína em São Paulo.

“Dizem que estou legislando, mas, na verdade, a lei manda fixar uma indenização. Nada mais justo para reparar os danos do ofendido. No caso, como não há uma pessoa determinada, o beneficiário deve ser a coletividade”, afirmou Ali Mazloum à Consultor Jurídico. Segundo o juiz, as pessoas acham que a prisão é a única forma de punir. “É preciso pensar no crime como um fato social mais abrangente, que requer medidas mais abrangentes”, disse.

Essa não foi a primeira vez que Mazloum aplicou a previsão do artigo 387 do CPP. O primeiro caso foi na condenação do libanês Mohamad Ahmad Ayoub e do brasileiro Orlando Gonçalves Filho, capturados em 2005 com três quilos de cocaína que pretendiam enviar para a Alemanha. O juiz condenou Gonçalves Filho a quatro anos de prisão e Ayoub a cinco anos. Ambos foram condenados a pagar reparação no valor mínimo de R$ 50 mil cada um, “atualizado desde a época dos fatos, devendo ser depositado em favor do Ministério da Saúde”.

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