Fundamentações teratológicas

Juízes ignoram Constituição e negam direito de voto

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1 de julho de 2009, 9h40

Ao dar de ombros para o direito previsto na Constituição Federal de que preso provisório pode votar, seis juízes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo se valeram dos argumentos mais surpreendentes para fundamentar a negativa. O julgamento aconteceu no último dia 16 de junho. Na discussão, faltou técnica-jurídica e sobraram argumentações subjetivas. (Clique aqui para ler a transcrição).

Os motivos para negar o acesso desses presos às urnas vão desde questões logísticas até a dificuldade de acesso à mídia. Ou até mesmo uma certa flexibilidade na aplicação de disposições constitucionais. O juiz Paulo Alcides registrou que entende a preocupação de certos setores, como o Minstério Público que moveu a ação a favor do voto dos presos, com a não aplicação da Constituição ao caso. Mas entende que não será nem a primeira nem a última regra constitucional que deixará de ser aplicada. “Tem uma série de coisas constitucionais que não se aplicam. Estão lá para figurarem como uma norma constitucional, mas não se aplica”, fundamentou Paulo Alcides, ao ignorar a Constituição.

Os juízes que votaram contra entenderam também que, como preso não pode ouvir rádio e ver televisão não tem acesso à propaganda eleitoral e não é capaz de formar seu convencimento para votar num candidato. “O que favoreceria o colégio eleitoral do PCC” (Primeiro Comando da Capital). Um dos juízes disse, ainda, que se fosse garantir voto a preso, teria de ir a hospitais ver se paciente em fase terminal gostaria de exercer esse direito.

O desembargador Walter de Almeida Guilherme, único a votar a favor dos presos, foi um dos poucos que apresentou fundamentação técnica-jurídica para a causa. Votaram contra o direito de voto: Marcos César Müller Valente (presidente), Paulo Alcides, Flávio Yarshell, Galdino Toledo, Clarissa Bernardo e Baptista Pereira.

O presidente, desembargador Marco César Müller Valente, apontou em seu voto as dificuldades técnicas que o sistema penitenciário enfrentará para colocar esses presos para votar. Para ele, a proposta é inviável, já que o estado tem o maior colégio eleitoral e também a maior população carcerária em relação aos demais estados.

Walter Guilherme destacou que a Constituição já tem mais de 20 anos sem que se tenha promovido, de alguma forma, a realização desse direito em São Paulo. De acordo com a CF, apenas pessoas condenadas, em última instância, têm seus direitos políticos suspensos. “Será que a Constituição estatuiu um monstrengo jurídico, um direito absolutamente incapacitado de ser efetivado? Existe um argumento conceitual e doutrinário: como negar direito ao preso que a Constituição assegura? Vamos negar por uma hipotética ou pretensa ou até razoável inexequibilidade? Mas se fosse tão inexeqüível assim não teriam os outros estados”, provocou o desembargador Walter Guilherme.

O desembargador ainda acrescentou que a maioria das pessoas já consultadas por ele é contra a dar direito de voto ao preso provisório. Isso segundo ele, se dá pelo ranço da sociedade de que o preso não tem direito algum. “Assim temos um dilema: Vamos ouvir a voz das ruas, (Joaquim Barbosa), ou vamos ouvir a voz da lei, (Gilmar Mendes)? Talvez a voz das ruas não seja tão favorável ao voto do preso. Porque talvez a maioria do povo queira a pena de morte, a maioria queira o esquartejamento e aplaude a tortura. Mas eu volto ao ponto inicial: quando vamos cumprir uma Constituição?”, disse ao fazer referencia à áspera discussão em plenário entre os dois ministros do Supremo Tribunal Federal.

Corrente contrária
Logo depois, foi a vez do juiz eleitoral Paulo Alcides falar. Ele começou o voto já com um questionamento: “O preso vai votar como e em quem”? E logo em seguida ele mesmo responde: “Aí vem aquele problema das gangues, PCC e outras coisas mais. Acabam [os presos] votando influenciados por outras pessoas, por outras determinações, por outras contingências”, disse. Aí desfiou sua tese desairosa sobre a aplicabilidade seletiva dos dispositivos da Constituição.

O juiz Galdino Toledo também votou no mesmo sentido. De acordo com ele, “o constituinte quando não excluiu o direito de voto do preso provisório não imaginou as conseqüências dessa exclusão. Muita coisa é colocada na Constituição sem se saber no quê que vai dar”, explicou.

Já o juiz Flávio Yarshell demonstrou insegurança e disse que ainda não estava convicto de sua posição. Disse que encontrou voto do ministro Celso de Mello, na ADPF 45, em que tratou extensamente da chamada reserva do possível. Dizendo que, na verdade, o Estado não pode criar artificialmente obstáculos à implementação de políticas de direitos fundamentais, como forma de se escusar.

“São situações um pouco diferentes, mas acho que muito do que foi construído aqui pelo ministro se aplica ao caso. Eu não ponho em dúvida, a existência do direito fundamental. Isso está fora de dúvida. A questão me parece que é de colidência de direitos fundamentais, de outros valores como a segurança da população”, registrou ao dizer que votara com grande dúvida, mas que seguia a maioria.

A juíza Clarissa Bernardo foi breve. Não fundamentou o voto e disse que compartilha muito do entendimento de Walter Guilherme, mas que também seguiria a maioria.

Por fim, o juiz Almeida Guilherme pediu a palavra e disse que ali não estavam julgando se o preso vai votar bem ou no melhor candidato. Se ele tem acesso a propaganda eleitoral, a jornais e a outras informações. Isso não é um argumento porque se fosse assim, nenhum analfabeto poderia votar. Talvez nenhum de nós tenha votado muitas vezes no melhor, mesmo informados teoricamente pela imprensa e por tudo o mais. Com todo respeito ao Doutor Galdino e ao Doutor Flávio, não há colidência de direitos aqui não”.

O projeto
O pedido de um projeto piloto para as eleições de 2010, que permitisse verificar e solucionar as dificuldades para a extensão do direito a todos os presos provisórios, foi feito pela Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo, com base no artigo 15, III, da Constituição Federal. O dispositivo suspende os direitos políticos daqueles presos condenados definitivamente e enquanto durarem os efeitos da condenação, mas não inclui os presos provisórios.

A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo estuda recorrer da decisão, inclusive para a Corte Interamericana de Direitos Humanos de São José da Costa Rica, por entender que a decisão implica no descumprimento de compromissos internacionais de proteção de direitos humanos firmados pelo Brasil.

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