Alhos e bugalhos

Notícias sobre Robinho não diferenciam crimes sexuais

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31 de janeiro de 2009, 14h30

A imprensa não se entende. Desde o episódio que deu ensejo à prisão do jogador Robinho, que defende atualmente as cores da equipe inglesa do Manchester City, várias têm sido as tipificações atribuídas à conduta que teria dado ensejo à sua prisão. Estupro, abuso sexual, agressão sexual e assédio sexual são apenas alguns dos termos cunhados por jornalistas brasileiros para descrever o crime supostamente cometido por Robinho na Inglaterra.

Foram dois os termos originalmente empregados pela mídia britânica quando o episódio veio à tona. O The Sun, jornal sensacionalista, foi logo carregando nas tintas, ao afirmar, sem muitos rodeios, que Robinho teria praticado um "rape" (estupro). Os demais, liderados pelo prestigioso The Guardian, foram — como de costume — mais cautelosos, enquadrando o comportamento de Robinho como um "serious sexual assault" (atentado sexual de natureza grave), com base em declarações feitas pelo porta-voz da polícia de West Yorkshire, que conduz as investigações sobre o caso. Mas qual seria, precisamente, a diferença entre os dois termos? E no que consistiria, exatamente, um atentado sexual de natureza grave?

Em 2003, os britânicos reformaram o seu Sexual Offences Act, de 1954, para dar mais precisão às definições constantes daquele estatuto, que, de tão vagas, acabavam deixando impunes os autores de algumas práticas sexuais indesejadas. Uma pessoa passou a cometer "rape" (estupro), por
exemplo, caso penetrasse dolosamente o seu pênis na vagina, no ânus ou na boca de outra pessoa, sem o consentimento desta última (Seção 1).

Os "assaults" (atentados), por sua vez, foram divididos em duas categorias. A primeira delas, a dos atentados por penetração ("assaults by penetration") tipificou como ilícita a conduta de quem
penetrasse, dolosa e sexualmente, a vagina ou o ânus de outra pessoa com um objeto qualquer ou, ainda, com uma parte de seu corpo diversa do pênis (Seção 2). A segunda categoria, a dos atentados sexuais propriamente ditos ("sexual assaults"), passou a incriminar, em suma, qualquer contato de natureza sexual ocorrido sem o consentimento do ofendido (Seção 3).

A  legislação penal britânica não prevê legalmente, como se nota, a existência de um "atentado sexual de natureza grave" ("serious sexual assault").  Mas o termo é frequentemente utilizado por agentes da polícia daquele país para referir-se não apenas aos casos de estupro, atentados por penetração e atentados sexuais, mas também às hipóteses previstas na Seção 4 do Sexual Offences Act de 2003 (compelir terceiros à prática de atos sexuais), bem como qualquer outro crime de
natureza sexual "que os responsáveis pelas investigações particularmente entendam ser de natureza grave". Essas informações são provenientes de manuais distribuídos para os órgãos policiais
britânicos, que detalham os critérios e diretrizes voltadas à investigação dos denominados "serious sexual assaults" em toda a Commonwealth.

Compreende-se, portanto, que por ora resulta difícil, senão impossível, especificar com precisão quais são as acusações que recaem sobre Robinho neste momento. O The Sun terá acertado caso a conduta atribuída a Robinho vir a ser efetivamente um "rape". Mas isso, por outro lado, não significará dizer que o The Guardian — entre outras mídias — se equivocaram quando apostaram no vulgar e genérico "serious sexual assault" para tipificar a prática em tese criminosa que vem sendo atribuída ao ex-jogador do Santos, já que o "rape" seria uma das espécies de "serious sexual assault", segundo a particular concepção da polícia de West Yorkshire, responsável pelas investigações do caso.

Portanto, a rigor, a rigor, a única certeza passível de ser afirmada até o presente momento é que abuso, agressão ou assédio sexual, são, desde logo, expressões tecnicamente inadequadas para referir-se à prática ilícita de que Robinho vem sendo acusado.

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