Justiça audiovisual

Juiz grava depoimentos com webcam e microfone

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31 de janeiro de 2009, 6h53

O juiz da 2ª Vara da Comarca de Sobral (CE) Ezequias da Silva Leite criou, em 2002, um sistema de captura do som e imagem dos depoimentos de testemunhas. Segundo ele, o novo sistema supera o tradicional, em que o escrivão vai digitando tudo o que é dito, trazendo praticidade, fidelidade ao que foi dito, agilidade e economia.

Com um microfone de lapela, Leite grava a voz. Com a webcam, as imagens. Depois de terminada a oitiva, tudo o que foi dito na presença do advogado e do promotor vai para um CD, gerando um arquivo eletrônico que será anexado aos autos posteriormente.

O meio que o juiz cearense criou para colher a prova oral tem amparo em lei. A ideia surgiu em 2002 no Juizado Especial Cível e Criminal de Icó (CE), quando Leite analisava a Lei 9.099/95 que dispõe sobre os Juizados Especiais. O artigo 36 da lei diz: para que “a prova oral não seja reduzida a escrito, devendo a sentença referir no essencial, os informes trazidos nos depoimentos”. No artigo 13, parágrafo 2º, reforça o anterior dizendo que “a prática de  atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio idôneo de comunicação”.

Em 2006, Leite foi transferido para a 2ª Vara de Sobral. Lá, ele também implantou o sistema, apoiado no artigo 154 do Código de Processo Civil que diz que “preenchida a finalidade do ato, ainda que de modo diverso, o mesmo é considerado válido”.

O corpo fala

No sistema de registro audiovisual, os depoimentos são captados com infinita precisão comparada com a forma escrita. Nele, são registrados a forma como a pessoa diz, o tom de voz usado, as expressões faciais, os gestos que enfatizam as palavras, entre outras manifestações corporais.

Segundo Alan e Barbara Pease, autores do livro Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal, 93% da comunicação humana é feita através de expressões faciais e movimentos do corpo. O mecanismo criado por Leite consegue demonstrar a frieza com que um criminoso narra detalhes do crime. Ou como uma criança, que tem comunicação pobre, relata timidamente que foi vítima de abuso sexual na própria casa. O sistema também pode servir para que uma vítima de estupro, que muitas vezes não consegue enxergar a face do autor do crime, consiga reconhecer o criminoso pela maneira em que fala e gesticula, exemplifica o juiz.

Para Ezequias da Silva Leite, o papel pode expressar bem uma peça processual qualquer, como petição, parecer ou sentença, mas no sentido de retratar a comunicação de uma pessoa é muito pobre. “A Justiça ficará mais atenta. Nós teremos um julgamento mais justo”, disse. Segundo o juiz, cerca de 50 varas da região utilizam o sistema. Ele afirma que outros tribunais não aderiram a mudança por resistência à tecnologia.

Ideia aprovada

Leite teve o seu sistema divulgado no Guia de Melhores Práticas de Gestão Judiciária, lançado no III Encontro Nacional de Juízes Estaduais, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros, em 2007. No mesmo ano, ele participou  da 8ª Mostra de Qualidade de Trabalhos da Qualidade do Judiciário, organizado pelo Superior Tribunal de Justiça. A tecnologia também já foi reconhecida pelo então presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 2007, desembargador Pedro Manoel Abreu, que chamou o colega para dar uma palestra sobre o sistema de prova oral em audiovisual aos juízes catarinenses. Segundo o juiz cearense, eles analisam um projeto para adotar o sistema.

O advogado Carlos Hildo conta que desconfiou da novidade, mas na primeira audiência o temor foi por água abaixo. “Esta é uma ideia muito boa, que reproduz com fidelidade o que a testemunha disse. Além de eliminar a frieza das audiências”, disse.

O promotor titular da 2ª Vara de Sobral Alexandre Pinto diz que logo de início achou a ideia excelente. Conta que em uma manhã de trabalho a vara conseguiu despachar cinco sentenças.

O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Antonio Umberto de Souza Junior afirma que existe experiência parecida em algumas varas de Brasília, em que os juízes perceberam que 2/3 do tempo de uma audiência é poupado. “Costumo dizer que, nesse aspecto, vivemos na Idade Média. O juiz tem que parar a audiência e ‘traduzir’ para o escrivão o que a testemunha disse. Sobre o colega do Ceará, eu só posso tecer elogios. São iniciativas que vão melhorar o Judiciário”, afirma. Ele diz também que não é imprescindível que todos os tribunais tenham o sistema, mas é necessário que troquem experiências como essa. “Agora o colega tem que procurar o CNJ para validar a ideia para que ela seja facilmente difundida para os tribunais”, recomenda o conselheiro.

O registro eletrônico também permite que o juiz deprecante ou substituto tenha a mesma percepção da prova oral que o juiz que participou da audiência teve.

Como funciona

O juiz Ezequias da Silva Leite diz que para montar o sistema ele não gastou mais de R$ 150. A aparelhagem usada se resume a uma webcam, que custa em torno de R$ 60 — e deve ser fixada em um tripé —, dois microfones de lapela, que custam em trono de R$ 4 cada. Segundo ele, os microfones de lapela permitem que a testemunha não fique constrangida durante o depoimento. Microfones para o advogado e promotor são dispensáveis.

O vídeo é transmitido no programa Windows Movie Maker, que acompanha o sistema operacional Windows. Para gravar a audiência em CD, usa o programa Nero. De acordo com o juiz, um CD com capacidade para armazenar 700 Mb pode gravar até 10 horas de depoimento. Um depoimento dura, em média, de dez a 20 minutos.

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