Assina ou não?

Obama silencia sobre Tribunal Penal Internacional

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29 de janeiro de 2009, 18h43

Barack Obama assumiu disposto a mostrar que é realmente um presidente de esquerda, ou pelo menos o que pode ser considerado esquerda na política americana.

Em seus primeiros dias, anunciou o fechamento da prisão de Guantánamo, autorizou a pesquisa com células-tronco e eliminou restrições ao financiamento de ONGs estrangeiras que admitem a realização de abortos. Também colocou limites nas atividades de lobistas e prometeu para breve um novo plano de combate ao aquecimento global, área notoriamente ignorada por seu antecessor, George Bush.

Até aqui cumpriu o script que dele se esperava, o que só torna mais estranho seu silêncio sobre um tema muito caro às organizações humanitárias internacionais, a integração dos EUA ao Tribunal Penal Internacional, sediado em Haia, na Holanda.

O TPI começou a funcionar em 2002, com a função de processar e julgar acusados de crimes contra a humanidade e genocídio. Veio para preencher um vazio na lei internacional e a de mandar o recado a déspotas em várias partes do mundo, de que não podem agir sem se preocupar com o dia de amanhã.

Hoje, começou o primeiro julgamento da história do tribunal, o do líder rebelde do Congo Thomas Lubanga, acusado de usar crianças na guerra civil que matou mais de 2 milhões de pessoas entre 1999 e 2003 (é ele na foto, distribuída pelo tribunal).

Até hoje, 108 Estados assinaram e ratificaram o estatuto do tribunal (incluindo o Brasil), mas não os EUA. Bill Clinton chegou a colocar sua rubrica no documento, mas mais como um ato de propaganda, pois sabia que o Congresso de maioria conservadora jamais aprovaria esse ato. Bush, como era de se esperar, retirou a assinatura.

Por que os EUA não assinam? A justificativa é de que, por terem soldados atuando ou estacionados em várias partes do mundo, poderiam ser perseguidos politicamente e processados por governos estrangeiros ao cumprirem suas funções. Argumento que nunca se sustentou muito bem, uma vez que o tribunal é bastante específico quanto aos casos em que pode haver julgamento.

Em linhas gerais, é preciso que um país não tenha condições mínimas de realizar um julgamento justo, ou que não tenha estrutura para tanto. Os EUA, evidentemente, têm. Ainda assim, o Conselho de Segurança da ONU, onde os EUA têm poder de veto, teria de autorizar o julgamento. É óbvio que, com essas salvaguardas, os soldados norte-americanos estão protegidos de qualquer tipo de perseguição injusta.

A história dos julgamentos por crimes contra a humanidade tem um longo pedigree, e remonta aos tribunais de Nuremberg (Alemanha), após a segunda guerra mundial, quando nazistas foram condenados e executados. Após um longo intervalo, a idéia ressurgiu com força nos anos 90, com tribunais específicos sobre crimes cometidos na ex-Iugoslávia, Ruanda, Serra Leoa e Camboja.

Mas são tribunais temporários e específicos, e o TPI surgiu como uma resposta permanente da comunidade internacional. Ele tem suas polêmicas e desvantagens, mas até agora não se pensou numa maneira melhor de fazer justiça a vítimas de atrocidades.

Para a África, o tribunal é especialmente relevante. Até hoje, 12 pessoas tiveram suas prisões pedidas (algumas efetuadas, outras não) pela corte, todas por crimes cometidos em guerras do continente. Cinco líderes do LRA (Exército de Resistência do Senhor, na sigla em inglês), grupo rebelde de Uganda estão entre eles. Outros quatro são rebeldes do Congo (um deles Lubanga, que ontem se disse inocente), além de dois acusados do genocídio de Darfur e um outro congolês implicado na guerra civil na República Centro-Africana. Há ainda o presidente do Sudão, Omar Al-Bashir, cuja prisão foi pedida pelo promotor da corte, Luis Moreno Ocampo, mas que ainda não foi autorizado pelos juízes.

Algumas vezes esse ativismo da justiça atrapalha negociações de paz em curso, o que é uma crítica frequente. Os líderes do LRA, por exemplo, abandonaram um acordo que estava para ser fechado com o governo de Uganda porque queriam garantias de que não seriam presos, coisa que o TPI não aceitou dar. No Sudão, Bashir ameaça tornar um inferno a vida para os capacetes azuis da ONU em Darfur, uma das razões pelas quais sua prisão vem sendo adiada.

Também soa estranha, muito estranha, a fixação do promotor e dos juízes apenas com a África. Fica difícil, numa situação dessas, rebater as acusações de racismo e de justiça do homem branco contra o homem negro. Não estou defendendo clemência para os monstros africanos, mas não existe ninguém na Ásia, Américas, Europa ou Oceania que valesse a pena investigar?

Feitas as ressalvas, é evidente que a corte é um avanço. E ainda mais estranho que Obama não tenha se pronunciado sobre ela. O apoio dos EUA seria um impulso enorme para o tribunal, politicamente e financeiramente. A desculpa de que o Congresso não aprova não cola mais, agora que o presidente tem uma formidável maioria na Câmara e no Senado.

Em 2004, quando era apenas um senador medianamente conhecido e quando a possibilidade de vir a se tornar presidente era considerada remota, Obama afirmou que “os EUA devem cooperar com o as investigações do TPI de maneira que reflita a soberania norte-americana e promova nossos interesses de segurança”.

Uma resposta meia-boca, como se vê, em que ele não chega a se comprometer com a participação efetiva na corte. Desde então, silêncio absoluto.

Estar fora da corte coloca os EUA na desconfortável companhia de ditaduras como Mianmar, Bielo-Rússia, China, Coréia do Norte e Irã.

Seria um gesto interessante o novo presidente finalmente aceitar o inevitável: o tribunal já está funcionando, gostem os EUA ou não.

E aí, Obama, assina ou não assina?

Texto publicado originalmente publicado no blog Pé na África

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