Liberdade de expressão

Juca Kfouri perde processo contra Luxemburgo

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27 de janeiro de 2009, 18h48

Instituto Wanderlei Luxemburgo
Vanderlei Luxemburgo - por Instituto Wanderlei Luxemburgo

O  técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo (foto*), atualmente treinando o time do Plameiras, não terá de indenizar o jornalsita Juca Kfouri por danos morais. Kfouri recorreu à Justiça por se sentir ofendido com a expressão “um tal de Juca Kfouri da vida” dita por Luxemburgo numa entrevista coletiva, em 2007. Na mesma entrevista Luxemburgo fez referências a outros ações mal sucedidas movidas pelo comentarista e a problemas relacionados a "uma nota promissória de Pelé". O pedido de Juca foi negado pelo juiz Gustavo Antonio Pieroni Louzada, da 3ª Vara Cível da Comarca de Santos (SP). Ainda cabe recurso.

O juiz considerou que a Constituição traz como direito individual fundamental a livre manifestação do pensamento (artigo 5°, IV), assegurando, igualmente, àquele a quem a manifestação for dirigida o direito de resposta, além de indenização por eventual dano material, moral ou à imagem decorrente de tal manifestação. O que não é o caso.

No processo, Juca alegou que as afirmações de Luxemburgo causaram dano moral por forte desconforto emocional, além de abalo a sua imagem pública profissional.  O juiz Gustavo Louzada entendeu, no entanto, que as palavras de Luxemburgo manifestam sua opinião pessoal no sentido de que a imprensa deveria estar focada nas questões relativas às disputas esportivas do futebol, e não às condutas pessoais de atletas, treinadores ou dirigentes.

“Foi neste contexto que o réu se referiu ao autor utilizando a expressão ‘um Juca Kfouri da vida’, com  intenção de citar um jornalista como exemplo, em sua opinião, de comportamento equivocado por buscar fatos relativos à conduta pessoal dos participantes/comentaristas, em vez de se ater às disputas esportivas.”

O juiz explicou, ainda, que não se trata de dar razão a esta ou àquela opinião, mas apenas de reconhecer que o réu tem tanto direito quanto o autor de manifestar seu pensamento, respondendo pelas consequências de eventual ofensa, que, neste caso, não existiu.

Quanto à afirmação sobre os insucessos de Kfouri na Justiça, o juiz ressaltou que “diga-se de passagem” corresponde à verdade, conforme comprovantes anexados ao processo. “Já a frase ‘uma nota promissória do Pelé’ sequer deve ser considerada, uma vez que a ausência de referência ou explicação anterior ou posterior priva a afirmação de qualquer sentido, mesmo quando inserida no contexto analisado”, concluiu.

O juiz registrou também que, em outras palavras, considerar a afirmação ofensiva seria exercício de adivinhação, já que, segundo ele, não é possível entender se a nota promissória referida teria sido emitida pelo autor ou por terceiro (Pelé), nem tampouco se ela ensejou cobrança ou não, muito menos contra quem quer que seja.

De acordo com ele, desta forma fica evidente que as declarações de Luxemburgo, ainda que feitas de forma “atabalhoada”, não representaram qualquer abuso, culposo ou doloso, na manifestação da opinião, mas sim exercício regular de um direito fundamental assegurado pela Constituição, não havendo, portanto, que se falar em dever de indenizar eventuais danos sofridos.

Bola fora

Nesta segunda feira (26/1), o Diário Oficial publicou outra decisão em que Vanderlei Luxemburgo foi condenado a pagar indenização de R$ 76 mil ao jogador Marcelinho Carioca, por ter ofendido o atleta no programa Por dentro da bola, da Bandeirantes, em janeiro de 2007. A decisão, de primeira instância, foi publicada na segunda-feira (26/1) no Diário Oficial.

O treinador disse que Marcelinho "não vale nada. Vanderlei classificou Marcelinho de "moleque", "mentiroso" e "safado", além de ter afirmado que já precisou "tirar mulheres do quarto" do ex-jogador, que, segundo ele, "usa religião como fachada". Clique aqui para ler

Leia íntegra da decisão de Kfouri contra Luxemburgo


José Carlos Amaral Kfouri ajuizou ação de indenização em face de Vanderlei Luxemburgo da Silva, alegando, em síntese, que o réu concedeu entrevistas para rádio e televisão, ofendendo-lhe a honra e a imagem ao se referir a ele como "um Juca Kfouri da vida", e ao afirmar que ele teria "perdido" processos movidos pelo próprio filho e pelo réu, além de relacioná-lo a problemas como "uma nota promissória do Pelé".

Por isso, requereu a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, que estimou em R$ 48.000,00. Citado, o réu ofereceu contestação (fls. 34/70), alegando preliminar de falta de pressuposto processual. No mérito, afirmou, em outras palavras, que não houve qualquer intenção de ofender a honra ou imagem do autor, mas apenas de se defender de acusações anteriormente realizadas por ele, em espécie de "retorsão", o que excluiria a responsabilidade civil.

Impugnou, ainda, a existência de danos e sua extensão. Houve réplica a fls. 135/143. É o relatório. DECIDO. O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, já que não há necessidade de produção de provas em audiência.

Afasto a preliminar alegada pelo réu em contestação, considerando que a notificação prevista no artigo 58, § 3°, da Lei 5.250/67 não é condição de procedibilidade para a ação de indenização, ao contrário do afirmado, porquanto tem função exclusiva de preservação da prova das declarações prestadas à imprensa, guardando relação, portanto, apenas com o mérito do pedido.

De qualquer forma, verifico que no presente caso não há controvérsia a respeito do teor das declarações prestadas pelo réu, reproduzidas na petição inicial e admitidas em contestação, dispensando a produção de provas a respeito dela, inclusive a apresentação pela respectiva permissionária do serviço de radiodifusão, de acordo com o disposto no artigo 334, inciso II, do Código de Processo Civil.

No mérito, o pedido formulado pelo autor é improcedente.

Inicialmente, cabe ressaltar que a Constituição Federal traz como direito individual fundamental a livre manifestação do pensamento (artigo 5°, IV), assegurando, igualmente, àquele a quem a manifestação for dirigida o direito de resposta, além de indenização por eventual dano material, moral ou à imagem decorrente de tal manifestação (artigo 5°, V).

A interpretação conjunta destes dispositivos leva à conclusão de que o direito de livre manifestação do pensamento deve ser, como qualquer outro, exercido de forma responsável, sem o cometimento de abusos que possam atingir injustamente a esfera de direitos de terceiros, especialmente evitando causar danos de qualquer espécie.

Atualmente, a Lei 5.250/67, que foi recepcionada pela Constituição Federal, salvo em alguns dispositivos, regulamenta os direitos constitucionais acima mencionados, inclusive oferecendo critérios para aferição de abusos na manifestação do pensamento, aplicação do direito de resposta, e caracterização da responsabilidade civil e penal deles decorrentes.

Feitas estas considerações, vale repetir que a existência das declarações apontadas na inicial, realizadas à imprensa, não depende de prova, nos termos do artigo 334, inciso II, do Código de Processo Civil, uma vez que foi afirmada pelo autor e confessada pelo réu em contestação, onde se limitou a afirmar que não houve qualquer intuito de ofender ou atingir a honra ou imagem de quem quer que seja.

Assim, resta apenas a análise das declarações proferidas pelo réu à imprensa, para verificação da ocorrência ou não de abuso e, conseqüentemente, da caracterização de responsabilidade pelo ressarcimento de eventual dano causado. Neste prisma, basta mera leitura do trecho transcrito pelo autor a fls. 05 para verificar que as palavras do réu visavam a explicar determinada conduta que havia sido divulgada anteriormente, em relação a jogadores que foram por ele dirigidos, bem como a manifestar a opinião pessoal do declarante no sentido de que a imprensa deveria estar focada nas questões relativas às disputas esportivas do futebol, e não às condutas pessoais dos respectivos participantes.


Foi neste contexto que o réu se referiu ao autor utilizando a expressão "um Juca Kfouri da vida", com nítida intenção de apenas exemplificar um jornalista que, na opinião dele, adotava a conduta equivocada de buscar fatos relativos à conduta pessoal dos participantes, em lugar de se ater às disputas esportivas.

Não se trata aqui de dar razão a esta ou àquela opinião, mas apenas de reconhecer que o réu tem tanto direito quanto o autor de manifestar seu pensamento, respondendo pelas consequências de eventual ofensa, que, neste caso, não existiu na expressão acima analisada, qual seja "um Juca Kfouri da vida".

No mais, o trecho transcrito na petição inicial traz apenas afirmação no sentido de que o autor sucumbiu em outras ações judiciais ("… tem processos que ele não consegue ganhar …"), em face do próprio filho e do réu ("… perdeu de mim, perdeu do filho que botou na Justiça …"), o que, diga-se de passagem corresponde à verdade, conforme comprovam os documentos juntados a fls. 89/91 e 125/128, em cotejo com as declarações contidas na petição inicial e no documento de fls. 93, ainda que pendente a apreciação de recursos.

Já a frase "tem uma nota promissória do Pelé" sequer deve ser considerada, uma vez que a ausência de referência ou explicação anterior ou posterior priva a afirmação de qualquer sentido, mesmo quando inserida no contexto analisado.

Em outras palavras, considerar tal afirmação ofensiva seria exercício de adivinhação, porquanto não é possível entender se a nota promissória referida teria sido emitida pelo autor ou por terceiro (Pelé), nem tampouco se ela ensejou cobrança ou não, muito menos em face de quem quer que seja.

Desta forma, fica evidente que as declarações do réu, ainda que realizadas de forma atabalhoada, não representaram qualquer abuso, culposo ou doloso, na manifestação da opinião, mas sim exercício regular de um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, não havendo, portanto, que se falar em dever de indenizar eventuais danos sofridos.

Ainda que se adotasse outra interpretação para as declarações do réu, observo que não haveria dever de indenizar, ante a ausência de danos, senão vejamos. A petição inicial traz dois argumentos para caracterização do dano moral, quais sejam o "forte desconforto emocional" e o "abalo de sua imagem pública profissional" (fls. 12).

Quanto ao primeiro aspecto, não há nos autos qualquer elemento que ao menos indique que o autor tenha apresentado alteração de seu estado emocional em virtude das declarações prestadas pelo réu, o que era ônus daquele demonstrar, nos moldes do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, por se tratar de fato constitutivo do direito invocado, salientando que houve requerimento expresso para o julgamento antecipado do feito (fls. 153).

Aliás, as considerações realizadas pelo autor a respeito da conduta pessoal do réu, especialmente em seu blog, comprovadas pelos documentos de fls. 93/98, geram presunção contrária à pretensão deduzida na petição inicial, porquanto é normal que, intimamente, não se dê crédito às pessoas consideradas não idôneas, por aplicação de regras de experiência comum, autorizada expressamente pelo artigo 335 do Código de Processo Civil.

Quanto ao segundo aspecto, noto que as afirmações contidas na própria petição inicial, principalmente no item 1 (fls. 03), indicam que o autor goza até os dias de hoje de considerável prestígio na sua área profissional, mantendo atividades constantes em canais de imprensa de conhecida idoneidade e respeito, abrangendo rádio, televisão, escrita, e internet.

Este histórico, por si só, evidencia que as declarações do réu em nada atingiram a imagem profissional do autor, tanto que permanece em destaque até hoje no cenário jornalístico nacional. Pelo exposto, seja pela ausência de abuso do direito de manifestação de opinião, seja pela inexistência de danos à honra e à imagem do autor, conclui-se que a improcedência do pedido formulado é de rigor. Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por José Carlos Amaral Kfouri em face de Vanderlei Luxemburgo da Silva, com fulcro no artigo 5°, incisos IV e V, da Constituição Federal.

Em decorrência da sucumbência, arcará o autor com as despesas processuais e com os honorários do advogado do réu, estes últimos fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 20, § 4°, do Código de Processo Civil, considerando, para tanto, o trabalho desenvolvido pelo profissional e a complexidade da lide. P.R.I.C. Santos, 21 de janeiro de 2009. GUSTAVO ANTONIO PIERONI LOUZADA Juiz de Direito"

[*Foto: Instituto Wanderlei Luxemburgo]

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