Segunda Leitura

Pessoa jurídica pode praticar crime ambiental

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

26 de janeiro de 2009, 10h02

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Quando a Constituição de 1988 previu a possibilidade de a pessoa jurídica praticar crimes contra o meio ambiente (artigo 225, parágrafo 3º), o fato não trouxe maior inquietação ao mundo jurídico brasileiro. Afinal, tantas eram as novidades da nova Carta Magna, que esta, a depender de lei que a regulasse, nem sequer representava uma realidade próxima.

Quase 10 anos depois, em 12 de fevereiro de 1998, foi editada a Lei 9.605, que tratava dos crimes ambientais. E nela, expressamente constava:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Aí as críticas foram muitas. A mais tradicional e respeitada doutrina de Direito Penal formulou ataques de toda ordem. A lei seria inconstitucional por esta ou aquela razão. Afinal, desde 1956 Aníbal Bruno já ensinava que: “Desde que o Direito de punir venceu a fase rudemente objetiva das origens, o seu sistema veio a construir-se tendo em vista a idéia da culpabilidade” (Direito Penal, Forense, t. 2, p. 23). Afinal, se a culpabilidade é a vontade consciente direcionada na prática do crime (dolo) ou, simplesmente, a falta de um dever de diligência (culpa), como admitir que uma pessoa jurídica possa praticar um delito?

Do outro lado, ambientalistas a sustentar o oposto, com base na experiência de outros países. A prática de responsabilizar a PJ tem origem no Direito norte-americano. A Suprema Corte daquele país, há quase 100 anos, julgando o caso New York Central & Hudson River Railroad contra os Estados Unidos, concluiu ser possível responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica (SCJ-USA, n. 57, Justice Day, j. 23.02.2009). Tudo porque, se as pessoas jurídicas podem gozar de todos os benefícios e garantias constitucionais assegurados às pessoas físicas, devem também sujeitar-se a todos os ônus a que estas estão sujeitas. Além disto, se a lei fala em pessoas, sem distinguir, elas podem ser sujeito ativo do crime.

Esta nova visão, que rompeu o dogma “societas delinquere non potest”, atualmente é adotada, entre outros, no Canadá, França, Austrália, Venezuela, Bélgica e Nova Zelândia. A tendência é estender-se a um número de países cada vez maior. A razão é simples. Nos crimes mais graves, os autores nunca são descobertos. Via de regra são responsabilizados apenas os últimos elos da cadeia delitiva, o porteiro, o motorista, enfim, aqueles que não tem como defender-se nem coragem de acusar os que dirigem.

Entretanto, mesmo sob a vigência da Lei 9.605/98, longo tempo se passou sem que o tipo penal tivesse qualquer efetividade. As discussões eram acadêmicas. Até que em 2003 o TRF da 4ª Região, revendo sentença do Juiz Federal Luis A. Bonat, manteve a condenação de uma pessoa jurídica por crime ambiental praticado em Criciúma, SC (Ap. Criminal 2001.72.04.002225-0/SC, 8ª. T., Rel. Des. Federal Elcio Pinheiro de Castro, j. 06.08.2003).

A esta decisão, pouco a pouco, outras se seguiram. Paulatinamente, os TJs do RS, SC (por uma de suas Câmaras), SP, MG e SE e o TRF da 1ª Região admitiram a responsabilidade penal da pessoa jurídica. O Superior Tribunal de Justiça, após uma decisão contrária (RESP 622.724/SC, 5ª. T., Rel. Ministro Felix Fischer, j. 18.11.2004), reconsiderou tal posição (RESP 564.960/SC, 5ª. T., Rel. Ministro Gilson Dipp, j. 02.06.2005) e passou a admitir a responsabilidade da PJ, desde que acompanhada de pessoa física.

Porém faltava a palavra final do Supremo Tribunal Federal. Pois bem, ela veio, ainda que indiretamente, em 19.08.2008, em habeas-corpus impetrado a favor de pessoa jurídica, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski (STF, 1ª Turma, HC 92.921-4/BA). No caso, a discussão centrou-se no cabimento ou não de habeas-corpus para trancar ação penal (tribunais de apelação sempre entenderam cabível o mandado de segurança). Mas o fato é que se admitiu, por via reflexa, a possibilidade de pessoa jurídica ser ré de crime ambiental.

A uma PJ serão aplicadas todas as penas, menos, evidentemente, a de prisão. Multa, suspensão de atividades, prestação de serviços à comunidade, são algumas delas. E mais. Subjacente à idéia da punição, acha-se também a da imagem da PJ. Atualmente, ninguém quer vincular-se à idéia de inimigo do meio ambiente. Assim, o fato de responder a uma ação penal, por si só, é um ônus pesado para uma empresa, pois pode ocasionar reflexos nas suas vendas ou nas suas ações na Bolsa de Valores.

Contudo, a efetividade ainda não chegou ao ideal. Muito embora se celebrem muitos acordos (transação penal e suspensão do processo, Lei 9.099/95, artigos 72 e 89), há Varas Criminais sem ações penais contra corporações. E tribunais que jamais receberam um recurso. Isto tudo é fruto da falta do hábito de aplicar a lei nova. Vai desde a ausência de formulários nas Delegacias de Polícia (como indiciar uma PJ?) até ao desconhecimento do Direito Ambiental, matéria que não se ensinava nas Faculdades. Mas a hora chegou. As mudanças que o mundo atravessa não podem ser ignoradas pelo Direito.

Novos tempos exigem nova visão. E nisto, entre tantas e tantas novidades, se inclui a de que a pessoa jurídica pode praticar crime ambiental e, se o fizer, deve responder na esfera criminal por sua ação.

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