Fiscal da lei

O poder de investigação do Ministério Público

Autor

26 de janeiro de 2009, 10h57

“Se as coisas são inatingíveis … Ora!
Não é motivo para não querê-las …
Que tristes os caminhos, se não fora,
A mágica presença das estrelas”.
(Mário Quitana).

Quem se dispuser a interpretar, de modo desapaixonado, o artigo 8º, da Lei Complementar 75/93, e o artigo 26, da Lei 8.625/93, verá, assim, que a literalidade textual, ali constante, autoriza o Ministério Público a empreender investigação criminal.

Verá, por exemplo, que o Ministério Público poderá realizar diligências investigatórias (artigo 8º, V, LC 75/93) e requisitar a condução coercitiva de testemunhas que, de maneira injustificada, não compareçam às suas notificações (artigo 26, I, a, Lei 8.625/93).

Por tais alocuções, o Ministério Público poderá não apenas acompanhar os procedimentos de interceptação telefônica de que deverá ter ciência, conforme dicção do caput do artigo 6º, da Lei 9.296/96, mas poderá, ele próprio, se assim o quiser, requerer diretamente ao juiz a realização daquela diligência.

Friedrich Muller descortinou, a propósito, que a norma é sempre produto da interpretação de um texto. Ou seja, o texto legal, quando interpretado e aplicado no caso concreto, produz norma jurídica. Assim, um mesmo texto pode produzir ao longo do tempo normas jurídicas diversas.

Isto ocorreu de modo emblemático quando, na década de 1950, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América decidiu, a partir de um mesmo texto de sua Constituição, que a discriminação racial era, ali, constitucional, e, décadas depois, decidiu de modo diametralmente oposto.1

Como se vê, em que pese os enunciados legais ut supra, a doutrina nacional, em sua maioria, e o próprio Supremo Tribunal Federal, pelo menos até o presente momento, ainda não reconheceram, em termos formais e definitivos, a eficácia normativa daqueles textos no sentido de se admitir o poder de investigação criminal do Ministério Público.

Eis a questão, destarte, que afeta a Polícia Judiciária deste país como um fenômeno que já se perfaz histórico, porque data de 1936, por exemplo, época em que o então Ministro da Justiça Vicente Ráo tentou introduzir, no sistema processual, os juizados de instrução, passando, depois, pelo Constituinte de 1988, quando, também em vão, houve igual tentativa, desta feita no sentido de assegurar a supervisão, a avocação e o acompanhamento da investigação criminal a cargo do Ministério Público.

Ora, não há negar de que a Constituição Federal apartou o Ministério Público da ingerência do Poder Executivo.

Também não há negar de que o Ministério Público foi ali alçado à condição de autêntico guardião da ordem democrática. Vide o artigo 127, CF/88, quando diz:

“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Como se vê, depois da concepção funcional dos Poderes do Estado, passando-se historicamente por Aristóteles, por John Locke e por Montesquieu, o Ministério Público, na dicção da Constituição de 1988, adquiriu status institucional absolutamente imprescindível ao Estado e à própria Sociedade.

Isto não é pouco!

Note-se, contudo, que, em sede penal, a destacada função do Ministério Público é ser parte processual. E para este mister, há de se observar o mandamento constitucional do equilíbrio processual, ou seja, da paridade de armas.

Eis o sentido lógico que se impõe observar com relação ao Ministério Público no âmbito processual penal e que lhe assegura harmonia com a ordem constitucional vigente porque, deste único modo, condizente com o Estado Democrático de Direito.

Tanto deve ser assim que, no Estado Liberal, por exemplo — de índole eminentemente absenteísta — a proeminência foi do Parlamento, isto é, do Poder Legislativo.

No Estado Social, de sua vez — predominantemente de caráter intervencionista — a proeminência foi do Poder Executivo.

No Estado Democrático de Direito, enfim, de que se insere a atual Constituição, a proeminência é do Poder Judiciário colimando, assim, proteger e garantir a observância dos direitos fundamentais.

É por isto que, no âmbito penal, insisto, há uma tendência que veio a se confirmar pela recente lei ordinária (Lei 11.690/08), através da qual o juiz tem a faculdade de ordenar, de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da medida (artigo 156, I, do CPP). grifei.

Ora, essa supervisão judicial — como se pode assim dizê-la — no âmbito da investigação criminal, decorre, justamente, da necessidade imperiosa — insisto mais uma vez — de proteção dos direitos fundamentais, notadamente, quando de eventuais cautelares deferidas.

Isto também ocorre não por outro motivo senão pelo fato de que o Ministério Público, sendo parte, na Ação Penal de é que titular, não pode se arvorar em desproporcional medida que ofenda o princípio da paridade de armas em relação ao réu, que é a outra parte e que pleiteia de modo isonômico direitos antagônicos.

O que não pode ocorrer, como penso, é o agigantamento institucional do Ministério Público para exercer, na pratica, a seletividade das investigações criminais. Será que a Sociedade quer isto?

Se assim não tivesse de ser, estar-se-ia agredindo a lógica do próprio Estado Democrático de Direito.

Com a palavra, enfim, o colendo Supremo Tribunal Federal para decidir, de modo definitivo, sobre o poder investigativo do Ministério Publico, ou não. Pois consta de seu site que essa tormentosa questão será decidida, enfim, neste ano de 2009.

Nota de rodapé:

1. Streck, Lenio Luiz. Crime e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2006. pág. 61.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!