Hora de reclamar

Defesa tem de apontar nulidade logo após pronúncia

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24 de janeiro de 2009, 2h04

Depois que a condenação se torna definitiva, a defesa não pode requerer a nulidade da sentença de pronúncia sem motivos muito bem fundados. Eventuais irregularidades têm de ser apontadas logo após a decisão que submete o réu ao crivo do júri popular.

O entendimento foi reafirmado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em julgamento recente. Os ministros decidiram que, se a defesa só fez menção à suposta nulidade quando pediu Habeas Corpus no STJ, o pedido deve ser rejeitado. Por unanimidade, a 6ª Turma manteve a condenação de João Bosco Moreira a oito anos e 11 meses de prisão por homicídio.

No pedido de Habeas Corpus, a defesa alegou que, na sentença de pronúncia, o juiz emitiu juízo de valor sobre o mérito da questão e teceu considerações pessoais que teriam influenciado o conselho de sentença. Pediu nulidade da decisão por causa do excesso de linguagem do juiz.

O pedido foi rejeitado. De acordo com o relator do processo, ministro Og Fernandes, “tendo transitado em julgado a condenação do paciente sem que houvesse qualquer irresignação da defesa acerca da alegada nulidade até a impetração do presente HC, impõe-se o reconhecimento da preclusão”.

O ministro ressaltou que nulidades absolutas não se tornam válidas com o passar do tempo, mas que o excesso de linguagem é causa de nulidade relativa e tem de ser atacada logo após a sentença de pronúncia por meio de recurso próprio para isso. O relator anotou, ainda, que mesmo que o pedido pudesse ser analisado, não houve excesso por parte do juiz.

“Da leitura da decisão impugnada não se pode extrair excesso de linguagem capaz de desvirtuar a parcialidade no julgamento pelo júri, limitando-se o juiz a fundamentar sobre a existência do fato, indícios suficientes de autoria e das qualificadoras, fazendo referência aos elementos contidos nos autos apenas para demonstrar a viabilidade da acusação, sem emitir juízo de valor sobre as provas”, afirmou Og Fernandes.

Os ministros, contudo, concederam Habeas Corpus de ofício para reconhecer ao condenado o direito à progressão de regime, que havia sido negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Leia ementa, relatório e voto do ministro Og Fernandes

 HABEAS CORPUS Nº 32.005 – SP (2003/0214347-0)

 RELATOR: MINISTRO OG FERNANDES

IMPETRANTE: JOÃO BOSCO MOREIRA

ADVOGADO: JOSÉ ERCÍDIO NUNES E OUTRO

IMPETRADO: QUARTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: JOÃO BOSCO MOREIRA (PRESO)

 EMENTA

PROCESSO PENAL. TENTATIVAS DE HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. HABEAS CORPUS. APELAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. QUESTÃO NÃO IMPUGNADA POR MEIO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO E SUSCITADA TÃO SOMENTE NO PRESENTE WRIT. PRECLUSÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. DIREITO RECONHECIDO DE OFÍCIO.

1. É certo que as nulidades absolutas não se convalidam com o tempo, não se sujeitando à preclusão. O vício alegado, todavia, qual seja, o excesso de linguagem na pronúncia, ao contrário do afirmado pelo impetrante, é de natureza relativa, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte.

2. Com efeito, eventuais vícios decorrentes da decisão de pronúncia devem ser argüidos no momento oportuno com a demonstração do prejuízo sofrido pela parte, e por meio de recurso próprio, eis que o art. 581 do Código de Processo Penal assevera ser cabível a interposição de recurso em sentido estrito contra tal provimento.

3. Dessarte, tendo transitado em julgado a condenação do ora paciente, sem que houvesse qualquer irresignação da defesa acerca da alegada nulidade até a impetração do presente habeas corpus, impõe-se o reconhecimento da preclusão.

4. Ainda que assim não fosse, da leitura da decisão impugnada não se pode extrair excesso da linguagem capaz de desvirtuar a parcialidade no julgamento pelo Júri, limitando-se o Juiz de primeiro grau a fundamentar sobre a existência do fato, indícios suficientes de autoria e das qualificadoras, fazendo referência aos elementos contidos nos autos, apenas para demonstrar a viabilidade da acusação sem emitir juízo de valor sobre as provas.


5. Habeas corpus denegado. Ordem concedida, de ofício, para reformar o acórdão recorrido e afastar o óbice do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, reconhecendo-se o direito à progressão de regime prisional.

 ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça por unanimidade, denegar a ordem, expedindo, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e os Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Dr(a). ENRICO DA CUNHA CORRÊA, pela parte PACIENTE: JOÃO BOSCO MOREIRA

Brasília, 18 de novembro de 2008(data do julgamento)

 MINISTRO OG FERNANDES

Relator

RELATÓRIO

 O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de João Bosco Moreira, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo que, em sede de apelação interposta pela defesa, manteve a sentença que o condenou a 11 anos e 8 meses de reclusão, a serem cumpridos integralmente em regime fechado, pela prática de dois homicídios qualificados, na forma tentada, em concurso material de infrações.

Alega o impetrante a nulidade absoluta da decisão de pronúncia em face do excesso de linguagem usado pelo Magistrado de origem, eis que emitiu juízo de valor sobre o mérito da demanda, tecendo considerações pessoais e critérios subjetivos que teriam influenciado o Conselho de Sentença, invadindo, assim, a competência do juiz natural.

Prestadas as informações, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela denegação da ordem.

Em consulta ao sítio do Tribunal de origem, observa-se que a revisão criminal ajuizada pela defesa não foi conhecida.

Os autos foram a mim atribuídos em 02 de julho de 2008.

É o relatório.

VOTO

 O SR. MINISTRO OG FERNANDES (RELATOR): A irresignação não merece acolhimento.

É certo que as nulidades absolutas não se convalidam com o tempo, não se sujeitando à preclusão. O vício alegado, todavia, qual seja, o excesso de linguagem na pronúncia, ao contrário do afirmado pelo impetrante, é de natureza relativa, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte.

Com efeito, eventuais vícios decorrentes da decisão de pronúncia devem ser argüidos no momento oportuno com a demonstração do prejuízo sofrido pela parte, e por meio de recurso próprio, eis que o art. 581 do Código de Processo Penal assevera ser cabível a interposição de recurso em sentido estrito contra tal provimento.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes:

 "HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – WRIT CONTRA DECISÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – NULIDADE NA PRONÚNCIA – EXCESSO DE LINGUAGEM – AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO – PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO – MATÉRIA PRECLUSA – HABEAS CORPUS DENEGADO.

1- O habeas corpus impetrado em face de decisão de apelação criminal tem toda a matéria devolvida à análise, não existindo a possibilidade de ocorrência de supressão de instância.

2- Encontra-se preclusa a matéria referente à nulidade ocorrida na decisão de pronúncia e não alegada no momento oportuno, sobretudo por já se encontrar o processo em fase de execução de sentença.

3- Writ denegado." (HC nº 84.452/RN, Relatora a Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJU 17/12/2007)

 "HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO SIMPLES. TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE DIVERSAS NULIDADES. AUSÊNCIA DE ADVOGADO NO INQUÉRITO. EXCESSO DE LINGUAGEM NA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA, A PRONÚNCIA E O LIBELO. INOVAÇÃO DA ACUSAÇÃO EM PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.


1. A ausência do advogado durante o inquérito policial, por si só, não tem o condão de trazer nulidade para o processo. Ademais, eventual irregularidade ocorrida no inquérito policial não contagia a ação penal superveniente.

2. As nulidades supostamente ocorridas após a pronúncia – excesso de linguagem na sentença de pronúncia e ausência de correlação entre a denúncia, a sentença de pronúncia e o libelo acusatório – deveriam ser alegadas logo após de anunciado o julgamento em plenário e apregoadas as partes, ex vi art. 571, inciso V do CPP, sob pena de preclusão.

3. Ainda que não se considerem preclusas as alegadas nulidades, in casu, o magistrado atentou-se aos limites de sobriedade impostos a fim de legitimar a segunda fase do processo e não há quebra de correlação entre a denúncia, a pronúncia e o libelo.

4. Sustentada desde o princípio a ocorrência de dolo eventual não há que se falar em inovação da tese ministerial em plenário.

5. Ordem denegada, de acordo com o parecer do MPF." (HC nº 50.270/RS, Relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU 06/08/2007)

 "PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, INCISOS I, III E IV, C/C ART. 14, II E ART. 121, § 2º, INCISOS III E IV, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. APLICAÇÃO DA PENA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. AUSÊNCIA DE RECURSO NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO. VÍCIO NA QUESITAÇÃO. FALTA DE QUESTIONAMENTO NO MOMENTO OPORTUNO. MATÉRIA PRECLUSA.

I – Se a controvérsia atinente à aplicação da pena não foi apreciada em segundo grau de jurisdição, dela não se conhece sob pena de supressão de instância.

II – Resta preclusa, no caso, a alegação de que a r. decisão de pronúncia padece de nulidade relativa ao excesso de linguagem, uma vez que tal vício somente foi argüido após o julgamento do recorrente pelo Conselho de Sentença. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso).

III – A ausência de protesto opportuno tempore (art. 479 do CPP), que sequer fez consignar em ata qualquer requerimento ou reclamação, quanto aos quesitos formulados, como regra, acarretam preclusão (art. 571, inciso VIII, do CPP). (Precedentes).Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido." (RHC nº 19267/ES, Relator o Ministro FELIX FISCHER, DJU 04/12/2006)

Dessarte, tendo transitado em julgado a condenação do ora paciente, sem que houvesse qualquer irresignação da defesa acerca da alegada nulidade até a impetração do presente habeas corpus, impõe-se o reconhecimento da preclusão.

Ainda que assim não fosse, da leitura da decisão impugnada fls. 46/55, não se pode extrair excesso da linguagem capaz de desvirtuar a parcialidade no julgamento pelo Júri, limitando-se o Juiz de primeiro grau a fundamentar sobre a existência do fato, indícios suficientes de autoria e das qualificadoras, fazendo referência aos elementos contidos nos autos, apenas para demonstrar a viabilidade da acusação sem emitir juízo de valor sobre as provas.

Verifico, contudo, constrangimento ilegal a ser sanado de ofício, no que diz com o regime prisional.

Isto porque o Supremo Tribunal Federal, em 23/2/2006, ao julgar o HC nº 82.959, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, além do que a Lei nº 11.464/2007, alterando sua redação, expressamente permitiu a progressão de regime prisional para os delitos hediondos ou equiparados.

Pelo exposto, denego o habeas corpus, concedendo a ordem, de ofício, tão-somente para, afastado o óbice, reconhecer o direito do paciente à progressão de regime, com a verificação, no Juízo da Execução, da presença dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos pela Lei de Execução Penal.

É o voto.

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