Intercâmbio constitucional

Cortes supremas discutem Direitos Humanos

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22 de janeiro de 2009, 7h39

Com participação ativa na discussão sobre o papel das cortes constitucionais ao redor do mundo, o Supremo Tribunal Federal marcará presença na primeira Conferência Mundial da Justiça Constitucional, que acontece nesta sexta-feira (23/1) e sábado (24/1) na Cidade do Cabo, na África do Sul. O evento, organizado pela Comissão de Veneza em parceria com a Corte Constitucional da África do Sul, reunirá líderes do Judiciário de 44 países, além da Corte Européia de Direitos Humanos. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski representarão a Justiça brasileira no encontro.

O foco das discussões será a aplicação efetiva dos Direitos Humanos pelas cortes. “A Justiça constitucional influente: sua influência sobre a sociedade” e “O desenvolvimento de uma jurisprudência mundial dos Direitos Humanos” foram os temas escolhidos para as discussões. A palestra do ministro Gilmar Mendes no envento deve ser curta, mas no site da conferência é possível consultar uma apresentação elaborada por ele sobre as últimas conquistas brasileiras no assunto, que servirá de base para o discurso — clique aqui para ler.

O documento diz ser função do Supremo transformar “os desejos de utopia, normatizados pela Constituição de 1988, em realidade concreta”, ao cumprir seu papel de interpretar a carta. Entre os temas julgados no Brasil que mostram, segundo o ministro, a evolução desta interpretação, estão a demarcação de terras indígenas no caso Raposa Serra do Sol, o uso de células-tronco em pesquisas científicas, o aborto de fetos anencéfalos, a restrição ao uso de algemas pela polícia, a fidelidade partidária, os direitos de minorias requererem comissões parlamentares de inquérito e a proibição do nepotismo, além de questões sobre racismo, anti-semitismo e progressão de regime prisional.

A garantia da liberdade também é citada como uma das bandeiras da corte constitucional brasileira. “A Corte tem firmado posição no sentido de que, no Estado constitucional, é inadmissível a transformação do homem em objeto dos processos estatais”, ressalta a apresentação. O assunto trouxe discussão em um dos temas mais debatidos no ano passado sobre o tribunal — a revogação da prisão preventiva do banqueiro Daniel Dantas pelo ministro Gilmar Mendes, preso em julho por ordem do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. “Ao exigir o respeito às garantias do devido processo legal e das liberdades em geral, o Supremo Tribunal impede que o Estado Constitucional seja transformado em Estado de Polícia”, diz o documento. Nesse aspecto o Brasil tem um dos sistemas constitucionais mais completos do mundo, segundo o ministro.

Não passaram despercebidas as discussões em torno da ingerência do Supremo no Legislativo, que mereceram a afirmação aos participantes da conferência de que “a Corte tem a real dimensão de que não lhe cabe substituir-se ao legislador”. Decisões polêmicas no ano passado provocaram farpas entre parlamentares e ministros, principalmente no julgamento da cassação do mandato do deputado Walter Brito Netto (PRB-PB) pelo Tribunal Superior Eleitoral, com base em decisão do STF quanto à infidelidade partidária.

O Supremo também destaca o uso, no Brasil, do amicus curiae, mecanismo que permite que interessados entrem como partes auxiliares nas ações de controle abstrato, com base na Lei 9.868/99. “O Supremo Tribunal Federal do Brasil tem aperfeiçoado os mecanismos de abertura do processo constitucional a uma cada vez maior pluralidade de sujeitos”, afirma no documento. O tribunal também declara ter amadurecido em relação à noção de profundidade dos efeitos de suas decisões na sociedade. Daí o uso das modulações nas ações julgadas.

Essa abertura fica evidente quando se fala em publicidade dos atos da corte brasileira, que já “conta com diversos mecanismos de aproximação com a sociedade, dentre os quais sobressaem a TV Justiça, a Rádio Justiça e a Central do Cidadão”, diz o documento. A TV Justiça transmite ao vivo, para todo o país, as sessões de julgamento do Pleno da corte.

Em franco processo de integração, o Supremo procura repartir sua experiência com outros tribunais do mundo. O site do STF já traduz o banco de jurisprudências para inglês e espanhol, mas promete trabalhar para compartilhar as informações com a Comissão de Veneza e com o Global Legal International Network (Glin), sistema de compartilhamento sediado na Biblioteca do Congresso norte-americano. A intenção é estreitar a relação com outras cortes, para também ter acesso a uma jurisprudência mais completa.

Mas a opinião internacional acerca de assuntos discutidos aqui já se mistura com as normas domésticas. Os tratados internacionais chancelados pelo Legislativo são um exemplo disso. Um dos casos recentes mais comentados é o da prisão civil de depositário infiel, abolida pela corte no ano passado. Os resultados dos julgamentos sobre o tema passaram por discussões como a hierarquia legal do Pacto de San José da Costa Rica e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A corte entendeu que eles estão acima das leis ordinárias, e abaixo apenas da Constituição Federal.

O uso da jurisprudência internacional, no entanto, deve ser feito com critério, já que as particularidades de cada nação têm maior peso. “Embora a citação e a análise de jurisprudência estrangeira sirvam como parâmetros para aprofundar os argumentos expendidos em um determinado tipo de conflito de direitos fundamentais, que muitas vezes são comuns à sociedade ocidental como um todo, é prematuro afirmar que haja, nesse momento, tendência à convergência de jurisprudência entre cortes constitucionais”, afirma o documento.

Segundo André Rufino do Vale, assessor chefe da assessoria especial da presidência do STF, o debate sobre a relação de forças entre o Direito Comparado e as jurisprudências nacionais é antigo, mas a força de julgados de outros países não deve tomar o lugar das decisões domésticas das cortes. “São mais usados como fundamentação que reforça os argumentos”, diz. Segundo ele, no entanto, no caso dos Direitos Humanos, o peso dos julgamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos é decisivo. “Se um entendimento da corte não for seguido pelo Supremo, uma ação pode seguir para lá”, afirma.

Além do Brasil, participarão do evento representantes de cortes constitucionais de Andorra, Armênia, Bahrein, Bielorrússia, Bélgica, Bóznia, Bulgária, Camarões, Cazaquistão, Chile, Coréia do Sul, Costa do Marfim, Croácia, Egito, Eslovênia, Filipinas, Finlândia, França, Geórgia, Holanda, Hungria, Indonésia, Israel, Jordânia, Lituânia, Malásia, Moldávia, Mônaco, Mongólia, Montenegro, Moçambique, Noruega, Portugal, Reino Unido, República Dominicana, Romênia, Rússia, Sérvia, Tunísia e Ucrânia.

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