Descrição minuciosa

Polícia deve detalhar cautelar para processo fluir

Autor

  • Lélio Braga Calhau

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

22 de janeiro de 2009, 9h05

A construção jurisprudencial e a doutrina recomendam que toda ocorrência policial de prisão por desacato deve conter literalmente as palavras que foram utilizadas em caso de ofensa verbal. Isso significa que, em caso de confecção de boletim de ocorrência, relatório do delegado de polícia ou oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, essas expressões devam ser reproduzidas também literalmente. A omissão dessa ação por parte do Ministério Público autoriza o juiz a rejeitar de plano a denúncia, em respeito aos direitos constitucionais individuais.

Essa reprodução literal das eventuais ofensas proferidas ocorre por vários motivos, mas o principal é o da necessidade de que todos os atos administrativos possam sempre passar pelo controle da legalidade pelo Poder Judiciário. Expressões dúbias podem gerar uma prisão por desacato, mas ao analisar o fato, pode o delegado de polícia não ratificar o flagrante ou o juiz de direito relaxar a prisão por entender que não ocorreu crime. O cotidiano judicial já sedimentou diversas questões sobre o crime de desacato, embora nem todas ainda estejam pacificadas, como o desacato quando se está embriagado ou exaltado. Raramente um boletim de ocorrência é apresentado sem as expressões literais e o caso pode ser verificado em juízo com mais segurança pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

Todavia, uma situação muito comum vem ocorrendo de forma paralela ao crime do desacato, e ainda não recebeu a devida atenção por parte das polícias, Ministério Público e do próprio Poder Judiciário. Ela ocorre, em muitos casos, quando uma pessoa é presa por crime de desobediência.

Segundo o Código Penal, consiste crime desobedecer à ordem legal de funcionário público. O exemplo mais claro seria o da ocorrência de prisão por desobediência quando o suposto autor dos fatos for encontrado em atitude suspeita, e que tem sido uma constante quando atuamos em um Juizado Especial Criminal. O cidadão é abordado por policiais em atitude suspeita e desobedece a ordem de parar ou de se submeter à realização de uma busca pessoal. São comuns os casos de pessoas que são conduzidas para a delegacia de polícia e enviadas aos Juizados Especiais Criminais nessa situação.

Quando o caso chega ao juizado, verificamos pela leitura dos boletins de ocorrência que os cidadãos foram abordados em atitude suspeita, todavia na quase totalidade dos casos não há outros elementos que demonstrem ao Ministério Público e ao Poder Judiciário quais foram esses elementos de prova que autorizaram a polícia a parar o cidadão e realizar uma busca pessoal, o que, em grande número, acarreta o arquivamento do procedimento, tendo em vista que os policiais não narraram literalmente no corpo do boletim de ocorrência quais são os elementos de prova que os levaram a classificar o ato ou omissão de alguém como atitude suspeita e que autorizou uma ordem legal de busca pessoal.

Como a busca pessoal é uma cautelar, deve ser realizada dentro de padrões mínimos exigidas pelo Estado Democrático de Direito, no sentido que deve exigir um juízo de probabilidade por parte do policial, e não de mera possibilidade sobre a necessidade concreta de sua realização. Isso acarreta a obrigação de se constar no boletim de ocorrência todos os elementos, evidências, indícios etc. que levaram a caracterização pelas polícias de uma atitude suspeita, para que haja o controle posterior da legalidade do ato pelo Poder Judiciário, e que direitos individuais não sejam desrespeitados ou ações públicas sejam objeto de questionamento na Justiça por conta da não observância dos requisitos mínimos legais que a caracterização por desobediência exige.

Autores

  • é promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.

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