Instituição ultrapassada

O juiz de instrução é ineficaz e pouco democrático

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19 de janeiro de 2009, 11h42

A instrução é um sistema processual que não funciona mais. A duração média da fase de instrução que era de 14,6 meses em 1994 passou para 22,4 meses em 2005, enquanto o prazo médio da prisão provisória passou de 5,6 meses em 1994 para 8,7 meses em 2005. No mesmo período, por outro lado, o número de processos de instrução diminuiu em um quarto. Na medida em que os casos se tornaram mais complexos — especialmente os casos financeiros — se tornaram frequentes atrasos de cinco a dez anos antes que a instrução seja concluída.

Mais além dos números, a instrução é um mecanismo no qual as pessoas suspeitas são colocadas em análise, mandadas para a prisão provisórias, expostas à execração pública, depois, alguns anos mais tarde, julgadas: Roland Dumas [1], Dominique Strauss-Kahn [2], Gérard Longuet [3], Christian Pierret [4], é longa a lista de políticos que conheceram as delícias da instrução à francesa, antes de serem julgados inocentes. Mas isto não é um privilégio dos políticos, como o caso Outreau [5] já demonstrou: a cada dia, no país do homem dos direitos e do juiz de instrução, pessoas são colocadas em prisão provisória que serão, na conclusão do processo, declarados não culpados.

O juiz de instrução não é uma conquista da democracia: é uma instituição criada em 1811 pro Napoleão, por muito tempo marcada pela obsessão do segredo e pelo desprezo aos direitos da defesa. É certo que as reformas legislativas das últimas décadas permitiram melhorar estes direitos, mas para cair num formalismo excessivo que engessa os inquéritos. O “pequeno juiz” se reduz nada mais do que a um homem, às vezes inexperiente, que exerce um poder muito solitário.

O juiz de instrução é uma exceção arcaica nos países democráticos. A alternativa não é entre o sistema americano, que favorece os ricos e conduz à cadeira elétrica os jovens pobres e negros, e o glorioso juiz de instrução à francesa. A maior parte dos estados democráticos não conhece esta instituição e outra grande parte renunciou a ela: Alemanha, Holanda e Itália.

Instituição napoleônica

Sem falar dos Estados Unidos, quase todos os regimes judiciários dos países democráticos funcionam com um sistema de acusação no qual o Ministério Público investiga e debate com a defesa sobre o controle e arbitragem de um juiz que julga. Ninguém demonstrou que, nestes países, a Justiça trataria pior os pobres do que os juízes de instrução. O juiz de instrução é marcado por uma contradição interna que toca em seus limites, hoje em dia, no Estado de direito desenvolvido. “Metade Salomão, metade Maigret [6]”, como dizia Robert Badinter [7], ele é ao mesmo tempo o que toca a investigação, interroga, prequestiona e aquele que julga. Como a convicção íntima de Maigret é o objetivo que ele persegue, com toda sinceridade, de demonstrar que o que ele acredita ser a verdade, isso não afetaria o julgamento de Salomão que deve se repartir entre as razões da acusação e da defesa?

Então, é preciso salvar esta instituição napoleônica, de poder solitário, ineficaz, abandonada por quase todo mundo, sob o único argumento de que o Ministério Público iria abafar os casos politicamente sensíveis? Certamente não? Primeiro porque, entre cerca de 30 mil processos instruídos a cada ano, somente algumas dezenas apresentam este risco. Nem se conserva um sistema ruim em 999 casos em mil porque ele apresenta uma vantagem no milésimo caso.

Em seguida porque existe outros mecanismos para garantir que o Ministério Público não ceda a esta tentação. Assim, em certos casos de ação civil é facultado à vitima ou a certas associações mover um processo de instrução nos casos em que o MP se recuse a fazê-lo. Ela poderia ser superada num sistema que confia a instrução ao MP, via injunção de um juiz ou da câmara de instrução do tribunal de apelação de abrir um inquérito ou de ordenar investigações. É prova de pouca imaginação ou do conservadorismo que as corporações judiciais infelizmente gostam de se apegar, acreditar que só o que existe é aceitável.

[Publicado originalmente no Le Monde, em 15 de janeiro de 2009]

[1] Ministro das Relações Exteriores da França de 1984 a 1986 e de 1988 a 1993

[2] Ex-ministro da Economia da França e diretor-geral do FMI

[3] Ministro da Indústria, Telecomunicações e Comércio Exterior da França de 1993 a 1994

[4] Ministro da Indústria da França em 2002.

[5] O caso Outreau provocou grande escândalo e é considerado um dos maiores erros judiciários da França na história recente. Trata-se de um processo por abuso sexual contra crianças movido contra 18 pessoas em Outraeau, uma pequena cidade do interior da França. Depois de três anos em que os acusados ficaram presos preventivamente, a principal denunciante do caso disse que havia mentido e todos os acusados foram absolvidos.

[6]Comissário Maigret é um detetive dos romances policiais do escritor belga George Simenon

[7] Advogado e constitucionalista francês, foi presidente do Conselho Constitucional da França entre 1986 e 1995.

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