Segunda Leitura

Réu só tem de pagar o crime cometido

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

18 de janeiro de 2009, 8h03

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">

As execuções das penas criminais são tratadas pela Lei 7.210, de 1984. Editada em uma época em que o Brasil fechava o ciclo do regime militar, a lei das execuções penais é avançada para a época. Ela prevê uma série de direitos aos presos, que vão desde direito a trabalho remunerado e previdência social (artigo 41) até a assistência ao egresso de estabelecimento prisional, que receberá apoio e até alojamento por dois meses (artigo 25).

Entre tantas promessas da LEP não cumpridas e a prática diária, existe uma enorme distância. A ela poderia ser dado o nome de realidade. Na verdade, o sistema prisional brasileiro revela uma série de problemas graves, muito embora a situação não seja exatamente a mesma em cada estado. Superpopulação carcerária, inexistência de trabalho, entrada de celulares e armas, violência e tantas outras.

A pergunta mais óbvia que se fará é: por que esta situação não muda? A resposta se divide em partes.

Primeiro, porque não há boa vontade com condenados. Com tantos problemas sociais, o cidadão e as autoridades não se sensibilizam com os que cumprem pena. Vou citar um caso real. Como promotor de Justiça, eu visitava mensalmente a Cadeia Pública, local onde os condenados cumpriam pena. Certa feita, em um inverno rigoroso, pedi cobertores para os presos a um comerciante abonado e cooperador. Respondeu-me ele: “de jeito nenhum, pra preso não dou nada”. Este exemplo é a síntese do pensamento comum da maior parte das pessoas.

Segundo, não há uma política nacional eficiente. A maioria absoluta dos presos são condenados pela Justiça dos estados. Na Justiça Federal a maioria das penas executadas são restritivas de direitos, por exemplo a prestação de serviços (LEP, artigos 147 e 149). É dizer, cumprem a pena em liberdade. Pois bem, cada unidade da Federação tem autonomia política e administrativa. Bem por isso, o Ministério da Justiça, através do seu Departamento Penitenciário Nacional — Depen (LEP, artigo 71), atua mais como órgão de colaboração e supervisão. Não interfere na ação do estado-membro em respeito à autonomia consagrada no pacto federativo.

Terceiro, porque a quase totalidade dos presidiários é de pessoas pobres. Estes, na tramitação do processo, são defendidos por um defensor público ou um advogado dativo. Este sistema ainda não é o ideal, mas é razoável. Mas na fase de execução piora. Os condenados ficam, muitas vezes, abandonados à sua própria sorte. Sujeitam-se a longa espera no exame de seus requerimentos em Varas de Execuções Penais abarrotadas de processos e com uma estrutura insuficiente. Evidentemente, o mesmo não sucede com os presos de boa situação econômica. Na fase de conhecimento, via de regra, beneficiam-se com prisão especial por terem curso superior e na de execução, não raro, obtém prisão domiciliar sob a justificativa de problemas de saúde. A revolta é compreensível e inevitável.

Assim segue a rotina judicial e carcerária. Isto sem falar nos graves problemas internos, como a formação de grupos que exercem o poder de fato e os riscos a que se submetem os agentes penitenciários (na Bangu 1, Rio de Janeiro, 7 diretores foram mortos de 2000 até agora). Neste particular, as penitenciárias federais de segurança máxima foram um bom passo, pois reduziram em 70% as rebeliões, mortes e motins em presídios estaduais (Gazeta do Povo, 12.1.200, p. 4).

Em meio a este quadro crítico, eis que surge uma luz trazendo esperança. E ela veio do Conselho Nacional de Justiça. Com efeito, por iniciativa de seu presidente, ministro Gilmar Mendes, e com a coordenação segura de dois destacados juízes, Erivaldo Ribeiro dos Santos (Federal/PR) e Paulo Tamburini (Estadual/MG), medidas importantes vêm sendo tomadas a favor dos presidiários.

O CNJ começou com mutirões carcerários, no RJ, PA, MA e PI. No Maranhão 71 presos foram soltos. Um deles, Elpidio Martins de Souza, condenado a 5 anos de prisão, cumpriu 3 a mais do que o previsto. Este tipo de situação não é rara. São pessoas que ficam fora do sistema, esquecidas, sem ter quem por elas se interesse. Poder-se-á dizer que o mutirão só resolve temporariamente. Não é verdade. Ele cria uma mentalidade nova que se refletirá nos casos futuros.

Mas a ação do CNJ não fica só nisto. Há planos, recomendações e ações para que os presidiários sejam alfabetizados, criação de núcleos de advogados voluntários e informatização das Varas de Execuções Penais. E mais. Planeja-se capacitar os servidores para esta difícil atividade e implementar a utilização dos presos como mão-de-obra.

Não será fácil, por certo. Nesta área nada é simples. Há problemas complexos, como o da regionalização das execuções penais, muitas vezes expondo os juízes a um contato próximo com presos perigosos. Em 2003 um juiz de execuções foi assassinado no interior de São Paulo. Mas, inegavelmente, a iniciativa é válida. Querer é o primeiro passo.

Em suma, os infratores devem pagar pelo crime cometido, pois, segundo G. S. Nucci, a pena tem por finalidade retribuição e prevenção (Leis penais e processuais penais comentadas, RT, p. 401). Mas este pagamento deve ser feito em conformidade com o previsto em lei. Nem mais, nem menos. E de forma uniforme para todos, independentemente do fator econômico-social.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!