Decisão comentada

Juiz usa sentença para criticar STF e CNJ

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15 de janeiro de 2009, 12h45

Ao condenar os onze membro da quadrilha dos herdeiros do bicheiro carioca, Castor de Andrade, o juiz federal Vlamir Costa Magalhães, da 4ª Vara Criminal Federal do Rio, aproveitou sua sentença de 265 páginas para condenar a decisão do Conselho Nacional de Justiça que recomenda juízes a não usarem o nome de operações policiais em peças judiciais, e outra do Supremo Tribunal Federal, que regulamenta o uso de algemas pela polícia.

Para Magalhães, ao aprovar a Recomendação 18 de 4 de novembro passado, pela qual sugeriu aos magistrados que não utilizassem os nomes com os quais a Polícia Federal costuma batizar suas Operações para não auxiliar no marketing político do Departamento de Polícia Federal, o CNJ simplesmente tentou censurar atos jurisdicionais. Para ele, esta recomendação “viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados”. Em nota de pé de página, após utilizar o nome “Operação Gladiador”, Magalhães comenta:

“O que esperar de um país em que se pretende ditar palavras que podem e não podem ser utilizadas em decisões judiciais? A inteligência e o profissionalismo dos membros do Poder Judiciário no Brasil são suficientes para não deixar que o mero emprego das denominações conferidas a operações policiais afete sua imparcialidade ou o cumprimento de quaisquer deveres inerentes ao cargo. A recomendação n. 18/04.11, 2008 do Egrégio Conselho Nacional de Justiça viola flagrantemente, dentre outros importantes valores constitucionais, a liberdade de pensamento e expressão dos magistrados (art. 5o, IV CR/88 e art. 41 da Lei Complementar n. 35/79). Assim, observadas as limitações decorrentes da legislação e do bom senso, nenhum órgão, entidade ou pessoa tem competência constitucional para censurar previamente atos jurisdicionais. Por entender que os únicos compromissos da magistratura se dão com o interesse público, com a legislação e, sobretudo, com a Constituição, à qual todos um dia juramos cumprir, fiz e continuarei fazendo menção a nomes de operações policiais sempre que se fizer necessário, nesta e em outras decisões”.

Algemas de gabinete
O juiz também foi crítico com relação à decisão dos ministros do STF, em agosto do ano passado, quando da elaboração da súmula vinculante que restringiu aos casos excepcionais o uso de algemas pela polícia. Para Magalhães, falta competência ao Judiciário para regulamentar a questão.

Em determinada parte da sentença, o juiz descreve o que lhe pareceu serem regalias que o bicheiro preso Fernando de Miranda Iggnácio desfrutava junto aos policiais de sua escolta. Numa audiência em que o réu, “sem algemas, trajando terno e óculos escuros e guardando certa distância em relação aos policiais federais que faziam sua escolta” provocou “extrema apreensão e surpresa na ocasião quando, no momento da assinatura do termo, o acusado Fernando Iggnácio pôs a mão na parte interna de seu requintado paletó e de lá sacou – para alívio dos presentes – apenas uma lustrosa caneta importada, deixando claro que sequer fora revistado”. Aproveitando-se da citação da falta de algemas, ele, em outra nota de pé de página na sentença criticou a decisão dos ministros do Supremo por decidirem sobre um tema que, no entendimento dele, “não deve ser analisado dentro de gabinetes”. Ele comenta:

“Descabe, por impertinência, aprofundar aqui a discussão sobre o uso de algemas em réus presos, inclusive durante a escolta para audiências. Contudo, é fato que o Poder Judiciário não tem competência constitucional para normatizar a questão, sendo certo que o Código de Processo Penal de 1941 não o fez e a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), em seu artigo 199, dispõe apenas que a matéria deve ser regulada por decreto federal, o que até o momento não ocorreu. Assim sendo, observados os ditames constitucionais e punidos os casos em que haja comprovado abuso, a real necessidade do uso de algemas decorrente do perigo para a segurança dos policiais e do próprio preso somente pode ser verificada por agentes tecnicamente habilitados presentes no momento e no local da condução do preso, tema que não deveria ser analisado, antecipada e genericamente, dentro de gabinetes. Assim, por questão de segurança, probidade e tratamento igualitário, penso que a regra geral deveria ser no sentido de que todos os presos, sem exceção, fossem conduzidos com algemas, que poderiam ser retiradas em audiência por decisão judicial, a requerimento da defesa, ouvido o Ministério Público e, em especial, o agente responsável pela escolta”.

Jogo ilegal
A sentença foi dura com a quadrilha dos bicheiros Ignnácio, genro de Castor e Rogério Costa de Andrade e Silva, sobrinho do capo do Jogo do Bicho carioca, já falecido. Os dois, desde a morte do antigo chefão, travam uma sanguinária batalha na disputa pela exploração das máquinas caça-níqueis na Zona Oeste da cidade, provocando dezenas de mortes. Foi através da Operação Gladiador, em dezembro de 2006, que a Polícia Federal – por conta do combate ao crime de descaminho e contrabando de componentes eletrônicos estrangeiros ilegalmente utilizados nas maquinetas – conseguiu desbaratar três quadrilhas de contraventores.

A investigação começou a partir de outra investigação sobre a movimentação patrimonial do ex-policial federal Paulo César Ferreira do Nascimento, o Paulo Padilha, que se iniciou na contravenção, junto com o irmão Moacir, como sócios de Rogério Andrade. Padilha, porém, acabou crescendo e formando uma terceira quadrilha também atingida na sentença do juiz da 4ª Vara Criminal Federal.

Os dois parentes de Castor e Paulo Padilha foram condenados pelos crimes de contrabando ou descaminho, corrupção ativa e formação de quadrilha. Iggnácio e Andrade ganharam pena de 18 anos de reclusão e 360 dias multa, cada um deles estipulados em cinco salários mínimos vigente. Já Paulo Padilha, por não ter sido comprovada a utilização de armas pelo seu bando, ficou com uma pena de 15 anos e seis meses de reclusão e também 360 dias multas no mesmo valor aplicado aos outros dois chefes de quadrilha.

A denúncia inicial do processo atingia 43 réus, mas a sentença só analisou a situação de 11 deles, que se encontram presos. Os demais respondem a processos desmembrados. Os onze foram condenados. Entre eles, estão três policiais ligados ao ex-chefe de Polícia Civil do Rio, o também ex-deputado estadual Álvaro Lins, que se encontra preso por outro processo. Conhecidos pelo Grupo de Inhos, já que os três eram tratados pelo diminutivo de seus nomes, os policiais Hélio Machado da Conceição (o Helinho), Fábio Menezes de Leão  (Fabinho) e Jorge Luís Fernandes (Jorginho) receberam penas de sete anos de reclusão e 200 dias multa, cada um deles estipulado em dois salários mínimos vigente. Fábio e Hélio foram condenados por formação de quadrilha e corrupção passiva. Mas Jorginho ganhou penas pelos crimes de formação de quadrilha e por contrabando ou descaminho, já que ficou provado que ele também era dono de máquinas.

Segundo o juiz Magalhães, tornou-se cristalino o fato de que estes três policiais não são dignos “da credibilidade e responsabilidade outorgada sobre seus ombros pelo Estado e, portanto, não podem e não devem exercer a nobre função policial e a proteção da sociedade”. Em consequência, ele decretou a perda dos cargos dos três.

Clique nos links para ler a sentença: 1ª parte e 2ª Parte.

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