Crise diplomática

Itália irá recorrer ao STF contra refúgio de Battisti

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15 de janeiro de 2009, 17h38

Angelino Alfano - por giustizia.itO governo italiano estuda uma forma de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para rever a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu refúgio político ao ex-militante comunista Cesare Battisti. Nesta quinta-feira (15/1), o ministro da Justiça da Itália, Angelino Alfano (foto), afirmou que o governo do país pensa levar o caso para uma “instância de reflexão”. Segundo o ministro, o país tentará todos os recursos legais.

"Faremos o que estiver dentro das nossas possibilidades. E faremos também pesar o fato político de que países como o Brasil, que pretende contribuir com a democracia mundial com sua participação no G8, se deem conta de que a violação de decisão da Justiça de outros países não lhes facilita o caminho", declarou Alfano em entrevista à rádio Rai. A Itália preside o G8. A fala do ministro pode sugerir uma ameaça velada de impedir que o Brasil participe da próxima reunião da cúpula do grupo, marcada para julho, na Sardenha.

Alfano afirmou que irá entrar em contato com Tarso Genro para “expressar as razões da insatisfação das vítimas do terrorismo e das vítimas de Battisti, que foi condenado na Itália com os critérios de garantia absoluta”. O italiano, que está preso em Brasília, deve ser solto ainda nesta quinta-feira (15/1), já que o Diário Oficial da União publicou decisão de Tarso Genro que concede refúgio político ao italiano.

Battisti, 52 anos, é ex-dirigente dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo extremista que atuou na Itália nos anos 60 e 70. Ele foi condenado à prisão perpétua à revelia na Itália por quatro homicídios cometidos pelo PAC entre 1977 e 1979. Ele nega as acusações. Em março de 2007, foi preso no Rio de Janeiro e transferido para penitenciária do Distrito Federal.

Na quarta-feira (14/1), Tarso admitiu que o Judiciário pode rever a decisão. No entanto, ele mostra que está seguro do embasamento jurídico na concessão do refúgio. "Quero ver apontarem algum erro jurídico nessa minha decisão", desafiou o ministro em entrevista ao Estadão.

Ideólogo nazista

Ao tratar do caso de Basttisti, Tarso também julgou a democracia italiana. Contrariando posição do Itamaraty, o ministro da Justiça conseguiu criar uma crise diplomática. Isto porque, para Tarso, o Estado italiano faz perseguição política.

Tarso acredita que a Itália tem um sistema jurídico como o imaginado pelo filósofo alemão Carl Schmitt. O filósofo, que ainda tem fãs no Brasil, foi o grande ideólogo jurista do Partido Nazista. Foi com base em uma tese dele que a Corte Constitucional da Alemanha permitiu Adolf Hitler chegar legalmente ao poder em 1933.

Segundo Tarso, a Itália vive segundo o preceito de Schmitt de que “todo o direito tem a sua origem no direito do povo à vida. Toda a lei do Estado, toda a sentença judicial contém apenas tanto direito quanto lhe aflui dessa fonte. O resto não é direito, mas um ‘tecido de normas positivas coercitivas’, do qual um criminoso hábil zomba”. O ministro da Justiça lembra que, para Schmitt, “as conquistas jurídicas humanistas das luzes não valem porque delas o delinqüente inteligente pode zombar”.

Na maior parte da decisão, Tarso refere-se à situação política da Itália dos anos 70 e 80. Mas, em alguns momentos, deixa escapar sua avaliação pessimista sobre o país atualmente. “Percebe-se do conteúdo das acusações de violação da ordem jurídica italiana e das movimentações políticas que ora deram estabilidade, ora movimentação e preocupação ao recorrente, o elemento subjetivo, baseado em fatos objetivos, do ‘fundado temor de perseguição’, necessário para o reconhecimento da condição de refugiado”, afirma.

O ministro conclui dizendo que “o contexto em que ocorreram os delitos de homicídio imputados ao recorrente, as condições nas quais se desenrolaram os seus processos, a sua potencial impossibilidade de ampla defesa face à radicalização da situação política na Itália, no mínimo, geram uma profunda dúvida sobre se o recorrente teve direito ao devido processo legal”.

Cinco dias depois de a Polícia Federal prender os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, que desertaram a delegação de Cuba nos jogos Pan-americanos, Tarso Genro fez um sumário julgamento, extraditando os dois. Naquela decisão, o ministro não se questionou sobre a possibilidade do regime cubano fazer perseguição política aos boxeadores. Bicampeão olímpico, Rigondeaux era considerado um dos melhores boxeadores do mundo. Ao voltar para Cuba, foi banido do esporte pelo governo do país.

Regida por uma democracia parlamentarista, a Itália é adepta da alternância de poder. Desde o início do reinado de Fidel Castro em Cuba, no ano de 1959, a Itália já teve 47 governos com 18 primeiros-ministros diferentes.

Na quarta-feira (14/1), a chancelaria italiana procurou oficialmente o governo brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores da Itália pediu um encontro com o embaixador brasileiro na Itália, Adhemar Gabriel Pahadian, e cobrou explicações sobre os motivos que levaram o Brasil a conceder o benefício. O governo italiano pediu que o Brasil recuasse em sua decisão e explicou os motivos desse pedido. O Itamaraty sinalizou que o pedido italiano será repassado a Tarso.

Nesta quinta-feira (15/1), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou que não irá rever o refúgio. Para ele, a decisão é uma questão de soberania e as autoridades italianas terão de respeitá-la. “A decisão brasileira é uma questão de soberania do Estado brasileiro. Nós, assumindo uma posição soberana, tomamos posição de entender que essa pessoa poderia ter status de exilado no Brasil”, disse o presidente em visita a Ladario (MS), na fronteira com a Bolívia. "É uma decisão do Estado. Alguma autoridade italiana pode não gostar, mas tem que respeitar”, disse Lula.

Questão em aberto

No ano passado, o governo italiano enviou pedido de extradição de Battisti, que ainda aguarda julgamento no Supremo. No STF, há divergências sobre a constitucionalidade do artigo 33 da Lei 9.474/97, que trata do estatuto dos refugiados. O artigo reconhece que a condição de refugiado impedirá o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

Em março de 2007, o Plenário do Supremo debateu o caso de Francisco Antonio Cadena Colazzos, o Padre Olivério Medina, um ex-integrante do grupo guerrilheiro colombiano Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

O ministro Gilmar Mendes, que era relator e foi voto vencido, levantou questão de ordem sobre a independência e separação dos poderes, citando antiga decisão do ex-ministro do STF, Vitor Nunes Leal. No entendimento do ministro, o processo de extradição não deveria ser paralisado por conta de decisão administrativa do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que é um órgão do Ministério da Justiça.

Para o relator, o Supremo deveria avaliar a natureza do crime e referendar ou não a decisão do Conare. Em crime político de opinião, a extradição é vedada pela Constituição, o que o relator reconheceu no caso.

O então ministro Sepúlveda Pertence abriu divergência defendendo a validade do dispositivo legal para declarar a extinção do pedido de extradição, diante da decisão do Executivo. Para Pertence, as deliberações do Conare não afrontam a competência do Supremo para julgar processo de extradição.

No entanto, os ministros reafirmaram na oportunidade que, se o crime cometido não for político, o processo de extradição não pode ser paralisado. Dessa forma, o Supremo poderá ser obrigado a analisar o caso de Battisti, já que no país não existe diferença entre crime de sangue e crime político. Para a Justiça italiana, o ex-militante cometeu quatro homicídios.

Militante escritor

Battisti foi condenado a prisão perpétua na Itália por matar o agente penitenciário Antonio Mares Santoro, em Udine, no dia 6 de junho de 1977; Pierluigi Trregiane, em Milão, no dia 16 de fevereiro de 1979; o açougueiro Lino Sabbadin, em Mestre, no dia 16 de fevereiro de 1979; e o agente de Polícia Andréa Campagna, em Milão, no dia 19 de abril de 1979. Battisti, que fugira para a França, foi julgado à revelia. É com base nessas condenações que o governo italiano pede sua extradição.

Battisti diz que agora é escritor. Quando se refugiou na França, trabalhou como porteiro e escreveu romances policiais. Na década de 90, chegou a escrever 10 livros. No Brasil, lançou apenas uma obra pela editora Martins Fontes: Minha fuga sem fim: dos anos de chumbo na Itália, de leis ao revés na França, ao inferno do cárcere no Brasil. A obra, que custa R$ 47,30, tem um tom confessional.

O escritor se apresenta como alguém que luta a favor dos pobres e oprimidos. Battisti frequentemente faz menção à luta armada. Nesta quinta, o ex-militante disse estar aliviado. Ele afirma que voltará a se dedicar ao seu próximo romance, intitulado O Pé do Muro.

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