Segunda Leitura

Operação Choque de Ordem pretende limpar o Rio

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

11 de janeiro de 2009, 7h58

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O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 7 de janeiro de 2008, na reportagem “Rio testa linha dura contra o caos urbano”, relata que o prefeito Eduardo Paes lançou ofensiva contra prédios clandestinos, comércio ilegal (camelôs) e poluição visual. Informa a notícia que somente no bairro Recreio dos Bandeirantes 34 imóveis foram demolidos por ocupar um irregularmente um terreno de 10 mil metros quadrados, sendo que 90% deles em área pública.

A operação foi comandada pela recém-criada Secretaria Especial de Ordem Pública e, de sobra, recolheu 68 moradores de rua, multou 167 carros e prendeu duas pessoas. O fato não é comum na administração pública. E pelo jeito a administração continuará buscando afastar o caos urbano, pois, segundo o jornal O Globo de 9 de janeiro de 2009, a municipalidade vai fiscalizar limites de velocidade, revistar motociclista que transitar na garupa e proibir descarga de mercadorias na orla, das 8 às 19 h.

No Brasil, a ação administrativa nos últimos anos tem se mostrado cada vez mais tímida. É mais cômodo ao gestor público omitir-se. Não assume riscos, torna-se mais popular. Deixa que as partes procurem o Judiciário e que este sofra o desgaste político. Bem por isso, em decisão de 21 de agosto de 2008, o juiz federal Júlio Schattzchneider, da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, indeferiu petição inicial em que se reclamava demolição de construções irregulares. Afirmou o magistrado que, se a Lei 9.605/98 permitia ao órgão ambiental aplicar tal sanção, inexistia interesse jurídico em buscar o Judiciário (Ação Civil Pública 2007.72.00.013277-0/SC).

O primeiro aspecto a ser salientado na ação do prefeito Eduardo Paes é a coragem. Ao assumir posição de combate ao descompromisso do poder público, assume o prefeito os riscos de sua ação política.

O segundo aspecto é o da criação de uma Secretaria de Ordem Pública. Aqui, do ponto de vista jurídico, surge uma dúvida: tal iniciativa depende de lei municipal e em poucos dias de mandato é difícil imaginar que isto tenha ocorrido. Mas, imaginando-se que seja possível a criação por decreto, a novidade segue uma tendência atual, que é a dos municípios assumirem atividades de segurança pública. Muito embora a Constituição atribua-lhes somente o direito de criar Guardas Municipais e exclusivamente para proteger seus bens, serviços e instalações (CF, art. 144, § 8º), a realidade tem sido outra. Por exemplo, Curitiba tem uma Secretaria Municipal Anti-Drogas.

O terceiro aspecto é o dos limites da ação municipal. E aí as situações variam conforme o problema. Vejamos, com o foco na operação Choque de Ordem:

a) A apreensão de desabrigados é extremamente complexa. Ser um excluído social, por si só, já é algo dramático. E, por óbvio, não configura crime algum. O problema é social e não criminal. Não se sabe que destino foi dado aos desabrigados. Mas, evidentemente, não podem ser forçados a retornar às suas cidades de origem ou tomar outro destino.

b) As demolições de construções irregulares, muito embora causem surpresa pelo número elevado (34), têm amparo na legislação e no princípio da auto-executoriedade dos atos da administração pública. A este respeito, vale citar o ensinamento de Toshio Mukai, para quem “tratando-se de obra clandestina, a demolição é efetivada mediante ordem sumária da administração” (Direito Urbano e Ambiental, p. 389). No mesmo sentido, a jurisprudência (RT 404/384). A demolição de plano só é vedada se o imóvel tiver licenciamento da municipalidade, ou seja, for regular. Daí impõe-se o direito à defesa na esfera administrativa.

c) O combate ao comércio ilegal resvala mais para o social que para o jurídico. O desemprego crescente faz com que estas atividades cresçam desmesuradamente. E o fenômeno não é só brasileiro. Inclusive cidades européias (Roma é um exemplo) enfrentam o problema. O ideal, nem sempre fácil, é regularizar a situação dos ambulantes, inclusive criando locais próprios para este comércio popular.

d) A publicidade excessiva, placas, outdoors, cartazes, faixas, propaganda irregular (estimados em 5 mil pontos) devem ser combatidos energicamente. A população tem direito a uma visão bonita de sua cidade, que influi na auto-estima de todos e na cooperação com o poder público. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab provou que isto é possível. Não será demais lembrar que conspurcar edificação ou monumento urbano é crime ambiental (Lei 9.605/98, art. 65). Trazer esses apelos comerciais aos limites da lei é contribuir para que o Rio de Janeiro continue a ser a Cidade Maravilhosa.

e) A prisão de duas pessoas deve ser fruto de engano. Guarda do município não prende, apenas encaminha infratores à autoridade Policial.

Em suma, quando se trata de defender a vida urbana, todos estão de acordo em que isto é necessário e que medidas eficazes devem ser tomadas. Dissertações de mestrado e teses de doutorado de áreas diversas, como direito, sociologia, arquitetura e urbanismo apontam todas nesta direção. O difícil é transformar este objetivo em realidade. O novo prefeito do Rio de Janeiro mostrou disposição em fazê-lo. Se conseguirá ou não, só o tempo dirá. Mas o mérito de não ser mais um omisso já o torna merecedor de respeito.

 

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