Obama no poder

Nos EUA, presidência é a base do sistema democrático

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10 de janeiro de 2009, 14h48

 

Diante da posse de Barack Obama[1] como o 44º presidente dos Estados Unidos é interessante recapitular alguns fundamentos básicos do sistema presidencial daquele país segundo uma série de circunstâncias institucionais e políticas.

 
Em que pese a preferência, ou não, por esse regime de governo, ou a possibilidade de comparação com o regime parlamentar, é importante salientar que o presidencialismo norteamericano leva em conta três fatores que são muito comuns no parlamentarismo: o respeito incondicional à Constituição — que poderia ser definido, modernamente, como a supremacia constitucional[2]; o protagonismo dos partidos políticos e o importante papel desempenhado pela Suprema Corte.
 
O sistema constitucional americano incorporou, talvez melhor do que nenhum outro sistema político, mesmo a França, a idéia lançada por Montesquieu[3], da separação dos poderes. De acordo com esse sistema, os poderes do governo (Legislativo, Executivo e Judiciário) foram criados separados mas estão ligados entre si porque o poder é repartido entre eles. Desse modo, cada um controla e desafia o outro poder para que se alcance a harmonia na arte de governar.
 
A Constituição americana de 1787, baseada nessa separação, procurou modelar um estágio de transição evolutiva da democracia experimentada ao longo do século XVIII na Inglaterra. Tal experiência, que nasceu da luta da monarquia em procurar manter o seu poder contra as forças parlamentares gradativamente surgidas, fez com que os Founding Fathers da democracia americana buscassem um regime mais estável, agora nas mãos do poder civil, lastreado nos ideais da liberdade e da igualdade. Por isso precisavam criar um engenhoso modelo político de freios e contrapesos[4].
 
Os teóricos da formação histórica constitucional foram categóricos em afirmar o papel decisivo que os freios e contra-pesos desempenharam nos pilares da democracia dos Estados Unidos.
 
John Adams disse: “É pelo equilíbrio de cada um desses poderes contra os outros dois, que os esforços da natureza humana em direção à tirania, podem ser freados e restringidos, e todo grau de liberdade preservado na Constituição”.
 
Por isso, os amendments act (poder de emenda), o impeachment, o judicial review, bem como o veto, são instrumentos afirmativos dessa prática de controles.
 
Enquanto ao longo do século XIX, as novas democracias na Europa preferiram mesclar ou tentar aperfeiçoar o regime parlamentarista de matriz inglesa, os países da América optaram pelo modelo norte-americano em seus textos constitucionais.
 
O presidencialismo tem sido, nos Estados Unidos, intimamente vinculado à democracia, sendo muitas vezes utilizado o sinônimo “democracia presidencial”[5]. Essa modalidade tem duas características essenciais: que o Executivo (governo, em sentido estrito) é eleito independentemente do Legislativo, para que as negociações legislativas pós-eleitorais não determinem ou condicionem o governo livremente eleito e, que o presidente deve ser eleito por um período fixo de tempo, ficando resguardado de ser obrigado a deixar o governo ou renunciar, sem justo motivo, por qualquer tipo de pressão externa. O critério de garantia da democracia presidencial é que o líder do governo têm a confiança dos demais poderes da Nação.


 
Nesse sentido, a Constituição americana traz as regras, no seu artigo 2º, Seção I, sobre a figura da Presidência. Diz o texto que o Poder Executivo será investido em um Presidente que será eleito para um período de quatro anos, juntamente com um Vice-Presidente, para igual período.
 
A questão peculiar é a forma de escolha para esses cargos, que origina o que se conhece por Colégio Eleitoral. A mesma Constituição, com alteração que lhe deu a XII Emenda, diz que cada Estado nomeará, de acordo com as regras estabelecidas por sua Legislatura, um número de eleitores igual ao número total de senadores e deputados a que tem direito no Congresso; todavia, nenhum Senador, Deputado, ou pessoa que ocupe um cargo federal remunerado ou honorifico poderá ser nomeado eleitor. Os eleitores se reunirão em seus respectivos Estados e votarão por escrutínio em duas pessoas, uma das quais, pelo menos, não será habitante do mesmo Estado, farão a lista das pessoas votadas e do número dos votos obtidos por cada um, e a enviarão firmada, autenticada e selada à sede do governo dos Estados Unidos, dirigida ao presidente do Senado. Este, na presença do Senado e da Câmara dos Representantes, procederá à abertura das listas e à contagem dos votos. Será eleito Presidente aquele que tiver obtido o maior número de votos, se esse número representar a maioria do total dos eleitores nomeados.
 
No caso de mais de um candidato haver obtido essa maioria assim como número igual de votos, a Câmara dos Representantes elegerá imediatamente um deles, por escrutínio, para Presidente, mas se ninguém houver obtido maioria, a mesma Câmara elegerá, de igual modo, o Presidente dentre os cinco que houverem reunido maior número de votos. Nessa eleição do Presidente, porém, os votos serão tomados por Estados, cabendo um voto à representação de cada Estado. Para se estabelecer quorum necessário, deverão estar presentes um ou mais membros dois terços dos Estados. Em qualquer caso, eleito o Presidente, o candidato que se seguir com o maior número de votos será o Vice-Presidente. Mas, se dois ou mais houverem obtido o mesmo número de votos, o Senado escolherá dentre eles, por escrutínio, o vice-presidente.
 
Na Seção 2 está consignado que o presidente é o chefe supremo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, e também da Milícia dos diversos Estados, quando convocadas ao serviço ativo dos Estados Unidos. Ele pode pedir a opinião, por escrito, do chefe de cada uma das secretarias do Executivo (correspondentes aos nossos ministérios) sobre assuntos relativos às respectivas atribuições. Tem o poder de indulto e de graça por delitos contra os Estados Unidos, exceto nos casos de impeachment.
 
Pode, também, mediante parecer e aprovação do Senado, concluir tratados, desde que dois terços dos senadores presentes assim o decidam. Nomeará, mediante o parecer e aprovação do Senado, os embaixadores e outros ministros e cônsules, juízes do Supremo Tribunal, e todos os funcionários dos Estados Unidos cujos cargos, criados por lei, não têm nomeação prevista na Constituição, podendo o Congresso, por lei, atribuir ao Presidente, aos tribunais de justiça, ou aos chefes das secretarias a nomeação dos funcionários subalternos, conforme julgar conveniente. Poderá, ainda, preencher as vagas ocorridas durante o recesso do Senado, fazendo nomeações que expirarão no fim da sessão seguinte.
 
Tal qual define a idéia dos freios e contrapesos, o presidente, conforme diz a Seção 3, deverá prestar ao Congresso, periodicamente, informações sobre o Estado da União, fazendo ao mesmo tempo as recomendações que julgar necessárias e convenientes. Poderá, em casos extraordinários, convocar ambas as Câmaras, ou uma delas, e, havendo entre elas divergências sobre a época da suspensão dos trabalhos, poderá suspender as sessões até a data que julgar conveniente. Receberá os embaixadores e outros diplomatas; zelará pelo fiel cumprimento das leis, e conferirá as patentes aos oficiais dos Estados Unidos.


 
Tanto o Presidente, o vice-presidente, e todos os funcionários civis dos Estados Unidos serão afastados de suas funções quando indiciados e condenados por traição, suborno, ou outros delitos ou crimes graves (Seção 4).
 
Acreditando nessa instituição política, o presidente norteamericano, independentemente do seu partido, portador da confiança dos eleitores e dos delegados, e de seu pronunciamento nas urnas e no Colégio eleitoral, toma posse, conforme determina o texto constitucional, fazendo o tradicional juramento: “Juro solenemente que desempenharei fielmente o cargo de Presidente dos Estados Unidos, e que da melhor maneira possível preservarei, protegerei e defenderei a Constituição dos Estados Unidos.”
 
Trata-se da simbiose que nos Estados Unidos é a base angular do sistema democrático: a Presidência da República, com todos os poderes que exerce e controles que sofre, em face da ordem imposta pela Constituição.
 

[1] Barack Obama que foi eleito com 66.882.230 milhões de votos populares (53%) e pela maioria de delegados no Colégio Eleitoral traz consigo, para a Casa Branca, o fato de ser primeiro afro-americano a ser eleito e o democrata, não ocupante do cargo, com a mais alta percentagem de votos deste 1932.
 
[2] A supremacia constitucional está intimamente ligada ao postulado de predominância da ordem jurídica ou legal, partindo-se do pressuposto de que existe um ordenamento jurídico hierarquizado, sendo a Constituição o vórtex dessa escala. A Constituição, devido à natureza de sobre-direito de suas regras e pela pungente força vinculante de seus princípios, está a orientar uma propriedade de adequação jurídico-político capaz de manter e lançar luz interpretativa à todo o ordenamento jurídico positivado. É graças a esse entendimento consolidado e revisado sistematicamente que se consegue dar continuidade ao que se convencionou a chamar de Estado de Direito, desde os próceres da Ilustração Iluminista até os argutos críticos da pós-modernidade jurídico-institucional.
 
[3] Montesquieu. The Spirit of Laws. Cambridge Texts in History of Political Tought. Editors Anne M. Cohler, Basia C. Miller & Harold S. Stone. Cambridge University Press, 1989.
 
[4] A literatura política e jurídica consagrou a expressão checks and balances que significa reconhecer a tripartição dos poderes e induzi-los a repartir e a equilibrar o poder político. Na verdade há que se fazer uma sutil e acadêmica distinção: o poder é uno e indivisível, porém, conforme os parâmetros da condução dos rumos do governo, a partir do Estado Moderno e das Revoluções burguesas, retirou-se das mãos da Monarquia a titularidade da condução absoluta do poder e entregou-se-lhe a uma conjugação de instituições separadas e ao mesmo tempo unidas num ideal democrático comum, capaz de evitar a concentração e abuso desse mesmo poder.
 
[5] Para Scott Maiwaring, seguindo uma linha geral de Robert Dahl, a democracia apresenta três critérios: a) devem oportunizar eleições livres e competitivas que determinem quem estabelecerá as políticas públicas; b) propiciar e incluir o maior número possível de eleitores do universo eleitoral válido, sem nenhum tipo de exclusão, como por exemplo mulheres, pobres ou analfabetos; e, c) aparelhar os instrumentos tradicionais de garantia dos direitos fundamentais previstos na Constituição para o exercício dos direitos civis, como a liberdade de expressão, de organização e o devido processo legal. (Presidentialism, multiparty systems, and  democracy: The difficult equation. Working Paper 144 – September 1990, p. 4.

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