Organização social

Cabe à Justiça Federal julgar crime de estelionato contra índios

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9 de janeiro de 2009, 11h02

A competência da Justiça Federal para processar e julgar ações relativas à disputa de direitos indígenas, prevista no artigo 109, inciso XI, da Constituição Federal, não deve se restringir ao tema disputa de terras. Essa competência também deverá ser da Justiça Federal no caso de os delitos praticados afetarem a organização social da comunidade indígena, e não apenas alguns indivíduos. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou o pedido de Habeas Corpus de acusados da prática de estelionato contra indígenas da Reserva do Guarita (RS). A decisão foi por maioria de votos e mantém a prisão dos réus.

Os réus foram presos preventivamente e denunciados por extorsão, apropriação de rendimentos, retenção de cartão de benefício previdenciário e coação — todos cometidos contra idosos da aldeia indígena. De acordo com o processo, dezenas de integrantes da comunidade foram assediados pelos acusados e induzidos ao endividamento por compras acima do valor de mercado. Após essas primeiras práticas, foram coagidos a obter e entregar aos acusados os benefícios previdenciários, inclusive com procurações, e os cartões dos referidos benefícios expedidos pelo serviço público.

A ordem de prisão preventiva decretada pela primeira instância foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O TRF-4 negou dois Habeas Corpus aos réus em que a defesa deles pediu a revogação do decreto prisional, além de alegar que a ação penal seria nula por incompetência da Justiça Federal para analisar e decidir o processo.

Segundo o TRF-4, o decreto de prisão foi devidamente fundamentado porque tinha como base fartas provas orais, exames de movimentações bancárias e documentos, “não cabendo daí a alegação de falta de justa causa”. O tribunal também entendeu pela competência da Justiça Federal para o caso porque os delitos, em tese, teriam “afetado o interesse não individualizado das vítimas, mas o prejuízo generalizado e o risco global a toda uma comunidade, que reiteradamente vem sofrendo — conforme as sucessivas ações penais, inclusive com condenação — com a exploração e temor provocados pelos réus”.

A defesa dos acusados pediu Habeas Corpus ao STJ. Reafirmou a alegação de incompetência da Justiça Federal para a ação, pois, segundo os advogados, a denúncia não se refere a crime de extorsão, nem afeta a comunidade indígena como um todo. Os defensores também destacaram que os réus são primários, têm bons antecedentes e residência fixa.

O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator, negou o pedido. Dessa forma, ficou mantida a prisão. Segundo o ministro, o processo em questão é da competência da Justiça Federal, “uma vez que os delitos praticados assumiram proporções de transindividualidade, atingindo diretamente a organização social da comunidade indígena Reserva do Guarita (RS) e aos seus costumes e cultura”.

O relator também rejeitou os argumentos em favor da revogação da prisão. “Ao contrário do alegado pelos impetrantes [defesa], entendo, porém, plenamente justificada a prisão dos pacientes [réus], porquanto, da documentação constante dos autos, extrai-se que eles reiteradamente vêm cometendo delitos contra membros da comunidade indígena Reserva do Guarita (RS), que foram coagidos a lhes outorgar procurações com amplos poderes para contratar empréstimos bancários, abertura de contas, retirada e utilização de cartões de benefícios previdenciários”.

Para Arnaldo Esteves Lima, a decisão que decretou a prisão dos acusados está justificada e segue o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, “sendo evidente, portanto, a necessidade de proteção da ordem pública, em razão do modus operandi [maneira de agir] e da reiterada prática delituosa dos pacientes”. Ainda de acordo com o voto do ministro, as condições pessoais favoráveis ressaltadas pela defesa dos acusados “não garantem o direito subjetivo à revogação da custódia cautelar quando a prisão preventiva é decretada com a observância do disposto no artigo 312 do CPP”.

HC 77.280

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