Analogia dos escândalo

Collor não consegue indenização de Franklin Martins

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9 de janeiro de 2009, 20h44

“Como denegrir uma reputação que os brasileiros que foram às ruas pedir pela saída do presidente já tinham por irremediavelmente maculada?” A pergunta é da juíza da 6ª Vara Cível da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, Flávia Almeida Viveiros de Castro. Ela negou o pedido do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em ação de indenização por danos morais movida contra Franklin Martins, atual ministro da Comunicação Social do governo Lula. Cabe recurso.

Fernando Collor entrou com a ação contra Franklin Martins, o jornalista Marcone Formiga e a Revista Brasília em Dia. Collor se disse ofendido pelas declarações de Martins, que comparou o escândalo que culminou com o impeachment do ex-presidente e o caso do mensalão.

"Os casos eram diferentes. Havia uma quadrilha cujo chefe era o presidente da República, o braço direito era o PC Farias tomando dinheiro de empresas em todo o país. [Collor] era para estar na cadeia", disse o ministro na entrevista, confome informação da Agência Estado.

Ao negar o pedido, a juíza citou Manuel da Costa Andrade e lembrou que é diferente fazer juízo de valor e imputar um fato. O que o comentarista fez, constata, foi emitir um juízo de valor sobre fatos verdadeiros.

“Enquanto os fatos são susceptíveis de prova da verdade, as opiniões ou juízos de valor, devido à sua própria natureza abstrata, não podem ser submetidos à comprovação. Resulta que a liberdade de expressão tem o âmbito de proteção mais amplo do que o direito à informação, vez que aquela não está sujeita, no seu exercício, ao limite interno da veracidade, aplicável a este último”, explicou.

Flávia Viveiros constata que, no caso de colisão entre a liberdade de expressão e informação e os direitos da privacidade, a Suprema Corte dos Estados Unidos “tem adotado o critério da opção preferencial por essa liberdade, em razão da valoração daquela liberdade como instituição importante para a democracia pluralista e aberta”.

Leia a decisão

JUÍZO DE DIREITO DA 6ª VARA CÍVEL DA BARRA DA TIJUCA

P.Nº 2005.209.006755-9

Autor: FERNANDO AFFONSO COLLOR DE MELLO

Réu: DON QUIXOTE EDITORA E DISTRIBUIDORA, MARCONE FORMIGA e FRANKLIN MARTINS

Ação de Indenização por Danos Morais

SENTENÇA RELATÓRIO

1. Trata-se de ação de indenização por danos morais, em que a parte autora, através da petição inicial de fls.02/11, refere ter sofrido danos morais, com sua imagem e honra atingidas através de matéria publicada na Revista Brasília em Dia, que o teria caluniado;

2. Aduz ainda que a situação de ofensa se agravou, visto que a matéria foi divulgada pela Internet, dando-se maior extensão ao dano;

3. A revista que publicou a matéria está às fls. 13/28;

4. O terceiro réu apresentou contestação às fls. 51/56. Em sua resposta alega que foi instado a, em entrevista, comparar os ´esquemas de corrupção´ dos governos Collor e Lula, referindo que o autor teria se beneficiado de valores arrecadados por Paulo Cesar Farias e que via em Lula um homem ´limpo´;

5. Acrescenta o réu que a absolvição do autor no STF foi por falta de provas e contra o voto de três ministros que consideraram provadas as acusações;

6. O réu junta aos autos a decisão do STF às fls. 59/125;

7. Os dois primeiros réus contestaram às fls. 126/153. Alegam em síntese que a opinião externada pelo jornalista, terceiro réu, seria política e que os fatos foram referidos com animus narrandi;

8. A contestação veio acompanhada dos documentos de fls. 154/392;

9. Réplica às fls. 398/404, impugnando o autor as afirmações feitas pelos primeiro e segundo réus e quanto à resposta do terceiro réu insiste em seu inocente de suas acusações, conforme decidido pelo STF;

10. As partes não especificaram provas, tendo sido fixado o animus da reportagem como o fato litigioso deste processo, conforme fls.426;

Este o relatório;

Passa-se a decidir;


FUNDAMENTAÇÃO

11. O feito encontra-se em ordem e apto a ser julgado, estando corretamente instruído;

12. O pedido é IMPROCEDENTE conforme abaixo fundamentado;

13. Os fatos são simples e estão relatados na petição inicial: o autor, Ex-Presidente da República e atual Senador pelo Estado de Alagoas, imputa ao terceiro réu, jornalista de profissão, Ex- Preso Político e atual Secretário de Comunicação Social, juntamente com o jornalista que o entrevistou e a revista que publicou a matéria a prática de ato ilícito, ao imputarem ao autor falsa acusação de corrupção, segundo matéria divulgada na Revista Brasília Em dia;

14. Em sua defesa, o terceiro réu afirma que concedeu a entrevista, onde foi solicitado a fazer uma comparação entre os casos de corrupção dos governos Collor e Lula, tendo dito que acreditava ser o Presidente Lula um homem ´limpo´, ao contrário do Presidente Collor;

15. Acrescentou o terceiro réu que suas afirmativas estão embasadas nas provas que permitiram o processo de impeachment e levaram o autor à renúncia;

16. O segundo e o terceiro réus aduzem que não há na matéria divulgada o animus injuriandi, mas trata-se de trabalho jornalístico que apenas retrata o que é de conhecimento público e notório: na época em que o autor exerceu a Presidência da República praticou-se atos que refletiriam crimes de improbidade administrativa;

17. A lide diz respeito, portanto, ao teor da reportagem, devendo ser estabelecido se o entrevistado ultrapassou os limites do direito de crítica, já que como comentarista político que era à época dos fatos, tinha obrigação profissional de emitir opiniões sobre os eventos de repercussão social;

18. O texto sub examinem representa as engajadas opiniões de seu emissor, com fortes tons críticos, mas não de está desvinculado da realidade;

19. Há que ser remarcado que o autor foi de fato afastado da vida política, tornado inelegível por 8 anos, com fundamento em improbidade administrativa;

20. Recorde-se ainda que os fatos que deram origem à renúncia do autor, primeiro presidente eleito pelo voto do povo brasileiro, após 29 anos de regime militar, não foram inventados pelo jornalista Franklin Martins, mas denunciados por seu próprio irmão, Pedro Collor de Mello, já falecido;

21. O jornalista entrevistado, a revista e o entrevistador nada de novo relatam. Comentam-se fatos que fazem parte da história deste país. Lamentáveis, lastimáveis e deploráveis, mas também inquestionáveis;

22. O autor, que em sua página pessoal no Senado Federal, se auto-denomina jornalista (http://www.senado.gov.br/web/senador/FernandoCollor/biografia.asp) sabe que comentaristas políticos podem e devem emitir opiniões, muitas delas enfáticas, inflamadas, controversas. Não se trata de criar ficção, mas não há obrigatoriedade de reproduzir, literalmente os fatos, pois o comentário não se confunde com a reportagem;

23. Não se vislumbra na matéria, apesar das duríssimas críticas que encerra, qualquer conduta abusiva do terceiro réu, que permitisse reconhecer um ato ilícito. A revista publica o teor da entrevista, que comenta fatos públicos e notórios. Como denegrir uma reputação, que os brasileiros que foram às ruas pedir pela saída do Presidente, já tinham por irremediavelmente maculada?

24. Não há animus nocendi. Não há intenção em injuriar ou caluniar, apenas comentar e comparar, conforme esclarecido em contestação: fora pedido ao entrevistado, terceiro réu, que fizesse uma comparação entre os episódios de corrupção dos governos Collor e Lula;

25. A crítica veiculada, embora contundente, foi feita no contexto dos fatos. Na lição de MANUEL DA COSTA ANDRADE (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Editora Coimbra) há nítida diferença entre juízo de valor e imputação de um fato. O que fez o comentarista, smj , foi emitir um juízo de valor sobre fatos verdadeiros, que a famosa Casa da Dinda, com seus inúmeros chafarizes não permitem elidir;

26. Segundo ENÉAS COSTA GARCIA (Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação, Editora Juarez de Oliveira) existe excludente de responsabilidade civil, quando a crítica jornalística é inspirada pelo interesse público. Trata-se de uma cláusula geral, que bem deve ser ponderada pelo julgador, considerando os fatos econômicos e políticos que contextualizam este interesse e o qualificam;


27. No suposto conflito entre direitos fundamentais – de um lado a liberdade de expressão e de pensamento, registrada no artigo 5º IV, XIV da CF e de outro a proteção à honra e imagem, consignada no mesmo dispositivo da Constituição, inciso X – devem ser ponderados os bens jurídicos, os valores a prevalecer;

28. Questiona-se se existe ou não conduta ético-jurídica condenável por parte dos réus. A resposta, certamente, é negativa. Não há ofensa gratuita, divulgação maliciosa, insinuação astuciosa para levar a erro o público leitor;

29. Repita-se: os fatos são notórios. Não há frágeis desconfianças, divulgadas de forma afoita. ´Caçador de Marajás´, ´ Defensor dos Descamisados´, ´ O Homem do Aquilo Roxo´ passa o autor para a história como o Presidente que renunciou após ter contra si um processo de impeachment aberto por não menos que 441 votos de congressistas a favor;

30. A imprensa tem a função social de investigar, informar e fiscalizar o Poder Público. Ao divulgar fatos certos ou embasados em fortes indícios propicia o controle do Estado e de seus Agentes;

31. A população tem direito de conhecer a conduta do homem público, num ambiente de liberdade de expressão e de crítica. Os fatos que envolvem a atividade pública podem e devem ser divulgados;

32. Conforme registrado por EDISON FARIAS (UFSC) […] A liberdade de expressão e informação compreende a faculdade de expressar livremente idéias, pensamentos e opiniões, bem como o direito de comunicar e receber informações verdadeiras sobre fatos, sem impedimentos nem discriminações Com base no mencionado conceito, a doutrina e a jurisprudência têm assentado a relevante distinção entre liberdade de expressão e direito a informação. O objeto da liberdade de expressão compreende os pensamentos, idéias e as opiniões, enquanto que o direito à informação abrange a faculdade de comunicar e receber livremente informações sobre fatos, ou seja, sobre fatos que podem ser ´considerados noticiáveis´… A referida distinção entre liberdade de expressão e direito à informação revela-se de grande importância para a densificação do âmbito de proteção, bem como para a demarcação dos limites e responsabilidades decorrentes do exercício desses direitos fundamentais … Por exemplo, enquanto os fatos são susceptíveis de prova da verdade, as opiniões ou juízos de valor, devido à sua própria natureza abstrata, não podem ser submetidos à comprovação. Resulta que a liberdade de expressão tem o âmbito de proteção mais amplo do que o direito à informação, vez que aquela não está sujeita, no seu exercício, ao limite interno da veracidade, aplicável a este último. O limite interno da veracidade, aplicado ao direito à informação, refere-se à verdade subjetiva, e não à verdade objetiva Vale dizer, no Estado Democrático de Direito o que se exige do sujeito é um dever de diligência ou apreço pela verdade, no sentido de que seja contatada a fonte dos fatos noticiáveis e verificada a seriedade da notícia antes de qualquer divulgação Em resumo, a veracidade que direito à informação implica constitui um problema de deontologia profissional. No âmbito da proteção constitucional ao direito fundamental à informação estão compreendidos tanto os atos de comunicar quanto os de receber livremente informações pluralistas e corretas. RUI BARBOSA já chamava a atenção em sua célebre conferência ´A Imprensa e o Dever de Verdade´, e que, atualmente, invocando-se a defesa dos interesses sociais e indisponíveis, desemboca na tese de que o direito positivo brasileiro tutela o ´direito difuso à notícia verdadeira´ Se a liberdade de expressão e informação nos seus primórdios, estava ligada à dimensão individualista da manifestação do pensamento e da opinião, viabilizando a crítica política contra o ancien regime, a evolução daquela liberdade, operada pelo direito/dever à informação, especialmente com o reconhecimento do direito ao público de estar suficiente e corretamente informado; àquela dimensão individualista-liberal foi acrescida uma outra dimensão de natureza coletiva, a de que a liberdade de expressão e informação contribui para a formação da opinião pública pluralista – esta cada vez mais essencial para o funcionamento dos regimes democráticos, a despeito dos anátemas eventualmente dirigidos contra a manipulação da opinião pública Assim, a liberdade de expressão e informação, acrescida dessa perspectiva de instituição que participa de forma decisiva na orientação da opinião pública na sociedade democrática, passa a ser estimada como um elemento condicionador da democracia pluralista e como premissa para o exercício de outros direitos fundamentais Em conseqüência, no caso de puqna com outros direitos fundamentais ou bens de estatura constitucional, os tribunais constitucionais têm decidido que, prima facie, a liberdade de expressão e informação qoza de preferred position Para ilustrar a maneira como os tribunais vêm se comportando quanto ao exercício da liberdade de expressão e informação nas sociedades democráticas, onde, evidentemente, não existe censura, vale mencionar a experiência da Suprema Corte Americana que, em grande parte, é seguida por outros tribunais Assim, no caso de colisão entre a liberdade de expressão e informação e os direitos da privacidade, a Suprema Corte tem adotado o critério da opção preferencial por essa liberdade, em razão da valoração daquela liberdade como instituição importante para a democracia pluralista e aberta. Todavia, no caso concreto, estabelece o balancing of interest para verificar existência de dois requisitos. (1) separando o público (assuntos e sujeitos públicos) do privado (assuntos e sujeitos privados) e tendo em vista que essa liberdade tem a finalidade de propiciar o debate público, o controle do poder público e a formação da opinião pública, não há razão para conceder essa preferência para as notícias que se referem ao âmbito privado, (2) examina ainda a citada Corte se o comunicador agiu com diligência, no sentido de produzir uma notícia honesta, pois não deve gozar daquela presunção a seu favor a comunicação que revele desprezo pela verdade ´ A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe mal fazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça. Sem vista mal se vive. Vida sem vista é vida no escuro, vida na ´soledade´, vida no medo, morte em vida: o receio de tudo; dependência de todos; rumo à mercê do acaso; a cada passo acidentes, perigos, despenhadeiros. (grifos nossos)

DISPOSITIVO

Isto posto, tudo visto e analisado, JULGA-SE IMPROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL, condenando-se a parte autora em custas e despesas processuais, bem como em verba honorária fixada em 10% sobre o valor atualizado da causa. Transitada esta em julgado, nada mais requerendo as partes, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

P.R.I.

Rio de Janeiro, 07 de janeiro de 2009.

Flávia de Almeida Viveiros de Castro Juíza Titular

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