Retrospectiva 2008

Tribunais começam a tornar o processo mais racional

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7 de janeiro de 2009, 12h15

Este texto sobre Modernização da Justiça faz parte da Retrospectiva 2008, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

O Judiciário decidiu enfrentar seus fantasmas em 2008. Demorou, mas o arquipélago de ilhas incomunicáveis começou a se interligar para dar resposta efetiva à demanda. É o que mostram recentes números e dados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça — além do resultado parcial de iniciativas do Conselho Nacional de Justiça.

A busca por racionalidade com a criação de filtros processuais para a admissão de recursos pelas instâncias superiores marcou o ano. A Repercussão Geral e a Súmula Vinculante no STF, apesar de terem entrado em vigor em 2007, se fizeram sentir no tribunal em 2008. No STJ, a Lei de Recursos Repetitivos, com cerca de três meses de vigência, também já surte efeito.

Os números são reveladores. Em 2007, cada um dos 11 ministros do STF recebeu em seu gabinete 10.267 processos. A carga de recursos distribuídos aos 33 juízes do STJ não foi muito mais baixa — 9.330 processos por cabeça. Já em 2008, foram distribuídos 5.990 recursos a cada ministro do Supremo e 8.112 a cada julgador do STJ.

No primeiro caso, graças aos filtros processuais, a redução foi de cerca de 40% na carga de trabalho. No segundo, a redução é de 15%. Apesar da queda, o número de processos recebidos e julgados ainda é assustador. Em 2008, o STJ julgou 344.093, dos quais 90.035 foram decisões colegiadas — julgadas pelas turmas, seções ou pela Corte Especial do tribunal. Já os três colegiados do Supremo (duas turmas e o Plenário) decidiram 17.994 processos — com as decisões monocráticas, a soma dos julgados foi de 123.641.

Com a ressalva das devidas proporções e diferenças de sistema, a comparação dos números nacionais com os de cortes supremas de outros países mostra que os filtros chegaram mais tarde do que deveriam. Em sua história, o número máximo de processos julgados em um ano pela Suprema Corte dos Estados Unidos foi de 151. Na França, o Conselho Constitucional nunca julgou mais do que 20 casos em um ano. Na Alemanha, com 18 juízes, a Corte Constitucional julga, em média, três mil casos anuais — o que é considerado excessivo.


Estudioso dos sistemas processuais e, principalmente, dos filtros recursais utilizados em outros países, o ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça, atesta que muitos tribunais superiores registram sobrecarga de trabalho, o que gera demora na distribuição de justiça. “Mas o caso brasileiro é, sem dúvida, o mais agudo do mundo na atualidade. Não há registro de tribunais superiores com quantidade de recursos semelhantes, nem de longe, à dos tribunais superiores brasileiros”.

Com a repercussão geral, o Supremo deixa de julgar diversas vezes processos idênticos e dedica mais tempo para a análise de questões que extrapolam o interesse das partes. Pelo novo rito de julgamento de recursos repetitivos do STJ, o tribunal que cuida das controvérsias infraconstitucionais também passa a dar mais atenção ao julgamento de casos novos.

Não faltam críticas no sentido de que os instrumentos são pensados “por ministros que querem trabalhar menos”. A visão dessas críticas é turva e, via de regra, é o foco de quem ganha com a bagunça formada pela falta de um direito uniforme. Os filtros servem, sim, para diminuir a carga de trabalho. Mas sua principal função é fazer com que os tribunais possam cumprir as atribuições que lhe foram conferidas pela Constituição: as de uniformizar o entendimento da Justiça pelo país.

Ao aplicar a decisão de um processo escolhido para ser julgado como paradigma a milhares de outros casos exatamente iguais, os tribunais estão consagrando princípios como os da igualdade, segurança jurídica e celeridade processual. Quando o Supremo ou o STJ impedem a subida de um recurso que versa sobre tema já apreciado, abreviam a solução da causa e fortalecem o precedente fixado.

Gestão judicial

Na esfera administrativa, o ano de 2008 foi marcado por uma série de medidas para aperfeiçoar a gestão do Poder Judiciário. Em agosto, o Conselho Nacional de Justiça se reuniu com os dirigentes dos 91 tribunais do país para discutir a adoção de procedimentos uniformes e combater o problema de comunicação entre os tribunais.

Entre as medidas discutidas estavam: a uniformização da numeração dos processos, a padronização da nomenclatura dos procedimentos e assuntos, a implantação do processo eletrônico, o estudo da viabilidade de aplicar em nível nacional as boas soluções regionais, entre outros assuntos.


O encontro em Brasília seguiu-se de uma série de reuniões regionais onde se discutiram os problemas e possíveis soluções para a integração e se analisaram a gestão de recursos financeiros, humanos e de tecnologia, além dos níveis de qualificação dos profissionais da Justiça. Há a promessa de que o resultado dessas conversas seja convertido no primeiro planejamento estratégico feito pelo Judiciário, que deve ser apresentado no primeiro semestre de 2009.

Para ajudar no diagnóstico dos problemas, foi lançado um sistema de acompanhamento da produção dos juízes, o que parecia ser impossível de se fazer. Pelo Sistema Justiça Aberta, os juízes de primeiro grau de quase todo o país informam a situação de todos os processos que estão em suas respectivas varas — quantos foram sentenciados, em quantos houve decisões interlocutórias e despachos, quantos estão com o Ministério Público, e assim por diante.

Descobriu-se que há cerca de 43 milhões de processos na Justiça Estadual de primeira instância e que um terço dessas ações é de execuções fiscais — que muitas vezes ficam paradas mais por inércia do Executivo, que não encontra bens do devedor, do que por culpa do Judiciário. O mérito desses diagnósticos é revelar um poder sobre o qual havia poucas informações confiáveis até então. De posse dos dados, o Judiciário começará a atacar seus problemas com mais eficiência.

Em recente entrevista à revista Consultor Jurídico, o presidente do Supremo e do CNJ, ministro Gilmar Mendes, afirmou que, para integrar a comunicação e informatizar o Judiciário, em algumas comarcas do país, é preciso começar com o dever de casa. “Não podemos deixar de estar atentos a isso sob pena de tirarmos o juiz dos deveres básicos de supervisionar o cartório e de ter uma vara organizada.”

Ainda na parte de diagnóstico e ataque aos males do Judiciário, destacam-se no CNJ a criação de um sistema de acompanhamento do volume de interceptações telefônicas (cujos primeiros números divulgados ainda têm lacunas a serem explicadas) e o mutirão carcerário, que vem descobrindo casos absurdos nas penitenciárias do país.

No Maranhão, Pará, Piauí e Rio de Janeiro, os quatros estados nos quais foram feitos mutirões carcerários até agora, mais de mil pessoas ganharam a liberdade por estarem presas indevidamente. Houve um caso em que o detento, preso há nove anos, havia sido condenado a cinco anos de prisão. Também são dignos de registro trabalhos do Conselho como o Movimento Nacional pela Conciliação, o Movimento pelo Registro Civil e o Cadastro Nacional de Adoção.

Para fechar o ano, o CNJ e o STF lançaram um programa de reinserção de presos no mercado de trabalho. Batizado de Começar de Novo, o programa recomenda aos tribunais que fomentem ações de recuperação e capacitação profissional de ex-presidiários. O Supremo encabeçou a lista e, por meio de convênio com o governo do Distrito Federal, permitirá que 40 ex-presidiários façam estágio no tribunal.

Apesar dos avanços, o Judiciário ainda está bastante aquém de uma prestação de serviços que satisfaça a crescente demanda social. Mas, em um país no qual a Justiça não conversava consigo mesma e onde processos judiciais costumam fazer alguns aniversários antes de seu desfecho — muitos teimam em sobreviver aos seus autores —, as novidades são alvissareiras.

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