Boa intenção

STF deve declarar inconstitucional MP sobre Fundo Soberano

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  • Simone de Sá Portella

    é procuradora do Município de Campos dos Goytacazes (RJ). Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC e professora de Direito Constitucional.

7 de janeiro de 2009, 17h46

A Lei 11.827, de 24 de dezembro de 2008 criou o Fundo Soberano do Brasil, assim entendido, como um “fundo especial de natureza contábil e financeira, vinculado ao Ministério da Fazenda, com as finalidades de promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior” (artigo 1º).

PSDB, PPS e DEM ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade para impugnar os artigos 1º e 4º da lei. Entendem que, a Medida Provisória 452, introduzida no texto da lei não é o veículo normativo adequado para dispor sobre créditos suplementares, pois a Constituição exige lei formal (artigo 167, V). Ademais, alegam que, as verbas repassadas ao fundo devem estar previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

É certo que, a medida provisória é um instrumento normativo, de competência do presidente da República, para ser utilizado em casos de relevância e urgência (artigo 62, da CF). Por outro lado, há hipóteses expressas na Constituição de vedação à disciplina por este ato normativo. Isso se verifica não somente nos incisos do parágrafo 1º, do artigo 62, da CF, mas também na abertura de créditos suplementares (artigo 167, V), com exceção dos créditos extraordinários, assim entendidos como os necessários para atendimento de “despesas consideradas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”, como previsto no parágrafo 3º, do artigo 167, da CF.

Nesse sentido, há de se considerar que o STF já se pronunciou sobre a impossibilidade de utilização de abertura de crédito por MP, sob o falso rótulo de se tratar de crédito extraordinário, sem o ser. Isso porque, somente as situações previstas no parágrafo 3º, do artigo 167, da CF, dispensam a lei formal para sua constituição.

Isso por si só é suficiente para declarar a inconstitucionalidade dos referidos artigos da Lei 11.887, disciplinados pela MP 452. No entanto, o vício de inconstitucionalidade na previsão de créditos suplementares por meio de medida provisória não é o único vício encontrado nessa lei.

Apesar de os partidos de oposição sustentarem a necessidade de que os recursos estivessem previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ousamos divergir, e assim o faremos. Isso porque, o Fundo Soberano do Brasil constitui um conjunto de investimentos de dinheiro público. Assim, os recursos nele alocados são consideradas despesas de capital, razão pela qual para terem validade devem estar previstas no Plano Pluriananual, sendo insuficiente a previsão na LDO. Nesse sentido, dispõe o parágrafo 1º, do artigo 165, da CF:

Artigo 165.

Parágrafo 1º — A lei que instituir o plano pluriananual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras dela decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

O parágrafo 1º, do artigo 167, da CF, por sua vez, assim determina:

Artigo 167

Parágrafo 1º — Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

Dessa forma, além dos argumentos dos partidos de oposição, o Fundo Soberano não se compatibiliza com a Constituição, pois não foi incluído no PPA, nem houve lei expressa que autorizasse a inclusão. Dessa forma, ainda que não existisse a aludida medida provisória, pode-se dizer que a Lei 11.887/2008 é inconstitucional.

Deve-se ressaltar, ainda, a esdrúxula autorização, através da MP 452/2008, para a União, emitir e colocar diretamente no Fundo Soberano, Títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal. Nem mesmo a lei ordinária aprovada pelo Congresso Nacional pode dispor dessa matéria. Conforme previsto no artigo 163, IV, da CF, cabe à Lei Complementar dispor sobre “emissão e resgate de títulos da dívida pública”.

Assim sendo, malgrado a boa intenção do governo brasileiro em criar um mecanismo para proteger o país da crise financeira internacional, é salutar considerar que, a Lei 11.877, de 24 de dezembro de 2008, que instituiu o Fundo Soberano do Brasil, padece de vício de inconstitucionalidade formal.

Assim, apesar de não ter sido apreciada a liminar na ADI, no recesso do STF, espera-se que, esta lei seja retirada do mundo jurídico, seja por ADI ou por deliberação do Congresso Nacional, no que tange à MP. Nesse aspecto, deve-se observar o ditame do parágrafo 3º, do artigo 62, da CF:

“As medidas provisórias, ressaltado o disposto nos parágrafos 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do parágrafo 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes”.

Foge ao objetivo deste trabalho fazer um estudo profundo sobre as medidas provisórias, mas tão somente à inconstitucionalidade da Lei que criou o Fundo Soberano do Brasil, de modo que não cabe aqui, aprofundar o tema.

Não obstante as inconstitucionalidades mencionadas, registre-se que, nada impede uma posterior proposta, dentro das vias legislativas previstas na Constituição, de criação de um fundo com o objetivo de constituir uma poupança pública para garantir investimentos em situações de crise econômica, e com isso, evitar o colapso da economia, com quebra de empresas, e o desemprego involuntário de milhões de trabalhadores.

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