Retrospectiva 2008

Ano da imprensa teve debate sobre choques de direitos

Autor

  • Lourival J Santos

    é sócio de Lourival J. Santos Advogados (http://www.ljsantos.com.br/) diretor Jurídico da Associação Nacional dos Editores de Revistas e presidente da Comissão de Liberdades Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo.

5 de janeiro de 2009, 14h07

 

Este texto sobre Imprensa faz parte da Retrospectiva 2008, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

 

 

“Deixai a imprensa com as suas virtudes e os seus vícios. Os seus vícios encontrarão corretivos nas suas virtudes.” (Rui Barbosa).

 

O ano de 2008 foi pródigo em discussões acirradas sobre o tema imprensa, tanto no sentido de exaltar o direito da comunicação irrestrita como o valor supremo conquistado pela sociedade brasileira após 88, quanto para apontar riscos que poderiam advir do exercício dessa liberdade, principalmente aos direitos individuais e coletivos ou à dignidade da pessoa humana, caso, segundo a opinião dessa corrente, não se lhe imponham certos limites.

 

Foram igualmente fartas as discussões acerca da necessidade ou não de se ter o direito de imprensa integralmente regulado por norma especial, assim como muitas vozes se levantaram em favor da revogação da atual Lei de Imprensa, inculcada de arcaica e continente de “ranços autoritários”, totalmente antinômicos em relação ao modelo democrático adotado pelo Estado brasileiro a partir da promulgação da atual Constituição Federal.

 

Sobre a questão da revogação da lei de informação pelas justificativas apontadas, destacaremos dois momentos que julgamos relevantes e que bem a ilustram, ambos capitaneados pelo deputado federal Miro Teixeira, o qual apresentou, no Congresso Nacional, um Projeto de Lei de Imprensa visando à revogação da Lei 5.250/67 tendo, incontinenti, ingressado no Supremo Tribunal Federal com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Constitucional, pelo qual também requereu a revogação da precitada lei. Este procedimento encontra-se sub judice na suprema corte.

 

Abordaremos, também, dentro deste quadro, o Projeto de Lei 4.036/08, do Executivo, que propõe alteração ao Código Penal, estabelecendo sanções a quem se “utilizar de interceptação de comunicação telefônica ou telemática para fins diversos dos previstos em lei” e as discussões originadas em razão dessa proposta legislativa, a preconizar os reflexos negativos por ela produzidos à liberdade de imprensa.

 

A Imprensa e o Congresso

 

Como foi dito, para representar este segmento, escolhemos o PL do deputado federal Miro Teixeira, apresentado pelo parlamentar no mês de dezembro de 2007, o qual, segundo sua própria dicção: “dispõe sobre o direito de resposta e a responsabilidade civil de veículos de comunicação social por danos material e moral decorrentes da violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, revoga a Lei 5.250/67 de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de Imprensa), e dá outras providências”.

 

Avoca também a aplicação das disposições do Código Penal às questões criminais e, subsidiariamente, o Código Civil no que couber. O projeto tramita no Congresso sob críticas e elogios.

 

Foi justamente criticado por pretender a revogação total da Lei de Imprensa em vigor, sem apresentar conteúdo com suficiente latitude para regular inteiramente as matérias contempladas naquela lei, fato que, perigosamente, poderá deixar de fora do sistema legal certas previsões importantes daquela norma.


 

Referimo-nos a preceitos jurídicos que não estão previstos no texto do projeto examinado e que, tampouco, constam de outras normas, para eventuais aplicações subsidiárias.

 

Como exemplo, distinguimos o parágrafo 7° do artigo 2° da Lei 5.250, que exclui as publicações científicas, técnicas, culturais e artísticas das restrições impostas às empresas jornalísticas e de radiodifusão no tocante à formação do capital social e à gestão das atividades intelectuais e do conteúdo de seus veículos (artigo 222 da CF, alterado pela Emenda Constitucional 36/02 e regulado pela Lei 10.610/02).

 

Tal exclusão sempre foi aclamada com entusiasmo pelo mundo editorial, pois, ao que consta, muito tem incentivado a expansão da atividade e a maior difusão da cultura e das informações no campo técnico, científico, cultural e artístico, uma vez livres, os veículos do gênero, das vetustas restrições xenófobas impostas às empresas de comunicação no campo do jornalismo e da radiodifusão. Será, portanto, nociva à área editorial a ab-rogação de princípio deste teor.

 

Quanto à necessidade de se revogar a lei em vigor, como modo de libertar a sociedade dos tão propalados ranços autoritários deixados, como herança maldita do regime ditatorial, no texto original da Lei 5.250/67, entendemos que tais ranços, por serem absolutamente incompatíveis com os fundamentos do atual Estado democrático de direito, já não foram sequer recepcionados pela carta mandamental de 1988, de conformidade com o que determina o artigo 2º da LICC (Lei de Introdução ao Código Civil), independentemente da edição de lei ordinária sobre a matéria ou da necessidade da propositura de qualquer procedimento de natureza constitucional visando à revogação ou derrogação da lei de imprensa nestes pontos.

 

Até porque os que militam na área jurídica da comunicação sabem que as mais constantes e contundentes discussões apresentadas no terreno da imprensa não questionam ranços autoritários, mas sim questões envolvendo o exercício da liberdade da comunicação em função do interesse público e dos direitos individuais concernentes à intimidade, imagem, honra ou privacidade das pessoas, além dos debates sobre o caráter reparatório ou punitivo do dano moral.

 

Merece também reflexão o fato do projeto do ilustre deputado tratar somente do direito de resposta e das indenizações por danos, material e moral, decorrentes de violações a direitos personalíssimos (CF, artigo 5°), deixando os crimes contra a honra sob a regulação exclusiva do Código Penal.

 

Neste ponto, em que lega ao direito comum a regulamentação dos crimes contra a honra, a proposta sofreu críticas de especialistas, das quais não discordamos, pelo fato de os delitos cometidos pela imprensa apresentarem características muito próprias, que justificam o regramento da área por legislação especial.

 

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, intitulado Um estatuto da liberdade de imprensa, seus autores, Miguel Reale e René Ariel, destacaram, com acerto, que: “não se deve estranhar a proposta de uma lei especial”, pois, segundo eles, em países como a Espanha, além de outros por eles citados, pela inexistência de lei própria: “há capítulos e disposições específicas aos crimes praticados por meio da imprensa”.


 

Lembraram também, de forma feliz, que o direito de crítica e de informação “agasalha a justificativa do interesse público, inadmissível para o crime comum.” Isto é irrefutável, pelo que dispõe o inciso VIII do artigo 27 da Lei de Imprensa, segundo o qual a crítica inspirada pelo interesse público não constitui abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento.

 

Até porque, dentro do rol dos direitos sociais e individuais assegurados pelo texto constitucional, o livre acesso de todos à informação (inciso XIV do artigo 5° da CF) é consagrado como princípio fundamental, o que dá à liberdade de comunicação e de crítica, exercidos pela imprensa, a conotação de um dever constitucional de prestar informações em função do interesse público e em consonância com o direito de ser informado do cidadão.

 

Concordamos com tais críticas ao projeto, pelos motivos assinalados.

 

No tocante ao direito de resposta e às indenizações por dano moral e material, competentemente regulados pelo projeto em epígrafe, o texto do nobre parlamentar é digno de encômios.

 

A Imprensa e o Executivo

 

Tramita no Congresso o já aludido Projeto de Lei 4.036/08, do Executivo, que determina a aplicação de sanções administrativas e penais aos casos de violação de sigilo ou segredo de Justiça das informações obtidas por meio de interceptação de comunicação de qualquer natureza, bem como sobre a utilização de resultado de interceptação de comunicação telefônica ou telemática para fins diversos dos previstos em lei.

 

Este projeto tem suscitado acaloradas discussões, principalmente por entidades ligadas à imprensa em geral, que o acusam de arbitrário e censório, ao mesmo tempo em que é defendido veementemente pelo governo federal, representado por alguns de seus ministros, principalmente o da Justiça, Tarso Genro, que afirma estarem os acusantes equivocados ao esposarem a idéia de que o projeto se destina a cercear a liberdade de expressão pela possibilidade de se punir jornalistas ou abrir o sigilo da fonte.

 

Em nota à imprensa, o ministro Tarso Genro, criticando os críticos do projeto, disse que: “o que o projeto faz é dizer que utilizar essas informações para fins de obter vantagem ou proporcionar injúria, calúnia ou difamação passa a ser um delito conjugado”. (sic)

 

Em contrapartida, também por meio de nota divulgada à imprensa, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), representada pelo seu presidente, Daniel Pimentel Slaviero, escreveu que: “Com um texto genérico, prevendo pena a quem utilizar informação para fins diversos dos previstos em lei, a proposta é uma forma de intimidar o jornalista e de impedir o cumprimento do papel da imprensa, que é o de informar a sociedade”.

 

Outras tantas manifestações críticas à proposta do Executivo campearam à larga na mídia, realizadas por ilustres especialistas e conhecedores do tema.

 

Além disso, os ânimos mais se aguçam quando se constata que o próprio presidente da República (Faculdade Cásper Líbero — www.facasper.com.brDiscurso de Lula causa polêmica – Ações do governo e fala do Presidente se contradizem, dizem ANJ e Fenaj), questionado sobre eventual diferença entre o discurso e a prática na interpretação do projeto, afirmou que: “não se pode pressupor que alguém possa roubar informações sem punição. (…) você terá dois tipos de cidadãos no Brasil: um que estará subordinado à Constituição e à legislação e um que pode tudo”.


 

Também em depoimento na CPI das escutas telefônicas, segundo foi divulgado na imprensa (http://variasanas.blogspot.com – Tarso Genro nega que o projeto de lei iniba a atividade jornalística, por Sérgio Matsuura, 22/9/08), o ministro da Defesa, Nelson Jobim, defendeu a flexibilização do direito de sigilo da fonte e responsabilização do jornalista que vazar escutas clandestinas.

 

Sobre isto, vale lembrar que o sigilo da fonte (artigo 5°, XIV, da CF), é princípio constitucional fundamental que, nos termos do artigo 60, parágrafo 4º, IV da CF, não pode sofrer alterações, a não ser por força de nova constituinte, salvo melhor juízo dos ilustrados.

 

Instaurada, portanto, importante e rica polêmica sobre o precitado Projeto de Lei.

 

A Imprensa e o Judiciário

 

Foram por nós escolhidos alguns casos, dentre tantos outros que ocorreram em 2008, para ilustrar este tópico.

 

No tocante à predita Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, proposta perante a suprema corte pelo deputado Miro Teixeira, visando a revogação da Lei 5.250/67, os comentários já lançados, à guisa de crítica ao projeto de lei também de sua autoria, serão aqui totalmente aproveitados, pelo seguinte: i) a revogação integral da Lei de Imprensa, sem que alguns princípios úteis aos ordenamento jurídico, ali contidos, tenham sido contemplados em outras leis, será prejudicial ao sistema legal; ii) isto também poderá ser dito em relação à área penal e, portanto, aos delitos contra a honra que, pelas suas especificidades, ensejam a proteção de legislação especial; e, iii) por fim, os tais “ranços autoritários”, como já foi dito, são letra morta no sistema jurídico pátrio, por não terem sido recepcionados pela Constituição em vigor.

 

Outro caso que gerou polêmica dentro do Judiciário foi o das múltiplas ações propostas pela Igreja Universal do Reino de Deus contra os jornais A Tarde de Salvador, Folha de S. Paulo e a jornalista Elvira Lobato, repórter deste último diário, em razão da reportagem sobre “O império da Universal, construído nos últimos trinta anos”. As ações foram distribuídas em diversos pontos do país, por pastores e fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, o que, no entender dos críticos, foi metaforicamente comparado com uma espécie de tática de guerrilha, atemorizante pelo volume das ações e pelos remotos locais nos quais foram distribuídas, dificultando o exercício do direito de ampla defesa pelos réus, em prejuízo da liberdade de informação.

 

A esse respeito, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), representada pelo seu presidente Maurício Azêdo, em 18 de fevereiro de 2008, manifestou-se dizendo que: “As ações da Igreja Universal constituem grave ameaça à liberdade de informação e de expressão”, e requereu, em razão disso, à Anistia Internacional a formação de um movimento mundial de solidariedade com os jornais e a jornalista ameaçados.

 

De um modo geral, o Poder Judiciário destacou-se em 2008 pela firmeza no julgamento dos casos envolvendo o direito de comunicação, tanto que foram raríssimas as sentenças consideradas cerceadoras desse direito e mesmo tais decisões foram revertidas nos tribunais.


 

Justiça Eleitoral

 

Gerou polêmica o caso do ex-ministro Luiz Marinho (PT), candidato a prefeito de São Bernardo do Campo, que requereu e obteve da justiça eleitoral uma liminar determinando que o site Folha Online retirasse de suas páginas um texto jornalístico a seu respeito. Esta decisão foi revertida pela 296ª Zona Eleitoral de São Bernardo do Campo, que a considerou improcedente por ter cerceado a liberdade de informação, confundindo mensagem jornalística com propaganda eleitoral, esta vedada naquele período pelo Código Eleitoral.

 

No campo da liberdade constitucional de expressão e da impossibilidade de impor-lhe quaisquer restrições, vale citar as sempre agudas e profícuas palavras do ministro Celso de Mello, o qual, em recente entrevista à Band News FM, também publicada na Folha de S. Paulo, assim se pronunciou: “Quando se discute o tema hoje em debate (eleitoral), tem-se de um lado não apenas o direito dos órgãos de comunicação social, mas também o próprio direito do cidadão de ser bem informado, para poder decidir de maneira consciente. No fundo, o que está em discussão, está em jogo, é uma prerrogativa de caráter constitucional e de natureza bifronte. Porque ela se dirige de um lado aos órgãos de imprensa, dando-lhes o direito de informar, de buscar informação, de opinar, de criticar e de veicular idéias, especialmente quando se cuida de matéria de relevante interesse público, como sucede com as disputas eleitorais. Mas de outro lado, também, trata-se de analisar a posição do cidadão. O cidadão tem o direito à informação. Ele tem a prerrogativa de ser informado”.

 

A área eleitoral, pelas características e peculiaridades que a singularizam, tais como, a celeridade dos atos procedimentais, certa dubiedade de seus dispositivos regulatórios, que fazem o gosto dos intérpretes e, por fim, também a qualificação política dos litigantes, é uma área que requer um comando firme.

 

Dentro desse cenário, não podemos deixar de assinalar a maestria com que se houve no período o atual presidente do TSE, o ministro Carlos Britto.

 

Entendemos que os casos apontados serviram para ilustrar a temática, objeto deste trabalho, cujo escopo foi apresentar o que de significativo ocorreu no ano de 2008 na área da imprensa.

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    é sócio de Lourival J. Santos Advogados (http://www.ljsantos.com.br/), diretor Jurídico da Associação Nacional dos Editores de Revistas e presidente da Comissão de Liberdades Públicas do Instituto dos Advogados de São Paulo.

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