Justiça 2.0

Entrevista: Claudio Augusto Pedrassi, juiz paulista

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3 de janeiro de 2009, 23h00

Cláudio Pedrassi - por SpaccaSpacca" data-GUID="claudio_pedrassi.jpeg">Uma das mais surpreendentes constatações que o juiz Claudio Augusto Pedrassi fez durante os trabalhos de informatização do Tribunal de Justiça de São Paulo foi a de que o processo eletrônico propicia menos recursos do que o processo em papel. Pedrassi, responsável pela área de Tecnologia de Informação do TJ-SP, percebeu que se recorre três vezes menos quando o processo é digital. As razões do fenômeno ele ainda não sabe, mas arrisca uma explicação. “É que a lógica do processo virtual é inteiramente diferente da do processo impresso”, diz.

É justamente na quebra do paradigma inerente ao processamento eletrônico das ações judiciais que está apostando o Judiciário paulista no momento em que o número de processos na Justiça estadual ultrapassa já a cifra estrambótica de 18 milhões. Investimentos e recursos humanos também são reclamados, mas por mais dinheiro e pessoas que se invista nesta tarefa, tudo será inútil se não houver uma revolução nos modos de fazer o processo chegar a termo. A informatização é a solução óbvia.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Pedrassi explica que, apesar de se falar em informatização do Judiciário há mais de duas décadas, o que tem acontecido é apenas uma modernização dos equipamentos. Só agora se fala em implantação de sistema e em gestão de processos para realmente se ingressar em uma nova etapa da informatização.

Segundo Pedrassi, o gigantismo do tribunal é o seu calcanhar de Aquiles. É que o TJ paulista tem uma distribuição, só na primeira instância, de 30 mil processos por dia, com uma taxa de crescimento de 12 a 17% ao ano. A distribuição na segunda instância chega a 36 mil processos por mês. O maior tribunal do mundo é responsável ainda por 50% de todos os processos que tramitam na Justiça estadual do país.

Cláudio Pedrassi, 44 anos, é graduado pela PUC de Campinas desde 1986. Lá, ele também deu aulas por 18 anos. É juiz titular da 6ª Vara Cível de Santana. Também leciona na Escola Paulista de Magistratura. Ultimamente, no cargo de assessor da presidência do Tribunal de Justiça São Paulo, é o responsável pela informatização do Judiciário paulista. É também membro do Comitê de Informatização do Conselho Nacional de Justiça.

É do alto dessas posições estratégicas que ele dá outra informação: o Judiciário paulista é um dos mais adiantados na informatização em todo o país. Ele só não está informatizado na medida de suas necessidades. Muito longe disso, por sinal.

Leia a entrevista

ConJur — Como está a informatização do Judiciário o Tribunal de Justiça de São Paulo?

Cláudio Pedrassi — São realidades bem distintas nos cerca de 100 tribunais do país. Existem tribunais pequenos como o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, instalado em uma casa. Há também o maior do mundo, que é o Tribunal de Justiça de São Paulo. Os problemas desses tribunais não podem ser tratados de maneira igualitária. Num tribunal de pequeno porte, a área de TI (Tecnologia da Informação) fica reduzida a um ou dois funcionários, diferentemente dos maiores, que exigem mais funcionários e um sistema eficaz para conversar com todas as varas do estado. A conclusão que chego é a de que não se pode estabelecer uma padronização em todos os tribunais.

ConJur — E qual é a conclusão do Conselho Nacional de Justiça?

Pedrassi — Faço parte do Comitê de TI do CNJ e lá a conclusão é a mesma: não tem como fixar um padrão por causa da disparidade entre os tribunais brasileiros. Em Rondônia e Roraima, por exemplo, o link de rede depende de satélites. Em alguns locais esse link é muito bom, noutros nem tanto. Sem contar alguns estados do norte e nordeste que não têm internet. Isso implica em soluções tecnológicas diferentes. O que está em discussão no CNJ é que modelo adotar. A idéia é propor uma modelagem sugestiva e não impositiva, para tribunais de pequeno, médio e grande porte.

ConJur — Como o CNJ pretende lidar com a situação?

Pedrassi — O Comitê já tomou suas providências. Fez um censo para descobrir a situação de cada tribunal. É um mapeamento minucioso que deve ser concluído no final deste ano, com o envio de dados para Brasília. Em janeiro, o CNJ deve começar a trabalhar com esse material. O papel do órgão, na informatização, é apenas de fomentador. Não pretende impor nada.

ConJur — Há dificuldade para compra de equipamentos tecnológicos no Judiciário?

Pedrassi — A questão é complexa, mas o TJ de São Paulo tem facilidades para adquirir produtos em relação aos demais tribunais. Normalmente, em qualquer licitação que faça, os preços tendem a cair muito pelo seu tamanho. O CNJ recebe queixas de tribunais da região norte do país que não conseguem fornecedor, nem técnicos que vão até lá para atendê-los. Geralmente é um Tribunal de porte pequeno. Como o fornecedor não tem expectativa da compra de grande quantidade de equipamentos, não se interessa.


ConJur — Como os tribunais encaram esse processo de informatização? Há resistências?

Pedrassi — Apesar de se falar da informatização do judiciário há 20 anos, na verdade, o que se fazia era substituir a ficha pela tela do computador e a máquina de escrever pelo editor de texto, nada mais do que isso. Não era informatização. Era uma modernização de equipamentos. Agora, já existem sistemas normatizados que aperfeiçoam o trabalho.

ConJur — Como os desembargadores mais conservadores têm reagido a essa realidade?

Pedrassi — Qualquer mudança, qualquer novidade assusta o usuário, independente do usuário. Se falar a um juiz novo: “Olha, o processo de papel não vai existir mais, você vai começar a trabalhar com o processo eletrônico.” Mesmo esse juiz, vai sentir um desconforto, uma insegurança pela mudança da nova sistemática. Obviamente, os desembargadores têm a mesma reação. O medo é do novo. O desconhecido gera insegurança. Não acredito que o problema esteja relacionado ao conservadorismo e sim a novidade.

ConJur — Há resistência dos advogados?

Pedrassi — Em São Paulo, a receptividade dos advogados é muito boa. No estado, temos 45 mil servidores e 200 mil advogados. Na verdade, o maior usuário do sistema são os advogados. O tribunal tem a preocupação de manter sempre um contato com a seccional paulista da OAB, de receber um feedback das dificuldades que a advocacia tem enfrentado para tentar aprimorar ainda mais o sistema.

ConJur — Qual a previsão para acabar com o processo em papel no TJ-SP?

Pedrassi — Tudo depende de questões orçamentárias, mas a idéia é que até o final de 2011 o TJ paulista tenha extinguido os processos em papel. Um grande avanço é o fórum da Freguesia do Ó. Lá 95% dos processos já tramitam pelo meio eletrônico. Os outros 5% são petições que o tribunal não pode recusar, conforme dispõe a Lei 11.419/06. Se o advogado decidir que quer apresentar a petição em papel, o tribunal não pode recusar. O fórum recebe esse processo, digitaliza e se tiver documentos originais essa petição é restituída ao advogado.

ConJur — Quando a lei obriga o tribunal a receber petição em papel ela não pode, de certa forma, atrapalhar o processo de informatização?

Pedrassi — O objetivo da lei é claro. É preparar uma transição. Não é condicionar ou obrigar o advogado a ter a estrutura. Isso vai ocorrer naturalmente. A partir do ano que vem, essa equação tem de a se inverter por causa da certificação digital da OAB.

ConJur — O Fórum da Freguesia do Ó é o único informatizado?

Pedrassi — Não. Existem 18 varas que estão informatizadas. A diferença é que o maior Fórum é o da Freguesia, que abriga cinco varas.

ConJur — Qual a dificuldade do TJ na área de gestão da informação?

Pedrassi — Um grande problema é que muitos sistemas que existem no mercado não são totalmente adequados para o TJ paulista, por causa de suas peculiaridades. Alguns utilizados são sistemas de mercado, que gerenciam servidores. Mas, programa de sistema de processamento de ações, que é a atividade fim do tribunal, isso não tem para comprar no mercado, é preciso desenvolver. Por esse motivo, o tribunal optou por desenvolver, juntamente com uma empresa contratada, um sistema eficaz e próprio para o TJ.

ConJur — Existe a preocupação para que o sistema faça a segunda instância se comunicar com a primeira?

Pedrassi — A preocupação não é ter um sistema único. Cada tribunal pode ter o sistema que achar melhor. Até porque em função das diferenças dos tribunais é muito difícil adotar um sistema único. O importante é que haja interoperabilidade, que os sistemas conversem. É preciso apenas fixar padrões mínimos, mesmo com sistemas diferentes. O TJ paulista em 14 sistemas diferentes, que atualmente não se conversam. Isso é fruto de um histórico ruim de informática, na verdade o histórico do Tribunal nessa área até 2005 é catastrófico. Não havia investimento e nem gestão de informática. Foi só a partir de 2005 que isso começou acontecer. Na situação que o tribunal está hoje pode se dizer que o avanço foi gigantesco considerando três anos de trabalho e investimento.

ConJur — É possível processos tramitarem só por meio virtual no TJ paulista?

Pedrassi — Desde o ajuizamento até um acórdão ainda não. Será possível apenas no início do ano que vem. Os sistemas criados pelo TJ, para as duas instâncias, vão conversar quando estiver tudo migrado para o sistema novo. Com ele, o processo vai ter um andamento só. Desde a petição inicial, sentença, apelação e acórdão.

ConJur — O que é preciso para modernizar o TJ-SP?

Pedrassi — Tempo e orçamento. Esse ano, o investimento em informática foi de R$ 150 milhões. O que não é suficiente. Para ter processo eletrônico, na capital inteira até 2011, precisamos uns R$ 300 milhões por ano.


ConJur — O CNJ consegue saber se os tribunais estão investindo em informatização?

Pedrassi — O CNJ conseguirá saber com o resultado do mapeamento em todos os tribunais. Será possível descobrir o valor do orçamento de cada tribunal, da parte destinada a área de TI e quais são os projetos de cada um para o ano que se aproxima.

ConJur — Quais são as secretarias especializadas criadas pelo TJ?

Pedrassi — Em 2005, o tribunal paulista teve uma reforma administrativa e foram criadas seis secretarias: Planejamento e Gestão, Administração, Recursos Humanos, Secretaria de Primeira Instância, Secretaria de Segunda Instância, que é a Secretaria Judiciária, e a Secretaria de TI, que é coordenada por mim.

ConJur — Quantos processos o TJ recebe por dia da primeira instância?

Pedrassi — Entram cerca de 30 mil por dia na primeira instância. E na segunda instância dá em média 1,4 mil por dia.

ConJur — O Judiciário está atrasado no processo de informatização?

Pedrassi — O poder público, obviamente, tem uma lentidão em relação ao setor privado. Isso por dificuldades orçamentárias e de implementação. Tudo que o tribunal pretende fazer, precisa se programar um ano antes. É preciso licitar e isso demora anos até o fechamento da licitação. Sendo assim, o tribunal tem de começar a pensar hoje no que pretende fazer em 2011, por exemplo, na área de tecnologia. No setor privado isso não acontece. É menos complexo e mais ágil.

ConJur — Com a informatização o chamado tempo morto de tramitação dos processos nos cartórios vai diminuir?

Pedrassi — Vai diminuir muito, mas o problema é que a informatização implica em uma mudança muito grande. Aquela estrutura tradicional de trabalho, cartório e vara tende a desaparecer. Deve diminuir até o número de funcionários por processo. Com isso,a produtividade do escrevente no processo eletrônico sobe três vezes. A quantidade ideal de processo por escrevente é em torno de 350 processos. Hoje, cada escrevente tem uma média de 700 a 800 processos para dar andamento. No processo eletrônico, ele terá condições de tocar mil processos.

ConJur — O objetivo do tribunal é digitalizar todos os processos que estão em papel ou começar a partir de agora?

Pedrassi — A partir de agora. Até porque, o trabalho do tribunal de 2005 para cá foi de criação de infra-estrutura. Ele não tinha máquina, servidor, não tinha nada. Agora o objetivo é acabar com essa diversidade de sistemas. Por isso, foi desenvolvido um sistema novo e a idéia é implantá-lo no estado inteiro. Vai ser um sistema único.

ConJur — Com boas práticas de gestão, podemos dizer que o típico discurso dos tribunais de que falta espaço, computadores e servidores vai ser banido?

Pedrassi — Essas práticas sempre ajudam, mas nenhuma solução efetiva passa por ai. O tribunal paulista tem um dilema. Há 10 anos, tinha 53 mil funcionários. Nesse tempo ele absorveu os tribunais de alçada e hoje tem apenas 44 mil funcionários. Ou seja, tem nove mil funcionários a menos do que tinha há 10 anos e nesse período o numero de processos dobrou. Então, por melhor que seja a prática de gestão, com essa dificuldade de mão de obra, não será possível chegar a um resultado significativo.

ConJur — Tem alguma proposta do tribunal para resolver isso?

Pedrassi — A solução é informatizar. O tribunal pretendia promover concurso público para contratar dois mil escreventes no ano que vem, mas essa medida esbarra na questão orçamentária. Principalmente com o corte de 40% no orçamento solicitado à Assembléia Legislativa. A proposta prevê para o tribunal um percentual de 4,22% do total do orçamento estadual, que é de R$ 116,1 bilhões. Desse total, estão reservados para o Judiciário R$ 4,9 bilhões. A solicitação do tribunal era de R$ 8,1 bilhões.

ConJur — Não existe o risco de ‘inchar’ o Judiciário com funcionários e, depois da informatização, esse quadro ficar ocioso?

Pedrassi — O Tribunal de Justiça de São Paulo está com uma quantidade tão pequena de funcionários e tão grande de processos que não acredito em ócio de juízes e servidores. A distribuição de processos no TJ paulista cresce de 12% a 17% ao ano, no primeiro grau. E o numero de funcionários só cai. Em 10 anos caiu em 30%.

ConJur — A informatização é a única maneira de resolver o caos da Justiça paulista?

Pedrassi — Sim. É o único meio para utilizar o quadro de funcionário sem sentir o déficit de mão de obra. Para dar um jeito nessa situação, no sistema tradicional, teriam de ser criadas 10 Câmaras em segundo grau, ou seja, mais 50 desembargadores. Teria que contratar mais 350 juizes para o primeiro grau, contratar, no mínimo, uns 7 mil funcionários, além de criar estrutura para colocar esse pessoal nas varas. É um custo elevadíssimo para implantar para um resultado pequeno. Para a realidade do tribunal, essa equação não funciona. Com a informatização, é possível resolver o problema com a mesma quantidade de funcionários já existente.


ConJur —Com a informatização, a expectativa do tribunal é que em cinco ou sete anos esses processos em papel terminem. Essa mudança ficaria, então, para 2015?

Pedrassi — Nesse período, será possível redesenhar as varas. Por isso, não é conveniente a idéia inicial de digitalizar todo o acervo do tribunal. Seria um caos para administrar. O TJ teria toda uma estrutura tradicional para uma forma nova de processos. Assim, esse tempo para acabar com o processo de papel, será o tempo para o tribunal fazer uma readequação da estrutura. Se tudo correr bem até 2015, o tribunal terá acabado com a papelada.

ConJur — Os mecanismos aplicados pelo Supremo, como súmula vinculante, repercussão geral e a lei do recurso repetitivo, no STJ, vão influenciar no TJ paulista?

Pedrassi — Em parte sim, mas não tem uma equação automática. Da massa de processos que o tribunal tem, eles não chegam todos aos tribunais superiores, aliás, o numero que chega lá é muito pequeno. Desses 18 milhões de processos que tramitam no estado, cerca de 4 milhões vão chegar aos superiores. Ou seja, 14 milhões vão ser resolvidos aqui mesmo.

ConJur — Será reduzido, então, apenas o número de processo na primeira instância?

Pedrassi — Sim. Existe até um fenômeno que o tribunal está mapeando. É que nas varas em que já existe o processo eletrônico, o número de recursos ajuizados caiu de maneira drástica. Nas varas em que predominam, ainda, o uso de papel o número de recursos é bem maior. Ainda não conseguimos estabelecer todos os fatores para esse fenômeno. Começamos a estudar agora.

ConJur — Reduziu quanto?

Pedrassi — Muito. Uma razão para que isso ocorra é que quando o processo vai por meio eletrônico, não se dá apenas uma simples transposição de papel para digital. O processo já está sofrendo, pela própria pratica, modificações. Há um ‘enxugamento’ do processo. No meio eletrônico, a petição tem a redação mais objetiva, além de haver uma democratização da informação. O processo de papel é público também, só que é preciso ir até o local e solicitar. No meio eletrônico, a pessoa pode acessá-lo, via internet, de qualquer lugar.

ConJur — Qual a situações dos Juizados estaduais?

Pedrassi — É relativo de estado para estado. Em São Paulo, a situação não é boa. É a mesma questão da informática. Por isso, nos juizados de cidades de médio e grande porte eles não dão conta da demanda que tem.

ConJur — Quantos processos estão parados hoje no TJ paulista?

Pedrassi — 18 milhões de processos. Para cada dois paulistas, um ajuizou processo na Justiça. Isso é uma coisa fora dos padrões mundiais. No Brasil insteiro, existem 65 milhões de processos tramitando. Ou seja, um terço está no TJ. Já na contabilidade da Justiça estadual do país, o TJ-SP fica com 50% dos processos.

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