Reforma do CPP

Comissão estuda criação de juiz para atuar só em inquéritos

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4 de janeiro de 2009, 8h44

A Comissão de Reforma do Código de Processo Penal, instalada em julho de 2008 pelo Senado, estuda criar no Brasil a figura do juiz de garantias. Em países como Estados Unidos, México e Itália, dois juízes atuam nos processos penais em momentos distintos. O primeiro na fase de inquérito, para controlar as ações policiais e decretar atos como prisões preventivas, buscas e apreensões ou determinar a quebra de sigilos. Esse é o papel do juiz de garantias.

Encerrado o inquérito, esse juiz sai de cena e eventual denúncia é apresentada a outro magistrado, que não teve contato com a produção de provas. O objetivo é garantir que o julgador não se contamine com o que foi apurado na fase probatória para manter a imparcialidade e julgar apenas de acordo com o que está nos autos.

O grupo que analisa mudanças ao CPP fechou o ano de 2008 com seis reuniões e, além da proposta de criação do juiz de garantias, estuda impor restrições à prisão especial, presença obrigatória da defesa desde o interrogatório policial, entre outras mudanças no rito dos processos criminais. Na última reunião em 9 de dezembro, a comissão prorrogou os trabalhos por mais 180 dias. As próximas discussões serão em fevereiro de 2009.

As matérias de discussão foram distribuídas no grupo. Cada membro é responsável por pesquisar e apresentar uma proposta a ser discutida. No comando dos estudos está o ministro do Superior Tribunal de Justiça Hamilton Carvalhido. O grupo é composto pelos seguinte membros: Eugenio Pacelli, procurador regional da República; Antonio Corrêa, juiz federal; Antônio Magalhães Gomes Filho, advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP); Félix Valois Coelho Júnior, advogado e ex-secretário de Justiça do estado do Amazonas; Sandro Torres Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF); Tito de Souza Amaral, promotor de Justiça; Jacinto Coutinho, advogado; e Fabiano Silveira, consultor legislativo do Senado.

O juiz federal Antonio Corrêa explica que o juiz de garantias não atua quando iniciado o processo a partir da denúncia. “Há o entendimento de que, se prosseguisse atuando, como ocorre hoje, poderia ser contaminado pelo conhecimento prévio de questões que quebrariam o devido processo. Então, teríamos um juiz para atuar na fase de investigação e outro na fase processual, quando estaria instaurada a ação penal e teria competência para decidir a causa, julgando os fatos e aplicando o Direito, em sua expressão máxima a neutralidade”.

Corrêa afirma que as funções ainda não estão perfeitamente definidas, pois as discussões não terminaram. “Nos locais onde o número de infrações é diminuto, e onde não há crimes praticados mediante organização, acredito que será de difícil implementação.”

Alguns membros do grupo são a favor da retirada do controle do inquérito do Poder Judiciário, que passaria a tramitar apenas entre a polícia e o Ministério Público, com totais poderes de investigação. O juiz federal Antonio Corrêa é contra a idéia: “Se não houver controle da investigação, podem ocorrer abusos. Veja o que vem ocorrendo hoje, já com o controle. Criam-se filhotes de inquéritos. Desdobramento de investigações, em que não se sabe quem ou o quê está sendo investigado”.

O integrante da comissão ainda aponta que, se aprovadas as funções como ele imagina, o juiz de garantias irá controlar as investigações e terá a incumbência de encerrá-las, decidindo sobre o arquivamento ou então encaminhando os autos para o Procurador-Geral de Justiça ou da República.

“Sistema diferente levará à ditadura dos órgãos incumbidos de oferecer denúncia, que irão instaurar ação penal apenas contra quem desejar, adotando o princípio da conveniência e oportunidade, instituto do Direito Administrativo, que não tem aplicação no campo do Direito Penal”, afirma Corrêa.

Prisão comum

O grupo de estudos cogita extinguir a prisão especial para pessoas com diploma. Segundo Antônio Corrêa, este é um dilema na comissão. “Para eliminar a prisão especial, deveria ser criado um regime legal de prisão em que esta será permitida apenas após a condenação com trânsito em julgado, salvo quando perigosos os agentes”.

Corrêa afirma, ainda, que a sugestão do advogado ou defensor público acompanhar o cliente desde a fase do inquerito é um tema de difícil solução. “Tenho reservas a respeito. A investigação, pelo sistema em vigor, é inquisitorial. Há permissão, na lei em vigor, de serem sugeridas provas a serem colhidas no inquérito, que podem favorecer o acusado. Não há obrigatoriedade da autoridade policial colhê-las e introduzir no documento informativo para o Ministério Público oferecer denúncia. Transformar o inquérito em contraditório, para o meu entendimento é temerário”.

Para o juiz federal, “o que se pode permitir, e acredito que seja válido, é que o advogado atue como espectador, para impedir abusos da autoridade, tais como, ao interrogar o acusado registrar afirmações não ditas ou, então, quando ouvir testemunhas, modificar depoimentos para incriminar a pessoa”.

Quando terminadas as discussões, provavelmente em julho de 2009, e recebidas as sugestões (que podem ser feitas pelo e-mail [email protected]), o anteprojeto será encaminhado para uma Comissão do Senado que deve verificar o conteúdo e transformá-lo em projeto de lei. Esse projeto, então, será submetido a votação na Casa e posteriormente, se aprovado, encaminhado para a Câmara dos Deputados. Se aprovado pelas duas casas do Congresso, é levado à sanção presidencial.

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