Em 2008

Direitos foram violados com farra dos grampos e abuso policial

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

3 de janeiro de 2009, 11h45

O alemão Erich Maria Remarque acentuou, em sua obra prima “Nada de Novo no Front Ocidental”, a rotina cansativa dos soldados nas trincheiras da guerra de 1914/18. Perdiam a noção de tempo e de espaço, na monotonia dos milhares de mortos e feridos.

Nada parecia acontecer. A criação de Remarque me levou ao título de hoje, no balanço de 2008. Começou e terminou como se nada de novo houvesse a destacar. A crise financeira atingiu, no direito privado, instituições e fundos com prejuízos enormes.

No direito público, a garantia de direitos próprios dos valores democráticos foi violada, no abuso de “grampos” e excessos das polícias. A relação de emprego criou ameaças novas para o trabalhador. Na tragédia das enchentes (especialmente em Santa Catarina) a incúria administrativa ofendeu o direito de suas vítimas. O desmatamento de imensas áreas, com poucos obstáculos oficiais à sua continuação, feriu direitos de todos e até de pessoas que nascerão no futuro distante. Não se rompeu definitivamente o nó górdio da responsabilização (ou da adequada identificação) dos torturadores da ditadura. Ao menos a cassação do deputado que mudou ilegalmente de partido foi positiva.

A difusão predominante, nas ruas, do desrespeito reiterado da convivência urbana, por veículos que vão dos catadores de papel às limusines de luxo, é mal desta época. Idem para motoqueiros mortos, crianças vítimas de pedófilos, milhões cuja honra é ferida na internet impunemente, ao lado do progresso que a rede mundial proporciona, até para o aprimoramento judiciário.

Quando 2008 começou, cogitou-se de marcá-lo com manifestações pela vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. Não houve tempo para muita coisa, mas confirmou a genial colonização lusa, criadora do único país gigante na América Latina. Esse lado bom sucumbiu nas manchetes, afogado pela campanha eleitoral, pelos escândalos de poderosos e por distorções funcionais da Abin, da PF, do MP, três siglas cuja força publicitária é mais evidente. Terras e prédios continuaram a ser invadidos. Prosseguiu o calote da dívida pública, amparado pela omissão judiciária e legislativa, em associação com o Executivo.

Debateu-se a quantificação do ensino jurídico, formando bacharéis sem habilitação mínima. A crise econômica ajudará a quebrar o excesso de alunos, nas escolas privadas. Estimulará a busca da qualidade, exemplificada nesta coluna por duas universidades paulistanas, a Presbiteriana Mackenzie e a PUC, além da Escola de Direito da FGV. Ainda entre as coisas boas, um dado pessoal: a passagem dos 30 anos ininterruptos desta coluna.

Como sempre houve mais atenção sobre traficantes impunes, menores sacrificados. Houve criminosos confessos não punidos; outros nem processados nem libertados. No universo das leis, a quantificação perturbadora. No plano federal, o ano terminou na casa de 40 medidas provisórias, 380 decretos (aquelas e esses pelo Executivo), ao lado de mais de 250 leis, em grande parte também inspiradas pelo Executivo. Tudo, além de milhões de atos nos municípios, nos Estados e nas repartições públicas. O título, à moda de Remarque, diz bem: 2008 repetiu o passado; terminou sem nada de novo no front do direito.

[Artigo publicado na coluna do autor, na Folha de S.Paulo, deste sábado, 3 de janeiro de 2009]

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    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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