Retrospectiva 2008

Novas regras dos SACs marcaram o ano do consumidor

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2 de janeiro de 2009, 9h54

Este texto sobre Direito do Consumidor faz parte da Retrospectiva 2008, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

Como andou 2008 na área das relações de consumo, do ponto de vista jurídico? Afinal, no ano passado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) fez 18 anos, o que lhe traz certa maturidade. A grande maioria dos seus artigos já foi testada e a jurisprudência começa a se sedimentar.

Uma lei com a complexidade de um código demora para ter seus conceitos controvertidos assentados. Sem esquecer que a dinâmica do Direito faz com que alguns deles sejam freqüentemente revistos.

O que se observou na área das relações de consumo nos últimos anos foi uma poderosa evolução da prestação de serviços de massa. A popularização do crédito, a medicina em grupo, a explosão da telefonia em geral, a TV a cabo e a internet são situações posteriores à entrada em vigor do CDC.

A compreensão da complexidade dessas atividades já se faz sentir, especialmente nos tribunais superiores e no Ministério Público. Assim, são menos freqüentes decisões ou ações civis públicas que soam incompreensíveis na estrutura técnica ou comercial das prestadoras de serviços. Ainda existem, mas em geral são decisões de primeira instância de jovens apaixonados juízes ou ações propostas por entidades tidas como de proteção ao consumidor.

Ainda temos consumidores ávidos por indenizações por dano moral. Estes parecem não diminuir nunca.

Advogados em busca desmedida de clientes aumentam. Panfletagem em locais de grande afluência de público oferecendo serviços está se disseminando nas grandes metrópoles (uma nova lei municipal, no Rio de Janeiro, a respeito de horário de atendimento em caixa bancário, motivou anúncios pedindo às pessoas que peguem protocolo na entrada e recibo do caixa e se dirijam a escritórios de advocacia). A OAB deverá ser manifestar a respeito dessa postura profissional.

Algumas empresas ainda insistem em achar “soluções” para burlar as regras legais. Não há motivo para isto. Se é certo que algumas dessas regras aumentam os custos das empresas, não é menos exato que se todas estiverem seguindo a lei, a concorrência continuará saudável. A única conseqüência, que não é boa — mas é melhor do que desrespeitar a lei — é a exclusão do mercado de consumo de uma parcela da população que não pode arcar com o preço.

O ano de 2008 teve temas importantes discutidos no mundo jurídico, alguns dos quais, apesar de antigos, tiveram maior destaque. Menciono os que chamaram mais atenção:

* Na telefonia, ganhou destaque a assinatura básica mensal, julgada legal pelo Superior Tribunal de Justiça, com apenas um voto contrário. Tal tema foi inserido nos Recursos Repetitivos (art. 543-C do CPC), praticamente dando fim a mais de 100 mil ações em curso.

** Na área de telecomunicação, também chamou a atenção a deliberação da Anatel impedindo a cobrança de pontos adicionais pelas TVs por assinatura. Tal decisão, despropositada, não atende aos interesses dos consumidores e dos fornecedores, pois determinará aumento do custo do ponto principal. Medidas judiciais mantêm em suspenso tal determinação, sendo certo que a Anatel tem constantemente alterado a data de início.

*** Insiste-se ainda em tentar impedir indiscriminadamente a cobrança separada dos custos para emissão de boletos. Se, em alguns casos, tal medida pode ser considerada abusiva e proibida, como regra, é legítima.

Todas essas ações parecem estar calcadas na premissa de que o desaparecimento de tais cobranças reduziria o preço dos serviços. É uma clara ilusão. São apenas formas de distribuição dos custos. Se suprimidas, os valores necessários à recomposição dos preços serão transferidos. Afinal o lucro é uma premissa do nosso sistema constitucional da livre iniciativa.

**** Mas o principal fato a movimentar as relações de consumo foi a edição do Decreto 6.523/08 e sua posterior regulamentação pelo Ministério da Justiça (através da Portaria MJ 2.014 de 13/10/08), relativa ao funcionamento dos SACs (Serviços de Atendimento ao Cliente) pelas empresas.

Este decreto se reveste de relevância, tanto quanto o tema, como pela forma jurídica adotada: desde 1º de dezembro passado as empresas fornecedoras de serviços regulados pelo poder público federal, e apenas estes, devem se submeter a rigorosas normas para atendimento telefônico de clientes.

Vale lembrar, os SACs não são obrigatórios. Mas, no caso dos serviços regulados pela União, se criados ou existentes, devem atender a norma do decreto. Além dos temas que ali aparecem, qual a relevância do decreto?

Primeiro, ao reconhecer que um decreto é uma forma adequada para regulamentar artigos do CDC. Não pode inovar e muito menos alterar o que está na lei, como é sabido.

Segundo, o reconhecimento da falta de competência legislativa da União para interferir junto aos fornecedores em geral. É importante a restrição apenas a serviços regulados pelo poder publico federal. Essa decisão está pautada no artigo 24 da Constituição, que dá a União poder de emanar apenas normas gerais de consumo e autonomia legislativa aos estados e Distrito Federal: Direito do consumidor é de competência legal concorrente.

Tal saudável restrição reconhecida pela União põe em cheque a legitimidade do Decreto 2.181/97 que regulamenta as sanções por infração ao Código quanto a sua aplicabilidade pelos órgãos de defesa do consumidor, estaduais e municipais. E, assim, abre a ferida mal cicatrizada das multas aplicadas por esses mesmos órgãos, sem regulamentação estadual, como é o caso de São Paulo.

Enfim, 2008 foi um ano produtivo. Altos e baixos como sempre ocorrem na curva parabólica das relações de consumo, tanto vista pelo consumidor, como pelo fornecedor.

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