Direito de liberdade

Réu não pode ficar preso porque Justiça funciona mal

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26 de fevereiro de 2009, 15h15

Criticando recente decisão do STF sobre o direito do réu de permanecer em liberdade enquanto a decisão condenatória não se tornar definitiva, o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil afirmou que aquela decisão só beneficiaria réus que pudessem pagar a bons advogados para manter a causa em aberto por tempo indeterminado, já que a grande massa da população carcerária não tem acesso a advogados e continuará presa.

Na sua concepção, “a Constituição garante a todos o direito à ampla defesa, mas não podemos caminhar para um sistema insano em que nunca se chega a uma condenação definitiva” (O Globo, 7/2). Talvez a manifestação de um presidente de associação de juízes possa ser interpretada como reflexo do pensamento de toda a classe.

Mas não é assim, nem todos os juízes discordam da forma como o STF vem se posicionando em temas sensíveis de direito processual penal, sempre reiterando a necessidade de conduzir o processo com respeito às garantias constitucionais. O que está em discussão é o alcance do princípio da presunção de inocência, norma constitucional segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O STF afirma que a pena de prisão não pode ser executada enquanto o réu mantiver status de inocente. Se ainda há possibilidade de que a decisão condenatória seja modificada por outra instância do Judiciário, se o réu ainda pode ser absolvido, ter a pena reduzida ou substituída, não se pode iniciar a execução da pena de prisão. É justo que o réu seja preso antes do término do processo apenas porque o sistema judiciário funciona mal?

Se a polícia é lenta na apuração de crimes, os juízes são lentos na condução dos feitos e os tribunais são lentos na apreciação dos recursos, é mesmo correto que o réu pague o pato e seja punido antes que o Estado diga se ele é realmente culpado ou inocente? Por outro lado, não é verdade que há um número interminável de recursos à disposição do réu. Além da apelação, que permite o reexame do feito pela segunda instância, a Constituição prevê recursos para os Tribunais Superiores, em Brasília, mas tais recursos têm um propósito.

Ao STJ cabe uniformizar a aplicação das leis federais no país e ao STF cabe zelar pela supremacia da Constituição. Afirmar que os recursos interpostos pelos réus têm apenas o objetivo de prolongar indefinidamente a lide revela preconceito contra a defesa, incompatível com a postura equilibrada que o juiz deve manter no processo. O fato é que ambas as partes, acusação e defesa, têm igual direito de postular perante o juiz e de recorrer das decisões que lhes são desfavoráveis. O sistema de garantias não funciona para réus pobres, por dois motivos. Primeiro, por causa de uma vergonhosa omissão do Poder Executivo em implantar defensorias públicas bem aparelhadas para que esses réus possam ter garantidos seus direitos constitucionais.

Segundo, por causa da resistência dos juízes de primeiro e de segundo graus em acatar a jurisprudência do STF, assegurando direitos constitucionais aos réus, sem que lhes seja necessário levar seu caso àquela Corte. Por fim, é falacioso dizer que todos os réus permanecerão soltos até o julgamento do último recurso, pois, se houver necessidade de que o réu permaneça preso no curso do processo, nada impede que o juiz decrete essa prisão.

A lei prevê a prisão cautelar do réu que ofereça risco para a integridade das pessoas, que tenha demonstrado a intenção de fugir ou de prejudicar a produção de provas. A recente decisão do STF sobre o direito de não ser preso enquanto não definitivamente condenado não implicará a soltura imediata de todos os presos provisórios, mas apenas daqueles cuja necessidade da prisão não estiver adequadamente justificada.

Artigo publicado no jornal O Globo nesta quinta-feira (26/2).

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