Entrada e saída

É fácil ingressar com ação judicial. Difícil é sair dela

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22 de fevereiro de 2009, 18h22

“Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”
Ruy Barbosa

O processo judicial, tanto na seara civil quanto na penal, é tido pelos processualistas como instrumento a serviço da paz social. A preocupação com o acesso à Justiça surge porque de nada adianta qualquer outra medida de aperfeiçoamento do processo se não for possível sequer chegar até ele.

Nesse sentido, é fácil perceber que o acesso à Justiça é o que se pode considerar como primeira garantia processual. Devido processo legal, contraditório, ampla defesa, tudo isso vem depois. Primeiro precisamos abrir as portas do Judiciário, para depois buscarmos as demais garantias do processo, asseguradas pelas leis de nosso país.

No caso brasileiro, essa noção de acesso à Justiça mereceu uma rara unanimidade. Ao menos em tese, ninguém ousa questionar a ampla extensão que essa idéia deve ter.

É por isso que, mais do que significar a simples abertura das portas do Poder Judiciário, a noção de acesso à Justiça representa o direito de adentrar àquela porta, ser ouvido por quem está lá dentro, ver o Direito ser pronunciado e sair dela em tempo razoável. Tudo isso em conjunto é o que se denomina atualmente de acesso à ordem jurídica justa.

Interessante notar que, não só o cidadão, mas também o Estado não raro aparecem frente às portas do Judiciário. O mesmo Estado que diz o Direito — o Estado-juiz — figura muitas vezes como autor do processo, seja como Estado-administração, seja como Poder que exerce, em regime de monopólio, a persecução penal. Nesse sentido, Estado e cidadão equiparam-se na busca por uma ordem jurídica justa.

Ocorre que, ao menos no que toca ao último trecho que compõe a trilha da ordem jurídica justa, ainda estamos distantes do que se deseja. Se novas medidas de política judiciária melhoraram consideravelmente o acesso às portas do magistrado, ainda há muito por fazer para tornar mais próxima a porta que leva ao lado de fora dos tribunais. Aquilo que deveria ser uma porta, em verdade é, hoje, um longo e estreito corredor; e o pior, para os menos favorecidos, em absoluta escuridão.

Não é de hoje que a duração razoável do processo é direito fundamental em nosso ordenamento. Desde 1992, ao menos, ele já se encontra entre nós de forma expressa. É que em 6 de novembro daquele ano, por meio do Decreto 678, o Presidente da República promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que assim dispõe em seu artigo 8º, 1:

 

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.[1]

Não bastasse o dispositivo de origem internacional, o constituinte derivado achou por bem alocar tal direito no próprio texto constitucional, o que fez pela Emenda Constitucional 45/2004:

A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.[2]

Considerando-se o tradicional escopo dos direitos fundamentais, a duração razoável do processo visa a favorecer preponderantemente o cidadão, enquanto promotor de ação privada em curso no Judiciário. Os destinatários da norma, contudo, são tanto o Estado-juiz — responsável pela boa condução do processo — quanto a parte requerida — à qual é vedado criar embaraços à execução dos provimentos judiciais. Em caso de inobservância do direito em análise, ao representante do primeiro — o magistrado — pode ser negada promoção na respectiva carreira (artigo 93, II, e, da CF); ao segundo, por sua vez, pode ser imputada a prática de ato atentatório ao exercício da jurisdição, passível de multa, o que não prejudica a aplicação das sanções penais e civis cabíveis (artigo 14, parágrafo único, do CPC).

Ocorre que, não obstante os avanços legislativos mencionados, o cidadão permanece sem uma prestação jurisdicional suficientemente célere. O complexo sistema recursal e o acúmulo de processos nas prateleiras do Judiciário, dentre outros fatores, ainda impedem aquele acesso a uma ordem jurídica justa.

E quando o Estado figura na condição de autor, no exercício do ius puniendi, por exemplo, o processo não merece melhor sorte. Bons advogados atuando em favor dos acusados, valendo-se de lícitos recursos processuais, são capazes de arrastar processos criminais por anos a fio. Sofre o Estado, quando parte, os efeitos de sua incompetência para prover a todos um processo sem dilações indevidas.

No âmbito da cooperação jurídica internacional, ademais, o Estado também sofre com a demora do processo penal. Ao buscar a repatriação de ativos decorrentes de atividade criminosa, o Brasil esbarra em compreensível requisito exigido por outros países: o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não sabem eles que a exigência, para nós, praticamente inviabiliza aquele objetivo.

É certo, por outro lado, que medidas bem sucedidas já estão sendo adotadas. A informatização do processo judicial, trazida pela Lei 11.419/2006, talvez represente a maior delas. É preciso reconhecer, todavia, que ainda carecemos de diversas outras medidas. Simplificar o sistema recursal e desenvolver mecanismos de solução amigável de conflitos são apenas dois exemplos do que precisamos fazer para tornar aquele direito algo mais concreto na vida do jurisdicionado.

São inúmeras as estradas que levam ao Judiciário. Largas e bem pavimentadas, essas diversas avenidas possibilitam a quase todos chegar aos caminhos da Justiça. Na hora de sair, no entanto, todos só podem buscar uma única via, estreita e esburacada, que somente os mais caros e potentes veículos conseguem ultrapassar. Um longo engarrafamento forma-se, composto por carros populares.

É preciso que se apresentem soluções que prestigiem os jurisdicionados — que clamam por um acesso à ordem jurídica justa — invertendo-se a lógica que se constata nos últimos tempos, que garante a entrada democratizada, mas infelizmente uma saída elitizada.


[1] BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

[2] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 5º, LXXVIII.

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