Burocracia tributária

Ação de conhecimento não se aplica a multas fiscais

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20 de fevereiro de 2009, 8h00

Conquanto a persecução do ressarcimento dos prejuízos causados ao erário constitua permanente preocupação na esfera do serviço público, muitos administradores não têm consciência da enorme importância de um procedimento simples, que, utilizado com bom senso, pode acelerar e baratear a recuperação de recursos devidos aos cofres públicos.

Refiro-me à possibilidade que a lei franqueia à própria Administração produzir em sede de processo administrativo o título extrajudicial que irá aparelhar a execução judicial dos valores a ressarcir ao erário, sem necessidade de percorrer o longo, dispendioso e congestionado trâmite da ação judicial de conhecimento.

Como qualquer execução, a patrocinada pela Fazenda Pública só pode ser instaurada se o devedor não satisfizer a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo, conforme exigência do artigo 580, do Código de Processo Civil, que enumera, no artigo 585, os títulos executivos extrajudiciais e, dentre eles, no inciso VII, “a certidão da dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei”.

Segundo dispõe o artigo 39 da Lei 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão inscritos como dívida ativa em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza na Procuradoria da Fazenda Nacional.

A lei considera dívida ativa não tributária os créditos não tributários da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.

Não sendo taxativa a enumeração legal, mas, apenas explicativa, pode-se asserir que se considera dívida ativa não tributária os créditos em favor da Fazenda Pública, por ela apurados, relacionados às ocorrências puramente administrativas, contratuais ou não.

Os créditos ativados abrangem os valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de mora e ao encargo sucedâneo dos honorários dos exatores, de que tratam o artigo 1º do Decreto-Lei 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o artigo 3º do Decreto-Lei 1.645, de 22 de dezembro de 1978.

A execução para a cobrança da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e respectivas autarquias — exceto as que atuam como bancos no setor privado —, sem embargo da observância das normas gerais de direito processual ínsitas no Código de Processo Civil, é regida especialmente pela Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980, chamada Lei de Execução Fiscal – LEF.

Nos termos da Lei de Execução Fiscal (artigo 2º), constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei 4.320, de 27 de março de 1964, englobando qualquer valor cuja cobrança seja atribuída por lei à União, aos estados, ao Distrito Federal, aos municípios e suas autarquias, abrangendo atualização monetária, juros, multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

Estipula, mais, a LEF, que a inscrição no serviço da dívida ativa, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito — que no âmbito da União é a Procuradoria da Fazenda Nacional — e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.


Exige a LEF que o Termo de Inscrição de Dívida Ativa contenha a identificação do devedor, dos co-responsáveis e, quando conhecido, o domicílio ou residência de uns e de outros; o valor originário da dívida, o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo momento legal e o termo inicial para o cálculo; a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa e o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.

Subsequente ao registro, que se sujeita às prescrições dos artigos 201 a 204 do Código Tributário Nacional, extrai-se a certidão da dívida ativa, que conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente, podendo a preparação e a numeração processar-se por meio manual, mecânico ou eletrônico.

Sobre os procedimentos de registro, estipula o Código Tributário Nacional — a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 —, em seu artigo 203, que “a omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior ou o erro a eles relativo são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado, o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a arte modificada”.

Também a LEF estipula que, até a decisão de primeira instância, a certidão da dívida ativa seja emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.

Porém, só se pode substituir o título executivo quando se tratar de mera correção de erro material ou formal, não cabendo quando implicar a modificação do próprio lançamento, por não ser tutelado na Lei 6.830/80 e no CTN — conforme decidiu a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 327.663-SC, de relatoria do ministro José Delgado, j. 02.10.2001, DJ de 04.03.2002, pág. 197.

De seu lado dispõe o CTN, no artigo 204, que “a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída”, acrescentando, em seu parágrafo único, que “a presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite”.

Verifica-se, pois, que a Administração dispõe de um extraordinário instrumento para a recuperação mais rápida e barata dos valores não tributários devidos ao erário, decorrentes do inadimplemento de obrigações contratuais ou cuja cobrança seja legalmente autorizada.

Todavia, o uso de tais facilidades deve dar-se com cautela e ponderação, não se prestando a cobranças açodadas ou não justificadas em preceitos legais, pois, como qualquer título que irá aparelhar a execução judicial para satisfação de crédito, a certidão da dívida ativa deve imbuir-se de certeza e liquidez, aferidas com base em rígidos critérios de legalidade.

Só se pode exigir do administrado a satisfação de obrigações expressamente previstas em lei, como as hipóteses exemplificativas enumeradas em linhas volvidas.

Conforme decidiu a 1ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça no REsp 440.540-SC, rel. o Min. Gomes de Barros, j. 06.11.2003, v.u., DJU de 1º.12.2003, “crédito proveniente de responsabilidade civil não reconhecida pelo suposto responsável não integra a chamada dívida ativa, nem autoriza execução fiscal. O Estado, em tal caso, deve exercer, contra o suposto responsável civil, ação condenatória, em que poderá obter o título executivo” (referido por Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”, SP, Saraiva, 2007, 39ª ed., no verbete nº 3a ao art. 2º da Lei de Execução Fiscal).


De igual sentido é a decisão da 1º Turma do STJ no REsp 361260/RS, rel. o Min. José Delgado, j. 05.02.2002, DJ 18.03.2002, pág. 186, a saber:

“………………

EMENTA:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EXECUÇÃO FISCAL. DNER. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. DANO CAUSADO AO PATRIMÔNIO DA AUTARQUIA. INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA. LEI Nº 6.830/1980.
...............
5. Os privilégios da Lei nº 6.830/80 só cabem nos casos em que a dívida ativa tiver natureza tributária (crédito que goza de proteção especial – arts. 183 a 193 do CTN) ou decorra de um ato ou de um contrato administrativo típico.
6. A dívida exeqüenda decorrente de dano causado ao patrimônio do DNER por acidente automobilístico não constitui dívida ativa a ensejar a aplicação do rito da Lei nº 6.830/80, visto que não se trata de débito tributário (art. 201, do CTN) ou não tributário (previsto em lei, regulamento ou contrato).

7. Recurso não provido.

………….”

Mais recentemente, a 2ª Turma do STJ, no REsp 1022746-PR, rel. a Ministra Eliana Calmon, j. 19.08.2008, DJe de 22.09.2008, examinando feito relacionado à execução de dívida ativa não tributária, reconheceu ser cabível a cobrança via execução fiscal de quaisquer créditos titularizados pela Fazenda Pública.

Nesse mesmo diapasão decidiu a 1ª Turma do STJ, no REsp 856272-RS, rel. o Min. Luiz Fux, j. 16.10.2007, DJ 29.11.2007, pág. 198, que em processo relacionado à execução fiscal de tarifas de água e esgoto, realça que o STF vem afirmando reiteradamente a sua natureza de tarifa ou preço público, consubstanciando contraprestação de caráter não tributário, assinalando:

“……..

EMENTA:

……………

7. A Execução Fiscal ostenta esse nomem juris posto processo satisfativo, que apresenta peculiaridades em razão das prerrogativas do exeqüente, assim como é especial a execução contra a Fazenda, não sendo servil apenas para créditos de tributos, porquanto outras obrigações podem vir a compor a “dívida ativa”.

………..”.

É preciso, entretanto, que os procedimentos administrativos de apuração e liquidação dos valores a ativar na dívida ativa, se pautem nos princípios do contraditório e da ampla defesa, na forma do devido processo legal, consoante decidiu a 1ª Seção do Egrégio STJ, no MS 10016/DF, rel. o Min. José Delgado, j. 26.10.2005, DJ 29.12.2005, pág. 203, verbis:

“……………………

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado pela empresa ........ contra ato do Exmo. Sr. Ministro de Estado da Integração Nacional que determinou à empresa a devolução de valores recebidos do FINAM, cancelados pela extinta SUDAM, em razão de irregularidades na implantação de projeto na Zona Franca de Manaus. Defende a impetrante o reconhecimento de irregularidade no processo administrativo que culminou no cancelamento do projeto por afrontar diretamente princípios constitucionais, normas legais e que o regulamento não lhe permitiu o exercício da ampla defesa no âmbito administrativo. Liminar deferida para suspender, até julgamento final, a cobrança da dívida e a sua inscrição em dívida ativa, ressalvando-se que a autoridade impetrada não estaria impedida de sanear o processo, abrindo prazo para a impetrante valer-se dos recursos finais admitidos pela Resolução questionada. Agravo regimental foi interposto pela União e não-provido. Informações prestadas pela autoridade coatora defendendo que: a) a impetrante foi informada do ato cancelatório, soube que a defesa havia sido indeferida, teve conhecimento que o Superintendente havia concordado com o indeferimento e soube que a matéria seria levada à deliberação do CONDEL; b) realmente, a SUDAM não abriu prazo para que a empresa recorresse da decisão que indeferiu a defesa, mediante pedido de reconsideração. Contudo, é impositivo afirmar que a inexistência de abertura de prazo não maculou o princípio da ampla defesa ou do contraditório, pois na época em que promulgada a resolução cancelatória (24 de julho de 1997), não havia no Regulamento de Incentivos da SUDAM a previsão da empresa fazer uso do citado recurso. Esta possibilidade somente foi normatizada posteriormente, com a promulgação da Resolução CONDEL/SUDAM nº 8596, de 04/09/97; c) quanto à omissão alusiva ao julgamento do pedido de revisão do fundamento legal da proposição cancelatória, foi argumentado e fartamente comprovado, mediante documentos da lavra da própria empresa, que o pedido de revisão foi muito mais do que simplesmente examinado, tendo sido tal pleito acolhido. Parecer do Ministério Público Federal opinando pela concessão da segurança. 
2. Não é de se permitir a exigência, pela autoridade impetrada, do recolhimento do montante objeto de notificação sem que tenha sido facultado o prévio e pleno exercício do direito de defesa à empresa na esfera administrativa.
3. Após a rejeição da defesa escrita ofertada pela impetrante, os autos foram encaminhados diretamente à Procuradoria Geral da extinta SUDAM, sem que fosse realizada notificação formal à interessada para apresentar recurso frente à rejeição. Este fato foi reconhecido pela própria autoridade coatora no âmbito das informações que ofertou, noticiando que, realmente, a SUDAM não abriu prazo para que a empresa recorresse da decisão que indeferiu a defesa, mediante pedido de reconsideração.
4. É irrelevante a argumentação expendida pela autoridade coatora no sentido de que a Resolução CONDEL/SUDAM nº 7.077/91 não previa, à época da decisão da rejeição da defesa, a apresentação de recurso. Correta é a interpretação de que a Lei nº 9.784/99 garante ao administrado amplo direito de defesa, com todas as garantias constitucionais inerentes.
5. O contraditório é um dos princípios basilares do Direito Administrativo, decorrendo diretamente do princípio da legalidade. A edição da Lei nº 9.784/99 apenas ratificou a sua importância, incluindo-o dentre os princípios da Administração Pública.
6. Em homenagem aos postulados democráticos, devem ser rigorosamente aplicadas as regras do art. 2º e do art. 68 da Lei nº 9.784/99. 
7. Mandado de segurança concedido para suspender a cobrança da dívida e, conseqüentemente, a sua inscrição em dívida ativa. Determinação para que a autoridade coatora abra prazo para a impetrante valer-se dos recursos finais admitidos.

……………..”


Ante a não-observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, a 2ª Turma do STJ deu provimento ao REsp 379435/RS, rel. a Min. Eliana Calmon e para o acórdão o Min. Franciulli Neto, j. 07.11.2002, DJ 30.06.2003, pág. 183, conforme ementa:

“............
O desconto retroativo, em folha de pagamento de servidores públicos, da contribuição previdenciária incidente sobre a Gratificação de Atividade Executiva - GAE e não descontada na época oportuna, sem a prévia ouvida dos servidores públicos e sem procedimento próprio, viola o devido processo legal e a garantia da ampla defesa.

…………..”.

Corrobora o entendimento sobre a ampla extensão das hipóteses que ensejam o lançamento da cobrança dos créditos não tributários da Fazenda Pública na dívida ativa, a decisão da 1ª Seção do STJ, no EDcl do MS 6573/DF, rel. o Min. Franciulli Neto, j. 25.04.2001, DJ 25.06.2001, pág. 97, a saber:

“……………..

EMENTA: 
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – IMÓVEL FUNCIONAL – OCUPAÇÃO IRREGULAR – MULTA - PERCENTUAL DE DESCONTO FIXADO EM 30% DO SOLDO – PRETENDIDA MANIFESTAÇÃO COM RELAÇÃO AO EXCEDENTE DO FIXADO – EMBARGOS ACOLHIDOS PARCIALMENTE.
- O termo soldo restou empregado em sentido amplo, razão por que, para aclarar o julgado é de bom conselho estabelecer que, reconhecida a legalidade da multa imposta aos impetrantes que irregularmente ocupam imóveis funcionais, é vedado exceder dez vezes a taxa de ocupação, fixado o limite máximo de 30% dos proventos da servidora civil e dos servidores militares.
- Na trilha da jurisprudência citada no v. julgado embargado, cabe acolher a irresignação da embargante para ressalvar à União Federal o lançamento  do excedente em dívida ativa.
- Acolho, em parte, os embargos declaratórios, tão-só para consignar que a multa fixada não pode exceder dez vezes a taxa de ocupação, estabelecido o limite máximo de 30% dos proventos da servidora civil e dos servidores militares, ressalvado à União o lançamento do excedente em dívida ativa.  
Decisão unânime. 

………………”.

Com base em tais considerações, conclui-se que a Administração independe de ações judiciais para produzir títulos executivos visando à cobrança de quaisquer valores de natureza não tributária devidos ao erário, tanto os elencados exemplificativamente nos referidos diplomas legais como quaisquer outros, desde que decorram de obrigações contratuais ou de atos puramente administrativos.

A opção administrativa pela produção do título executivo extrajudicial tem o condão de economizar tempo e recursos financeiros, em cotejo com o longo prazo, o congestionamento dos trâmites e os enormes custos incidentes quando ajuizada ação de conhecimento para a consecução do título judicial que irá aparelhar a execução dos créditos da Fazenda Pública.

Tudo isto sem olvidar, que, sendo validamente produzido o título executivo na esfera administrativa, o devedor só irá embargar a execução depois de garantido o juízo, mediante a constrição de algum bem a título de penhora, o que constitui mais uma garantia para a recuperação do crédito fazendário.

Posto que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito será subtraída da apreciação do Poder Judiciário, que pode rever a legalidade do ato de inscrição do crédito no Serviço da Dívida Ativa, incumbe ao gestor velar pela observância dos critérios de legalidade nos procedimentos de apuração e liquidação do valor a cobrar, assegurando ao administrado o exercício do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios inerentes ao devido processo legal, sob pena de nulidade, que poderá ser arguida em embargos à execução e, por conseguinte, retardar a recuperação dos valores devidos ao erário.

Ultimando, registro que a Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, aplicável na esfera da administração federal direta, autárquica e fundacional, constitui excelente manual ou roteiro de procedimentos administrativos, cuja observância atenta contribui para a validade e eficácia dos atos da Administração.

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