Caso Battisti

Ao conceder refúgio, Tarso Genro foi além da lei

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20 de fevereiro de 2009, 17h15

A celeuma iniciada com a concessão, de parte do ministro da Justiça, Tarso Genro, referendada pelo presidente da República Luis Inácio da Silva, o Lula, da condição de refugiado político a Cesare Battisti, abalando fortemente as relações diplomáticas com a Itália tem recebido, de parte da imprensa em geral, nacional e internacional, considerações de cunho eminentemente político, sobressaindo, nas palavras de Lula, em resposta à interpelação e protestos italianos, a questão da soberania brasileira na tomada da controvertida decisão.

Diante do iminente julgamento pelo STF do processo de extradição de Battisti, proposto pela República Italiana saltará questão mais controvertida quando da análise do texto da Lei 9.474/97, que define implementação de mecanismos ao Estatuto dos Refugiados, de 1951.

Considerando que a instrução do pedido de refúgio e relatório final cabe ao Conare (artigo 23 e 24 da citada lei), uma vez elaborado o relatório, este é enviado ao Secretário do Conselho para inclusão na pauta da próxima reunião. Sabido, no caso Battisti, que o Conare decidiu rejeitar o pedido. Desta decisão se recorreu (artigo 29) à autoridade competente, no caso, o Ministro da Justiça, o qual reformou a decisão, concedendo o refúgio.

O artigo 33 da citada lei assegura que: “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio”. Mais, o artigo 31 da Lei 9.474/97 dita que da: “decisão do Ministro de Estado da Justiça não será passível de recurso, devendo ser notificada ao Conare, para ciência do solicitante, e ao Departamento de Polícia Federal, para as providências devidas”.

Assim, do ponto de vista da regularidade processual, formal, a decisão ministerial não poderia sequer ser analisada pelo Areópago cabendo ao STF tão somente mandar os autos ao arquivo.

Contudo, a análise do contexto legal em que foi prolatada a decisão ministerial contrapõe-se a esta tão apenas formal análise. Decorre disto que legitimado estaria o STF para adentrar no critério da legalidade da decisão.

É que o artigo 3º da mencionada lei dispõe: “Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: (…) III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas”.

A condenação de Battisti pela Justiça peninsular adveio de crimes hediondos de homicídios praticados enquanto este, confessadamente, militava em organização terrorista de extrema-esquerda, propondo-se derrubar o vigente Estado Democrático de Direito da República Italiana.

Já pela redação do inciso III, do reproduzido artigo, o ministro da Justiça não poderia decidir favor debitoris, por vedação legal expressa. Ademais, pela letra do inciso seguinte, a prática de atentados produtores de vítimas fatais, civis inocentes, caso de Battisti, constituem sim atos contrários aos princípios proclamados pela ONU.

Ictus foedus, frente a estes dispositivos legais, ao conceder a Battisti o status de refugiado político, o ministro Genro, respaldado pelo presidente Lula, proclamou decisão lege ferenda. Daí, ex toto, afigura-se para o STF a possibilidade de crivar de legal ou ilegal a decisão ministerial, quando em cotejo com o contido nos autos do processo de extradição. Se a decisão em si for considerada lege ferenda pelo Pleno, prosseguirá este na análise do mérito do pedido da República Italiana, pois que afastada estaria a imperatividade do contido no citado artigo 33.

Por este critério jurídico, não político, a República Brasileira poderia dar respostas desapaixonadas, pois tão somente baseadas no Direito, à República Italiana.

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