Regra formal

Lei que obriga envio de declaração tem vícios

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18 de fevereiro de 2009, 16h20

O problema da Lei 5.388/09, do estado do Rio de Janeiro, que obriga os servidores dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a entregar à Assembleia Legislativa fluminense as declarações de bens, está na forma como ela foi elaborada. “Concordo com o objetivo de transparência. No mérito, a Lei não merece reparo. Mas ela viola vários princípios constitucionais”, afirma o presidente da Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro (Amperj), procurador Marfan Martins Vieira.

A lei foi promulgada pelo presidente Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), autor da proposta, mesmo depois do veto do governador Sérgio Cabral. A justificativa para o veto foi o vício de iniciativa, ou seja, não compete ao Legislativo criar uma lei sobre o assunto. Picciani criticou Cabral. Afirmou que a justificativa tinha aspecto "burocrático e tecnocrata".

A Amperj concorda com o fundamento usado por Cabral. Segundo o ex-procurador-geral do MP do Rio, o regime jurídico do servidor não se insere no rol de competências do Legislativo. Marfan Vieira explica que a iniciativa é do Executivo e, em carreiras autônomas, como o Judiciário, o MP e a Defensoria, cabe aos próprios órgãos estabelecer o regime jurídico do servidor.

Os argumentos não param por aí. De acordo com o procurador, a lei cria, ainda, um novo tipo de infração administrativa ao prever sanções aos servidores que enviarem declarações com informações inexatas ou mesmo não enviá-las.

Fiscalização interna

O presidente da Amperj afirma, ainda, que o controle que o Legislativo pretende fazer já é executado, no Ministério Público do Rio, pela Corregedoria. “Há anos que se exige declaração anualmente”, explica. Além disso, diz Marfan Vieira, a partir de 2005, o controle externo do órgão passou a ser feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público, que possui a ficha financeira de cada membro do MP. “Criar uma nova instância fiscalizadora fere o princípio da razoabilidade”, afirma.

A Amperj provocou Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), que acolheu a representação feita pela entidade fluminense contra a Lei. Na terça-feira (17/2), a Conamp entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, com pedido de liminar. A ação foi distribuída para o ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

ADI 4.203

Leia a íntegra da Lei 5.388/09

O Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em conformidade com o que dispõe o §5º, combinado com o §7º, do artigo 115 da Constituição Estadual, promulga a Lei nº 5388, de 16 de fevereiro de 2009, oriunda do Projeto de Lei nº 1734, de 2008.

LEI Nº 5388, DE 16 DE FEVEREIRO DE 2009.

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

D E C R E T A:

Art. 1º Esta Lei estabelece normas suplementares de fiscalização financeira, com fundamento na competência constitucional de controle externo por parte do Poder Legislativo, determinando a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para o exercício de cargos, empregos e funções dos seguintes poderes e instituições:

I – Poder Legislativo;

II – Poder Executivo;

III – Poder Judiciário;

IV – Ministério Público Estadual e

V – Defensoria Pública.

Art. 2º É obrigatória a apresentação de declaração de bens, com indicação das fontes de renda, no momento da posse ou, inexistindo esta, na entrada em exercício de cargo, emprego ou função, bem como no final de cada exercício financeiro, no término da gestão ou mandato e nas hipóteses de exoneração, renúncia ou afastamento definitivo, por parte das autoridades e servidores públicos adiante indicados:

I – Deputado;

II – Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado;


III – Governador;

IV – Vice-Governador;

V – Secretário de Estado;

VI – Presidente de Autarquia, Fundação, de Agência Reguladora e seus Conselheiros;

VII – Delegado de Polícia;

VIII – Oficial Superior da Polícia Militar;

IX – Oficial Superior do Corpo de Bombeiros;

X – Fiscais de Rendas, bem como outros servidores com atribuição de fiscalização;

XI – Desembargador;

XII – Juiz de Direito;

XIII – Procurador da Assembleia Legislativa;

XIV – Procurador do Estado;

XV – Procurador do Tribunal de Contas;

XVI – Procurador do Ministério Público Especial;

XVII – Procurador de Justiça;

XVIII – Promotor de Justiça;

XIX – Defensor Público e

XX – Todos quantos exerçam cargos, empregos ou funções de confiança, na administração direta, indireta e fundacional dos seguintes poderes e instituições:

a) Poder Legislativo;

b) Poder Executivo;

c) Poder Judiciário;

d) Ministério Público Estadual;

e) Defensoria Pública.

§ 1º A declaração de bens e rendas será transcrita em livro próprio de cada órgão e assinada pelo declarante.

§ 2º O declarante remeterá, incontinenti, uma cópia da declaração à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, para o fim de esta:

I – manter registro próprio dos bens e rendas do patrimônio privado de autoridades públicas;

II – adotar as providências inerentes às suas atribuições e, se for o caso, representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados;

III – publicar, periodicamente, no Diário Oficial, por extrato, dados e elementos constantes da declaração

IV – fornecer certidões e informações requeridas por qualquer cidadão, para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa, na forma da Lei.

Art. 3º A declaração a que se refere o artigo anterior, excluídos os objetos e utensílios de uso doméstico de módico valor, constará de relação pormenorizada dos bens imóveis, móveis, semoventes, títulos ou valores mobiliários, direitos sobre veículos automóveis, embarcações ou aeronaves e dinheiros ou aplicações financeiras que, no País ou no exterior, constituam, separadamente, o patrimônio do declarante e de seus dependentes, na data respectiva.

§ 1º Os bens serão declarados, discriminadamente, pelos valores de aquisição constantes dos respectivos instrumentos de transferência de propriedade, com indicação concomitante de seus valores venais.

§ 2º No caso de inexistência do instrumento de transferência de propriedade, será dispensada a indicação do valor de aquisição do bem, facultada a indicação de seu valor venal à época do ato, ao lado do valor venal atualizado.

§ 3º O valor de aquisição dos bens existentes no exterior será mencionado na declaração e expresso na moeda do país em que estiverem localizados.

§ 4º Na declaração de bens e rendas também serão consignados os ônus reais e obrigações do declarante, inclusive de seus dependentes, dedutíveis na apuração do patrimônio líquido, em cada período, discriminando-se entre os credores, se for o caso, a Fazenda Pública, as instituições oficiais de crédito e quaisquer entidades, públicas ou privadas, no País e no exterior.


§ 5º Relacionados os bens, direitos e obrigações, o declarante apurará a variação patrimonial ocorrida no período, indicando a origem dos recursos que hajam propiciado o eventual acréscimo.

§ 6º Na declaração constará, ainda, menção a cargos de direção e de órgãos colegiados que o declarante exerça ou haja exercido nos últimos dois anos, em empresas privadas ou de setor público e outras instituições, no País e no exterior.

Art. 4º A não-apresentação da declaração a que se refere o artigo 1º, por ocasião da posse, implicará a não-realização daquele ato, ou sua nulidade, se celebrado sem esse requisito essencial.

Parágrafo único. Nas demais hipóteses, a não-apresentação da declaração, a falta e atraso de remessa de sua cópia à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, ou a declaração dolosamente inexata, implicará infração político-administrativa ou falta grave disciplinar, passível de perda do mandato, demissão do cargo, exoneração do emprego ou destituição da função, além da inabilitação, até cinco anos, para o exercício de novo mandato e de qualquer cargo, emprego ou função pública, observada a legislação específica.

Art. 5º Os administradores ou responsáveis por bens e valores públicos da administração direta, indireta e fundacional dos Poderes e Instituições constantes do artigo 2º, assim como toda a pessoa que, por força da Lei, estiver sujeita à prestação de contas ao Tribunal de Contas, são obrigados a juntar, à documentação correspondente, cópia da declaração de rendimentos e de bens, relativa ao período-base da gestão, entregue à repartição competente, de conformidade com a legislação do Imposto sobre a Renda.

Parágrafo único. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro considerará como não-recebida a documentação que lhe for entregue em desacordo com o previsto neste artigo.

Art. 6º A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e a Fazenda Pública Estadual poderão realizar, em relação às declarações de que trata esta Lei, troca de dados e informações que lhes possam favorecer o desempenho das respectivas atribuições.

Parágrafo único. O dever do sigilo sobre informações de natureza fiscal e de riqueza de terceiros, imposto aos servidores da Fazenda Pública, que cheguem ao seu conhecimento em razão do ofício, estende-se aos servidores da Assembleia Legislativa que, em cumprimento das disposições desta Lei, encontrem-se em idêntica situação.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, devendo os atuais ocupantes de cargos, empregos ou funções mencionados no artigo 2º prestar a respectiva declaração de bens e rendas até 30 de junho de 2009.

Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário.

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 2009.

DEPUTADO JORGE PICCIANI

Presidente

 

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