Contribuição em xeque

Pagamento de INSS por presos divide opiniões

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15 de fevereiro de 2009, 9h14

O recolhimento ao INSS pelo trabalho dos presos deve prosseguir? A resposta à questão não é simples e tem gerado discussões acaloradas. Alguns entendem que não cabe o recolhimento porque o trabalho do detento não é baseado na mesma relação existente no trabalho privado. Outros dizem que a medida não devia ser estabelecida por decreto. E há aqueles que acreditam que ele está amparado por normas válidas.

Só no estado de São Paulo, dos 145 mil presos que trabalham em cadeias, 40 mil recolhem o INSS — o que rendeu, pelos últimos dados disponíveis, de 2005, a soma de R$ 1 milhão à seguridade social.

A Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), órgão estadual criado em São Paulo há 30 anos e vinculado à Secretaria de Administração Penitenciária, encabeça a lista dos descontentes com o recolhimento.

De acordo com seu estatuto, a Funap está voltada à educação, trabalho profissionalizante e assistência jurídica ao preso. Também cabe a ela supervisionar a produção do preso que trabalha, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se da comercialização dos bens produzidos e, ainda, suportar despesas, inclusive, o pagamento da remuneração adequada.

Para a Funap, o trabalho do preso não é calcado nos mesmos alicerces da relação de trabalho privado. Este tem como base a facultatividade do serviço a ser prestado. Segundo a entidade, a Lei de Execução Penal estabelece que o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho, que terá finalidade educativa e produtiva (artigo 28), razão pela qual poderá, ao contrário dos demais trabalhadores, receber remuneração inferior ao salário mínimo (artigo 29).

A fundação entende ser “evidente que o trabalhador preso não é trabalhador autônomo e não tem vínculo empregatício. Portanto, não se iguala ao trabalhador não preso, que tem vínculo empregatício”.

Para a Funap, “admitir-se o contrário, como proposto, violaria o princípio da isonomia, cuja atual interpretação consiste em que não se deve tratar igualmente os desiguais. E isso também estaria em contraposição ao recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, desvinculando o contrato de trabalho da contribuição previdenciária, posicionamento este que tem impedido a demissão obrigatória daqueles que obtêm o benefício da aposentadoria junto ao INSS”.

Consultado pela revista ConJur, o juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça, Erivaldo Ribeiro dos Santos, explica que “o preso pode pagar INSS na condição de contribuinte individual, quando, durante o cumprimento da pena, exerça atividade remunerada para uma empresa, com base nos artigos 4º e 2º, da Lei 10.666. de 8 de maio de 2003, constante do Diário Oficial da União de 9 de maio de 2003”. Ele acrescenta que o preso também pode pagar INSS na condição de contribuinte facultativo, com base na Lei 8.212/91.

Já a Secretaria da Receita Federal, procurada pela reportagem, emitiu nota em que se diz a favor da cobrança dos detentos. “Se os presos não recolherem o INSS, eles não se aposentam, e esse não recolhimento obviamente não gera direito às pensões”.

O professor de Direito Penal da PUC de São Paulo, Marcel Cordeiro, é a favor dessa cobrança, desde que regulada por lei. “A discussão é muito interessante. Do jeito que está formatada, a cobrança do INSS não pode existir. Ela não pode ser aplicada com base no Decreto 4.729/2003, simplesmente porque isso não pode se dar via decreto. É um tema que deve ser regulado por lei. Manter isso vigendo mediante decreto é uma anomalia jurídica”, defende.

Já o advogado criminalista Cezar Rodrigues é contrário à cobrança. “Preso gera despesa e o Estado custeia, portanto é um absurdo cobrar do preso”, diz. “Deveriam, sim, fazer como nos Estados Unidos: cobrar fianças, com fiador profissional, e mandar o preso para a rua. Quem fosse para a cadeia deveria trabalhar em um sistema penal terceirizado e privatizado. Se houvesse esse quadro, com os presos trabalhando nesse sistema, aí sim eu seria a favor da cobrança do INSS do preso.”

“Há que se avaliar, ainda, a repercussão política e os efeitos negativos perante a sociedade de entendimento que permita a contagem do tempo de cumprimento de pena para fins de aposentadoria”, constata s diretora executiva da Funap, Lúcia Maria Casali de OIiveira.

A diretora expõe cinco questões que, a seu ver, colocam absolutamente em xeque a atual cobrança do INSS do preso. “Se a Lei 10.666, de 08 de maio de 2003, exige a complementação do valor da contribuição até o valor do salário mínimo padrão apenas para aqueles que percebem remuneração mensal menor que o valor do salário mínimo, em decorrência de circunstâncias de momento, esporádicas ou eventuais (situação em que se encontram presos que trabalham e recebem, por determinação legal, três quartos do salário mínimo), haveria complementação e quem arcaria com tal ônus?”, pergunta.

“Se o cumprimento de pena for equivalente à contribuição ao INSS, como fica aquele desempregado que não conseguiu pagar sua contribuição? Deveria ter optado pelo crime para ter um futuro mais seguro?”, continua.

Lúcia Casali também se questiona quanto à contribuição previdenciária do preso que não recebe um salário mínimo integral e passa um longo tempo em cumprimento de pena. “Isso fará com que o mesmo se aposente com valor inferior ao salário mínimo? E se preso há vários anos e contribuindo para o INSS, esse contribuinte, em caso de nova prisão, teria direito a auxílio-reclusão decorrente do tempo em que passou preso trabalhando? Finalmente: o auxílio-reclusão seria pago ao preso que estivesse trabalhando gerando contribuição e recebimento de benefício simultaneamente?”, questiona.

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