Propaganda com celebridades

Osp roblemas da publicidade de medicamentos

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14 de fevereiro de 2009, 10h05

A publicidade de medicamentos sempre foi um tema polêmico no Brasil. Apesar da Constituição Federal, em seu artigo 220, parágrafos 3º e 4º, determinar que compete à lei federal regular e estabelecer as regras e restrições para a publicidade de medicamentos, ali referida como “propaganda comercial”, há uma série de resoluções e regulamentos administrativos disciplinando essa matéria.

A Anvisa tem emitido várias resoluções e regulamentos a serem observados pelos laboratórios farmacêuticos e agências de publicidade nessa área. Paralelamente, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) também exerce uma fiscalização rígida nas regras desse tipo de publicidade, através da observância do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.

Mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a legislação pertinente à área de medicamento, Lei 6.360, de 23 de setembro de 1976, assim como o Decreto 79.094, de 5 de janeiro de1977, que a regulamentou, já continham algumas normas básicas a serem obedecidas na publicidade de medicamentos, de insumos farmacêuticos e correlatos. Essas regras se aplicam tanto aos produtos cuja venda dependa de prescrição médica, os chamados produtos éticos, para os quais a publicidade é vedada e a divulgação só pode ser feita aos profissionais da área, como também aos chamados “produtos OTC” (Over-the-counter), que podem ser vendidos nos balcões das farmácias sem a necessidade de receita médica

O objetivo dessas normas apesar de colocar em lados opostos a indústria, que precisa divulgar seus produtos, e as demais entidades que regulam a matéria, sejam elas governamentais ou não, é impedir a automedicação e o consumo indiscriminado de medicamentos, transmitindo segurança à população e evitando que seja influenciada por informações inadequadas, incompletas ou descontextualizadas.

As normas existentes

Afora as regras estabelecidas no Anexo I, do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, estabelecidas desde a fundação do Conar, em meados de 1980, a Resolução Anvisa RDC 102, de 30 de novembro de2000, estabeleceu normas rígidas para a publicidade de medicamentos. Essas normas incluem aqueles de venda sem exigência de prescrição (os denominados “OTC”) e enfatizam a impossibilidade de publicidade diretamente ao público consumidor daqueles que exijam a prescrição médica.

Nesse sentido as exigências são inúmeras, todas listadas nos artigos 10 e seguintes da Resolução 102, sempre com a preocupação de não estimular o uso indiscriminado de medicamentos pelo público em geral. Naquela ocasião também instituiu-se, com o mesmo objetivo, frases de advertência que deveriam constar nas mensagens publicitárias desses produtos, como, por exemplo, a célebre “Ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado”.

A Resolução RDC 96/2008

Mas outro aspecto ainda incomodava a Anvisa e o Conar: os comerciais de produtos OTCs veiculados na mídia impressa e eletrônica (televisiva, radiofônica e pela internet), por parte de artistas, atores, esportistas e personagens de grande notoriedade pública, as chamadas “celebridades”, prática essa que atualmente é bastante utilizada pelas empresas de publicidade na divulgação dos produtos de seus clientes. Por serem apresentados por essas celebridades, esses anúncios certamente despertam o grande interesse do consumidor, principalmente quando divulgado pelos seus ídolos. Esse formato de publicidade vinha causando grande preocupação às autoridades, pelo fato dessas celebridades não terem qualquer conhecimento médico ou mesmo técnico e farmacêutico, podendo estimular o uso indiscriminado de medicamentos por parte da população.

Assim, surgiu a Resolução RDC 96, editada pela Diretoria Colegiada da Anvisa, com o intuito de regulamentar a “propaganda, publicidade, informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos de produção nacional ou estrangeira, quaisquer que sejam as formas e meios de sua veiculação, incluindo as transmitidas no decorrer da programação normal das emissoras de rádio e televisão.”

Resultante da Consulta Pública 84/2005, que perdurou por três anos, a Resolução RDC 96/2008, bastante extensa, teve como propósito atualizar as normas existentes na legislação vigente, inovando, porém, em alguns pontos. No entanto, dentre as inúmeras proibições à guisa de regulamentação, destaca-se, como o aspecto totalmente inovador e talvez um dos seus principais objetivos, a proibição da veiculação de publicidade por parte das chamadas “celebridades”, ou seja, atores, artistas esportistas e figuras de notória popularidade, na mídia em geral, impressa e eletrônica. Nesse sentido, o artigo 26, inciso II, da Resolução ANVISA RDC 96/08 dispõe o seguinte:

“Artigo 26. — Na propaganda ou publicidade de medicamentos isentos de prescrição é vedado:

III – apresentar nome imagem e/ou voz de pessoa leiga em medicina ou farmácia, cujas características sejam facilmente reconhecidas pelo público em razão de sua celebridade, afirmando ou sugerindo que utiliza o medicamento ou recomendando o seu uso.”

Para fechar o cerco em torno desse assunto, a Resolução Anvisa RDC 96/08 cuidou de antemão, já no parágrafo único do seu artigo 4º, de proibir a “veiculação de imagem e/ou menção de qualquer substância ativa ou marca de medicamentos, de forma não declaradamente publicitária, de maneira direta ou indireta, em espaços editoriais na televisão; contexto cênico de telenovelas; espetáculos teatrais; filmes; mensagens de programas radiofônicos; entre outros tipos de mídia eletrônica ou impressa.” Com essa determinação, elimina-se, também, o chamado merchandising, prática de publicidade indireta, muito utilizada na televisão e no cinema.

Haverá, no entanto, um prazo para que as empresas possam adaptar-se a essas novas exigências. Com efeito, o artigo 45, da Resolução Anvisa RDC 96/08, estabelece o prazo de 180 dias, contados da data da sua publicação, para a sua entrada em vigor.

Conclusão

A Resolução Anvisa RDC 96/08 constitui mais uma norma a integrar o rol de regulamentos, aumentando o excesso de normatização nessa área e onerando as empresas a cumprirem um detalhamento excessivo de regras que muitas vezes poderá gerar entendimentos divergentes na interpretação dessas normas. Isso certamente aumentará o volume de processos administrativos, decorrentes de autos de infração, sobrecarregando ainda mais a máquina administrativa.

O risco desse excesso de detalhamento é que, sob a atuação paternalista de se proteger o consumidor venha a liberdade de expressão a ser cerceada. A nosso ver, as empresas de medicamentos e laboratórios farmacêuticos terão que ser bastante criativas para atenderem todas essas normas, sem prejuízo das suas próprias atividades.

Mauro J. G. Arruda e Claus Nogueira Aragão são sócios de Gonçalves, Arruda, Brasil & Serra – Sociedade de Advogados.

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