Imunes à crise

Escritórios de advocacia continuam a crescer

Autor

14 de fevereiro de 2009, 5h30

A crise financeira, que começou nos Estados Unidos e faz os demais países temerem entrar em recessão, está aumentando o faturamento dos escritórios de advocacia. Serviços como consultorias na renegociação de contratos e nas recuperações judiciais, além do contencioso nas áreas trabalhista, consumerista e tributária são hoje os setores mais rentáveis das bancas, depois do desaparecimento de trabalhos ligados a IPO´s e investimentos em infraestrutura.

A Lei de Recuperações Judiciais e Falências (Lei 11.101/05) se tornou o grande motivo das consultas recebidas pelo escritório Bumachar Advogados Associados entre outubro e dezembro do ano passado, apesar de a lei estar em vigor desde 2005. “A principal dúvida é sobre os benefícios no fluxo de caixa que as empresas em dificuldade terão caso entrem em recuperação”, conta a advogada Juliana Bumachar, sócia do escritório. Ela afirma que, desde que a crise começou, em setembro do ano passado, o escritório registrou aumento de faturamento.

O Siqueira Castro – Advogados, que também sofreu com a escassez de IPO´s, conseguiu contornar a situação com o aquecimento de outras áreas da banca, como a trabalhista, a societária e a de contencioso, fechando 2008 com um incremento de 35% no faturamento. O ótimo desempenho animou o escritório a abrir novas filiais em Manaus e Belém. “Foi nosso melhor ano”, afirma o sócio Carlos Fernando Siqueira Castro. Para 2009 — ano em que as previsões econômicas continuam pessimistas —, a banca almeja crescer de 15% a 20%. “Alguns setores crescem por causa da crise”, explica.

No Veirano Advogados, os IPO´s praticamente acabaram, depois de serem o carro-chefe do faturamento em 2007. A banca foi obrigada a redirecionar o trabalho dos especialistas da área para o setor de fusões e aquisições e de consultoria. Deu certo. “O aumento de trabalho nessas áreas foi de 100%”, revela o sócio Leonardo Morato. O crescimento na quantidade de consultorias aconteceu principalmente em relação a operações financeiras, depois que as exportadoras viram o prejuízo levado pela Sadia e pela Aracruz com derivativos, que fez as ações das companhias despencarem. As duas empresas apostaram na queda contínua do dólar frente ao real no ano passado e firmaram contratos no mercado de capitais baseados na expectativa, em operações de hedge. Com a explosão da crise, o dólar disparou e fez a Aracruz perder R$ 1,95 bilhão e a Sadia, R$ 760 milhões. “Há uma série de empresas na mesma situação, que tentam renegociar os contratos de hedge com as instituições financeiras”, diz o advogado, que tem nos bancos seus principais clientes.

O escritório também teve um crescimento de 30% na demanda envolvendo ações trabalhistas desde que o medo da crise chegou ao país. “Houve muitas consultas sobre negociação coletiva para redução de jornada de trabalho e de salário, férias coletivas, licença remunerada, banco de horas e até planos para desligamentos e despedidas”, conta o advogado Cláudio Dias de Castro. Segundo ele, o número de processos trabalhistas tende a aumentar até 2010, já que o prazo para reclamações na Justiça do Trabalho é de dois anos após as rescisões.

Mesmo bancas que estavam longe de operações de IPO´s, como o Koury Lopes Advogados, sentiram a desaceleração da economia, mas nem assim deixaram de crescer. “O setor de fusões e aquisições teve uma queda por causa do abatimento gradativo do mercado financeiro no decorrer do ano passado”, afirma a sócia Maria Cristina Junqueira. Mesmo assim, o crescimento da banca foi de 25%. “Se não fosse a crise, poderia ser maior”, diz.

Serviço completo

A explicação para a imunidade à crise está na polivalência das bancas que prestam full service. “Em épocas de grande crescimento econômico, o trabalho é voltado para fusões e aquisições e áreas ligadas ao mercado de capitais e infraestrutura. Já em tempos de crise, os setores com maior movimento são o de pré-litígios societários, que envolvem renegociações, e os de contencioso tabalhista, tributário e de consumo”, explica Carlos Fernando Siqueira Castro, do Siqueira Castro – Advogados. Nos últimos seis meses, a banca, que atende a 400 clientes, registrou aumento de 12% no número de processos trabalhistas de clientes na Justiça. O acréscimo de cerca de seis mil ações “trouxe um impacto grande no caixa”, afirma o advogado. “Ainda há o trabalho invisível, que é o de negociações coletivas com os trabalhadores antes que eles entrem na Justiça.”


No Koury Lopes, as demandas trabalhistas têm exigido esforço da área consultiva. “As empresas estão se reestruturando e renegociando formas de remuneração dos empregados. Elas nos consultam antes de tomar determinadas atitudes”, diz Maria Cristina Junqueira. A previsão, segundo a advogada, é que essas medidas fatalmente acabem gerando ações em curto prazo.

As consultas no escritório também aumentaram devido a empresas que tentam recuperar créditos de clientes devedores. “Muita gente tem se aproveitado da crise para inadimplir contratos ou pedir reajustes impertinentes. Meus clientes têm sofrido muito com isso”, diz a advogada. Ela conta que há casos de imobiliárias tentando reduzir valores de aluguéis, ameaçando até mesmo com ações na Justiça. “Não há razão que justifique redução nos aluguéis”, afirma.

Já os bancos têm sido mais flexíveis nos pedidos de renegociação de contratos, segundo Leonardo Morato, do Veirano. “Alguns setores foram muito atingidos, como o de agronegócio, em que já houve inadimplemento”, diz o advogado, que afirma que os bancos tentam evitar uma quebradeira geral. “A falta de pagamento permite às instituições financeiras darem vencimento antecipado às dívidas e executarem garantias. Analisamos se os créditos podem ser recuperados em juízo ou se o caminho é a recuperação judicial”, explica.

Nas discussões de contratos de derivativos, porém, a postura dos bancos tem sido menos tolerante. “Eles nos consultam sobre as chances de as empresas questionarem na Justiça as perdas com a valorização do dólar sob a alegação de que a mudança no câmbio foi imprevisível”, conta Morato. A tese não tem emplacado até agora na Justiça, segundo o advogado. “Durante a desvalorização do dólar, as empresas tiveram um ganho financeiro muito grande e ninguém reclamou. Quando começam a perder com especulação, não podem alegar desconhecimento dos riscos”, diz. Do lado das empresas, a questão também tem dado trabalho ao Siqueira Castro, que tenta evitar que oito casos envolvendo derivativos de grandes grupos econômicos acabem na Justiça. “Redirecionamos profissionais apenas para negociar as dívidas”, afirma Siqueira Castro.

Resultado esperado em tempos de crise, as recuperações judiciais e falências foram a menina dos olhos do Bumachar Advogados. A procura pela banca nesses casos aumentou 30% em janeiro e já chega a 45 processos ajuizados. “Essa quantidade se desdobra em outras milhares de ações”, explica Juliana Bumachar. Um dos casos em que o banco atua, o da falência do grupo Bloch em 2000, gerou outros três mil processos incidentais, a maioria vinda de credores não incluídos na lista de pagamento ou insatisfeitos com o valor estipulado que receberiam. “Na última semana de dezembro, ajuizamos dois pedidos de recuperação judicial para grandes grupos econômicos que atuam no país todo e terão o plano de recuperação apresentado aos credores até o fim do mês”, conta.

O movimento de recuperações judiciais também foi incrementado no Veirano. “São dois novos pedidos por semana, sendo que antes da crise era um a cada dois meses”, revela Morato. O número é exatamente o mesmo no Siqueira Castro, que já contabiliza 15 consultorias na área, segundo Carlos Fernando Siqueira Castro. “Não há uma semana em que não tenhamos um ou dois assuntos novos para recuperação de ativos”, conta.

Para Juliana Bumachar, a quantidade de pedidos de recuperação deve aumentar em 2009. “Há empresas que ainda aguardam uma mudança no cenário”, afirma. Ela tem mais cinco clientes que pretendem pedir recuperação depois do feriado de Carnaval. O advogado Gilberto Deon, também sócio do Veirano, conta que o crescimento tem acontecido principalmente em São Paulo. “Nos últimos meses, fomos contratados tanto para assessorarmos clientes na aquisição de unidades industriais de empresas em recuperação quanto para representar credores de empresas em recuperação”, diz.

Chuva de processos

A falta de dinheiro tem tornado a Justiça um verdadeiro ringue — fato de que os escritórios de advocacia não reclamam. As áreas de contencioso têm crescido tanto contra as empresas, com ações movidas por ex-empregados e consumidores, quanto por elas mesmas, discutindo cobranças feitas pelo fisco. “A necessidade das empresas em fazer caixa tem feito com que entrem em discussões tributárias tanto administrativa quanto judicial”, explica Siqueira Castro. Só em São Paulo, a banca espera um aumento de 45% no faturamento este ano. “Já em demandas com consumidores, o aumento deve ser de 10%”, projeta o advogado. O escritório, que já administra 70 mil processos de contencioso de massa, conta que os planos de saúde tiveram uma elevação no número de reclamações.


Mas não é só a crise que impulsiona o setor tributário das bancas. Diversas questões que aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal, mas que já tiveram repercussão geral reconhecida e podem ser julgadas ainda este ano, têm causado uma correria das empresas à Justiça. Elas não querem perder a chance de serem beneficiadas com uma possível decisão favorável do Supremo aos contribuintes, como no caso da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins, que ainda depende de apreciação. Nesses casos, só receberão de volta valores pagos indevidamente os contribuintes que entraram com ações antes da decisão final da corte. É o que afirma o tributarista Abel Amaro, do Veirano. “Temos também trabalhos novos de planejamento tributário operacional que implicam revisões fiscais de operações comerciais, além de um número grande de autos de infração lavrados no final de 2008 e começo de 2009”, diz. Ele estima um crescimento de 10% nos trabalhos dessas áreas para este ano, um pouco abaixo do previsto antes de outubro do ano passado, de 15%. “Houve redução de clientes estrangeiros”, afirma.

Cintos apertados

Apesar de o temor da crise não ter conseguido vencer os diques dos escritórios, todo cuidado ainda é pouco. A contenção de despesas e a renegociação com fornecedores está na ordem do dia. No Koury Lopes, uma equipe de 14 pessoas já discute formas de cortar gastos supérfluos para não ter que demitir funcionários se a crise piorar. “O objetivo é otimizar os gastos e fechar os ralos por onde o dinheiro pode estar se perdendo”, diz Maria Cristina Junqueira. Embora a banca não tenha demitido funcionários de outubro para cá, também não contratou mais nenhum. “Todo mundo está se preparando para que, se a crise chegar, seja bem administrada.”

No Siqueira Castro, os cortes de gastos já começaram. Despesas internas com custeio e com fornecedores foram reduzidas em 7%, de acordo com Carlos Fernando Siqueira Castro. Os pagamentos também tiveram de ser reprogramados, devido ao novo cenário econômico das empresas. “Tem clientes que passaram a quitar os honorários em 60 dias, o que antes faziam em 30”, diz. Um dos trunfos da banca, segundo o sócio, é que todas as 15 unidades no Brasil possuem sedes próprias e não pagam aluguel. “Aluguéis com sedes são absurdos. Há concorrentes que chegam a pagar R$ 1,2 milhão com a locação de apenas um prédio”, conta.

Os clientes do Veirano também renegociam pagamentos ao escritório devido a dificuldades de caixa. “Alguns aproveitam o momento para adiar projetos e um deles chegou a pedir desconto nos honorários, o que temos procurado atender, já que é um cliente com boa demanda de serviços jurídicos”, explica Abel Amaro. O advogado Leonardo Morato conta que um banco atendido por ele pediu uma proposta de honorários para que o Veirano o represente com exclusividade em todo o Brasil nos casos de recuperação judicial, “com intenção de otimizar os gastos nessa área”, afirma. “Não tem como querermos levar vantagem numa situação econômica como essa.”

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!