Caso Battisti

STF não irá dizer se decisão italiana foi injusta

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

14 de fevereiro de 2009, 11h22

Não é surpresa a variedade de opiniões dos juristas sobre a situação do italiano Cesare Battisti, beneficiado por asilo político pelo ministro da Justiça. A palavra final será do Supremo Tribunal Federal, tendo o ministro Cezar Peluso denegado pedido liminar da Itália pela extradição, em correta decisão individual.
 
No mérito, porém, o conjunto dos ministros poderá conceder ou negar a extradição — ou nem uma coisa nem outra. Sim, o STF pode até resolver que o asilo é da exclusiva responsabilidade do Executivo.
 
No Brasil, a função precípua de guarda da Constituição é do STF. Está no artigo 102, mas há outros a serem lidos: artigos 1º (a soberania é fundamento da República Federativa do Brasil); 4º (afirma a independência nacional e a autoridade para concessão de asilo político, nos incisos I e X). Refiro, ainda, o artigo 5º, inciso LII (proíbe a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião). No artigo 102, já mencionado (inciso I, letra "g"), o STF tem competência originária para decidir extradição solicitada por Estado estrangeiro, mas não o asilo.
 
Encontrar o fio da meada, no meio da cansativa mistura de disposições constitucionais, não é fácil, até porque também há leis ordinárias sobre o assunto. Deixo-as de lado. Não cabem no meu número de toques de computador e não tem tanto relevo para a visão constitucional.
 
Vamos, pois, ao que interessa: discutir o que pode acontecer com Battisti. Muito possivelmente a primeira parte da discussão, no STF, desagrade quem não for do ramo: os ministros debaterão se é caso de debater o caso.
 
O paradoxo é só aparente, pois é princípio nacional (mais amplo que a própria lei) dar asilo ao refugiado político, concedido pelo Executivo. Se a discussão terminar com a negativa de competência do Supremo, a votação acabará na preliminar. Se for ao mérito, fará a difícil distinção entre ato político (Battisti fica no Brasil) e ato de terrorismo (Battisti vai para a Itália).
 
Qualquer que seja o rumo da maioria, o STF será inspirado pelo princípio da soberania, cujo característico é o de julgar segundo a lei brasileira, por seus componentes, as questões a serem resolvidas no Brasil. Quando a Itália foi à nossa Suprema Corte, condicionou-se a aceitar o que ficar decidido. Mostrou que a terra de onde se espalhou pelo mundo o direito romano compreende a essência da discussão. De seu lado, o ministro Berlusconi sabe que amigos são amigos, mesmo que não tenha ouvido falar dos pugilistas cubanos devolvidos a seu país, muito discretamente, muito rapidamente, muito informalmente, o que explicaria o asilo atual.
 
Os fatos imputados a Battisti, na Itália, ocorreram há mais de 30 anos, circunstância que, no Brasil, resulta na extinção da pena. Lá ele foi condenado, em 1988, excluindo a prescrição em concreto. Se a maioria do STF avaliar o mérito da concessão pelo Executivo brasileiro, o debate será mais interessante.
 
Lembro ao leitor: o Supremo não apreciará se sentença dos tribunais italianos foi justa ou injusta. Considerará, porém, que Battisti foi condenado a prisão perpétua e exigirá que a Itália se comprometa a mantê-lo preso pelo período máximo admitido pela legislação brasileira. Exigência soberana.
 
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste sábado (14/2)

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    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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