Ilha da fantasia

Descentralização do TJ-SP é a medida mais racional

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12 de fevereiro de 2009, 11h12

A tentativa de atender a um preceito constitucional conduz a equívocos e evidencia a urgência de o Judiciário se adequar à realidade. O parágrafo 6º do artigo 125 da Constituição da República, na redação da Emenda Constitucional (EC) 45, de 2004, autoriza o Tribunal de Justiça a funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras Regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à Justiça em todas as fases do processo.

A intenção do constituinte reformador é clara: não apenas tornar a Justiça de segundo grau mais próxima da cidadania, mas prestigiar a ideia de descentralização como forma racional de gestão do funcionamento dessa prestação estatal. O Tribunal de Justiça de São Paulo conta, hoje, com 360 desembargadores, mais outra centena de juízes substitutos em segunda instância e magistrados convocados a atuar em Câmaras Extraordinárias.

Esses mais de 500 profissionais julgam os recursos de todo o estado de São Paulo, o que obriga o deslocamento físico dos autos das regiões mais longínquas do interior em direção à capital — a informatização ainda é muito incipiente no âmbito estadual. Não é só o transporte do processo que se torna obrigatório. É também o dos julgadores, nem todos radicados em São Paulo. Muitos magistrados preferiram permanecer em suas cidades de origem e viajam para a capital semanalmente, em transporte oficial. São viaturas do estado, dirigidas por funcionários públicos e custeadas pelo povo.

A instalação de Câmaras Regionais atenderia a múltiplos objetivos. Os processos submetidos à segunda instância de julgamento — os recursos — permaneceriam nas sedes regionais. Os advogados não precisariam vir a São Paulo para sustentar oralmente. Mesmo as partes, como quer o constituinte, poderiam assistir ao julgamento na própria cidade ou em outra cidade próxima.

É evidente a economia gerada para os cofres públicos. Efeito não explicitado na Constituição, mas previsível, seria a redução do trânsito nesta caótica cidade dos congestionamentos. A descentralização ainda permitiria uma gestão menos complexa do Tribunal de Justiça, com delegação da burocracia a sedes regionais.

Ninguém desconhece a complexidade da administração de uma corte com 500 julgadores em segundo grau. Funcionaria de maneira mais racional e o tempo consumido na transferência física dos processos abreviaria os julgamentos. Tudo a atender à exigência de maior celeridade na outorga da prestação jurisdicional.

Difícil a implementação? Não se pode negar. Mas não impossível. As grandes cidades, consideradas polos regionais, já possuem edifícios forenses compatíveis com a necessidade de preservar a tradição solene do julgamento colegiado. Há servidores lotados na capital que aceitariam a transferência para o interior, algo que hoje não conseguem porque sua função ainda inexiste fora da sede do tribunal.

Formulada a proposta, ainda que cinco anos depois da EC 45/2004, que a determinou, surgem os óbices. Existem os que afirmam ser mera "ressurreição" dos Tribunais de Alçada, extintos pelo constituinte da Reforma do Judiciário. A coisa é muito diferente. Os Alçadas funcionavam bem, mas detinham competência limitada. Havia processos que só poderiam ser julgados no Tribunal de Justiça. As Câmaras Regionais terão competência plena. É o mesmo Tribunal de Justiça a funcionar descentralizadamente.

O argumento contrário é frágil, portanto. Mas esse não é o ponto principal. Valendo-se da oportunidade, os que se apegam a uma visão anacrônica do Judiciário pretendem aproveitá-la para a criação de mais 150 cargos de desembargador. Quando se propunha a unificação da Segunda Instância, o número de 332 desembargadores — soma dos quadros do Tribunal de Justiça e dos 3 Tribunais de Alçada — era considerado um exagero. Pois foram criados mais 28 para liberar o Órgão Especial de jurisdição comum e se chegou a 360. Agora, pretende-se fazer com que esse número atinja 510.

Essa pretensão vai na contramão do que o Judiciário deve fazer para se tornar o serviço público eficiente e célere que a Nação exige. Trezentos e sessenta já é um número excessivo de cargos, tanto que o próprio constituinte propôs a descentralização, a antever a inconveniência de tribunais gigantes. Esta era é de enxugamento, de fazer mais com menos. A criatividade deveria servir para otimizar a produtividade, e não seguir a velha receita da multiplicação de cargos e estruturas.

Vai na contramão pois a crise chegou e vai durar. O governo não pode continuar a inflar. É de constatar que o povo chegou ao limite da capacidade de suportar tributos. A máquina paquidérmica, pesada e disfuncional merece revisão no funcionamento. Não se vivem tempos de crescimento vegetativo sem avaliar as repercussões da criação de mais cargos. Elas virão sob a forma de mais funcionários, prédios e viaturas. Cargos não apenas no Judiciário, mas no Ministério Público, nas polícias e nas defensorias.

O velho discurso da criação de cargos atende à urgência que os mais novos ostentam de "chegar logo ao topo". Basta criar cargo e os recursos para sustentá-lo virão por milagre? A carreira não é correria.

Lembro-me do notável desembargador Young da Costa Manso, que presidiu o Tribunal de Justiça diante de episódio análogo. Aliás, tais reclamos constituem fato recorrente numa instituição bastante hermética e caracterizada por nítida entropia. Dizia ele, com certa ironia, que de acordo com os novos seria melhor inverter a carreira da magistratura: todos começariam como desembargadores, para terminar suas trajetórias como juízes substitutos numa pequena cidade, merecedora da serena atuação de um sábio julgador, tranquilo na paz interiorana.

Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo, desta quinta-feira, 12 de fevereiro.

 

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