Falso debate

Excesso de medidas provisórias: um falso debate

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9 de fevereiro de 2009, 15h23

Virou moda os presidentes da Câmara e do Senado, com o aplauso dos parlamentares e da grande mídia, culparem o excesso de medidas provisórias pelo bloqueio da pauta, quando a paralisação do processo decisório no Poder Legislativo resulta mais da omissão do presidente do Senado, da obstrução da oposição, da ausência de vontade política para votar as matérias pendentes, inclusive as MPs e, principalmente, do vácuo de lideranças nos partidos, tanto na oposição quanto na situação, do que do suposto excesso de MPs.

Sobre a edição de medidas provisórias, pode-se afirmar que, nos últimos anos, particularmente em 2008, houve redução do número delas, ao contrário do que dizia, de modo obsessivo, o ex-presidente do Senado, Garibaldi Alves. A média mensal de MPs, da ordem de 6,8, no período de FHC (11 de setembro de 2001 até 31 de dezembro de 2002) em que passaram a vigorar as regras atuais, e de 4,85 nos Governos Lula (2003 a 2008) caiu para 3,07, em 2008, ano em que foram editadas 40 medidas provisórias, contra 82 na era FHC e 72 na era Lula.

Em relação à suposta invasão de competência do Congresso pelo Poder Executivo, igualmente, o argumento carece de consistência. A própria Constituição, no parágrafo 1º do artigo 62, veda a edição de medidas provisória sobre: i) nacionalidade, cidadania, direitos políticos e direito eleitoral; ii) direito penal, processual penal e processual civil; iii) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e garantia de seus membros; iv) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementes, ressalvado os extraordinários; v) detenção ou seqüestro de bens , poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; vi) matérias reservadas à lei complementar; e vii) tema já aprovado pelo Congresso e pendente de sanção presidencial, entre outros.

Aliás, se analisarmos o conteúdo das medidas provisórias, como regra, vamos verificar que a maioria esmagadora, algo como 90% delas, cuidam de temas cuja iniciativa é privativa do Poder Executivo, restando apenas algo como 10% sobre assuntos em que o Congresso poderia legislar concorrentemente. Logo, a retórica de invasão de competência serve apenas como álibi para o não cumprimento de suas atribuições, o que vale também para o Poder Executivo, quando o Judiciário determina a aplicação de preceito constitucional por omissão dos Poderes Legislativo e Executivo na regulamentação desses preceitos.

Apenas para ilustrar, em 2008, por exemplo, das 40 MPs editadas, 17 trataram de matérias fiscais e tributárias (renúncias, incentivos, criação de fundos), seis sobre pessoal, cinco sobre orçamento, quatro sobre reestruturação administrativa, duas sobre segurança pública, uma sobre área de livre comércio, uma sobre turismo, uma de doação, uma de licitação e contrato, uma sobre a comercialização de bebidas alcoólicas e uma sobre salário mínimo.

Sobre o trancamento da pauta, a responsabilidade, em grade medida, é do presidente do Senado, que não cumpre a Resolução 1, de 2002, que disciplina a tramitação de medidas provisórias. Segundo essa resolução, no dia seguinte à publicação de uma MP, deve ser constituída comissão mista (14 parlamentares, sendo sete deputados e sete senadores) para, num prazo de 14 dias, emitir parecer sobre admissibilidade e mérito da medida provisória.

Constituída a comissão, se os líderes não designarem os membros, compete ao presidente do Senado fazê-lo. Mas, durante todo o Governo Lula, os sucessivos presidentes do Senado nunca instalaram as comissões destinadas ao exame das MPs, deixando para o presidente da Câmara, sempre um aliado do Governo, designar o relator em plenário, geralmente quando a pauta já está trancada, após 45 dias de edição da MP.

No período FHC, por exemplo, não havia trancamento de pauta exatamente porque a comissão mista era constituída e cumpria sua função no prazo. Os líderes de oposição da época exigiam a instalação e funcionamento da comissão mista. A não instalação da comissão, para o governo, é o melhor dos mundos, porque permite ao Poder Executivo controlar a agenda do legislativo, que só coloca as MPs na agenda após 45 dias de tramitação, quando a pauta já está trancada.

O problema, portanto, é de diagnóstico. Não existe excesso de MPs. Existe omissão dos presidentes da Casas, dos líderes partidários e dos próprios parlamentares, que poderiam perfeitamente exigir a instalação da comissão e a votação das MPs antes do trancamento da pauta. Se há, como todos dizem, uma unanimidade no Congresso contra o suposto excesso de MPs, os parlamentares poderiam alterar a Constituição para limitar ainda mais o universo de temas sobre os quais pudesse ser editadas MPs, mas este não é o problema. Aliás, a regra atual, que bloqueia a pauta, foi introduzida na Constituição por iniciativa dos deputados e senadores.

Além disto, o Congresso não possui uma agenda própria para deliberação nem tampouco para o país. É por isso que o Poder Executivo é recordista na iniciativa de leis. As leis oriundas do parlamento, com raras exceções, cuidam de temas sem importância, como datas comemorativas ou homenagens. Os presidentes recém-eleitos é que sinalizaram com algumas propostas dispersas, como votação das reformas política e tributária, e a regulamentação das medidas provisórias, mas não propuseram claramente uma agenda abrangente, mencionando apenas que constituiriam comissões para proporem solução para a crise.

Diante desses fatos, fica evidente que o trancamento da pauta decorre da omissão do presidente do Senado, da conveniência dos líderes da base governista, da postura da oposição, que prefere obstruir a exigir que a matéria seja examinada pela comissão mista, e não do excesso de medidas provisórias, como queria fazer crer o ex-presidente do Senado, Garibaldi Alves, que fez disso uma bandeira durante seu curto mandato à frente da Presidência da Casa.

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